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quarta-feira, abril 29

Gaúchos querem a redução da maioridade penal (*)

Matéria do Jornal Diário Popular, abaixo publicada, traz pesquisa de opinião sobre a redução da maioridade penal, na qual fica evidenciado que  70% dos gaúchos a desejam. 

Por: Diego Queijo


A possível redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, é a polêmica da vez. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) está na Câmara dos Deputados e, se o parecer for favorável, ela poderá entrar em vigor sem depender da sanção da Presidência, só do Senado. O Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) foi às ruas para saber a opinião dos gaúchos sobre o tema e o resultado mostrou que mais de 70% da população é a favor da diminuição.

O texto da PEC propõe prender em penitenciárias comuns menores de 18 anos julgados por crimes que vão de homicídio ou estupro a roubo ou furto. O projeto da emenda foi apresentado em agosto de 1993. Ficou mais de 21 anos parado e agora, em 2015, as discussões foram retomadas.

No início da noite desta terça-feira (28), um debate ocorrido na Câmara de Vereadores de Pelotas fomentou também o debate local. O evento foi promovido pelos vereadores Ivan Duarte (PT) e Rafael Amaral (PP), e contou com a presença de representantes das áreas da Justiça, do Ministério Público, das polícias Civil e Militar, advogados, assistentes sociais.

Em Brasília, se o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara for favorável, a PEC seguirá para o plenário. Depois, será encaminhada à CCJ, antes de passar pela votação dos senadores. Apesar do projeto não depender de sanção da Presidência, ele pode ser questionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), última instância da Justiça.

Na pesquisa realizada pelo IPO foram realizadas 1.501 entrevistas com eleitores a partir dos 16 anos, entre os dias 7 e 13 de abril, distribuídos entre as sete regiões do Estado. A capital, Porto Alegre, foi analisada isoladamente da Região Metropolitana.

Em todas as regiões a maior parte da população (mais de 70%) se disse favorável à redução da maioridade penal. A mesorregião centro-oriental, capitaneada por Santa Cruz do Sul, lidera este percentual, com 94,6%. Porto Alegre é a região com maior índice de discordância da redução da maioridade penal (com 23%), seguida da região Sudeste (Pelotas) e Ocidental (Santa Maria).

A aprovação do projeto de redução está associada à sensação de insegurança gerada pela percepção de impunidade de adolescentes infratores ou criminosos. Muitos entrevistados acreditam que se um adolescente de 16 anos está apto para escolher o seu governante, também está apto para responder por suas ações. Parte dos gaúchos afirma que há necessidade de políticas públicas para atender adolescentes e coibir a ação dos criminosos e do tráfico de drogas sobre os jovens, mas - segundo a pesquisa - tendo em vista a ineficiência ou inexistência dessas políticas, esse percentual acredita ser necessária a responsabilização desses adolescentes, como um ato de moralização e aumento da sensação de segurança.

Para auxiliar no posicionamento dos leitores, o Diário Popular pediu a dois especialistas - com ideias opostas - textos sobre os porquês de ser contra ou a favor da redução da maioridade.

Para José Olavo dos Passos: "Não se combate criminalidade apenas com prisão"

Por: Para José Olavo dos Passos, promotor da Justiça Criminal em Pelotas
Fala-se, diuturnamente, em recrudescimento da criminalidade. Clama-se, a todo minuto, pelo aumento da segurança. Procura-se, hora após hora, responsáveis pelos ilícitos penais acontecidos. Essa é uma realidade irretorquível.
O Estado, sociedade organizada, passa por enormes dificuldades econômico-financeiras, como sempre passou, a todo o tempo, a todo o momento. Luta e labuta, com as forças que tem, para combater - na forma estática como funciona - o crime que se organiza em estruturas dinâmicas, modernas e céleres, que se renovam a todo dia. É preciso encontrar responsáveis pelo que está acontecendo.
A crise social vai ceifando futuros, expectativas e sonhos. As oportunidades vão diminuindo, para não dizer desaparecendo. A miséria vai batendo à porta de muitas famílias, e muitos jovens encontram na esfera criminal a única porta que se abre como elemento de saída para o seu viver desarrazoado. Isso não se contesta.
Reduzir a maioridade penal, sobre o alicerce de que com isso se estará reduzindo a criminalidade, é submeter-se ao sofisma tão enganador quanto acreditar-se no ouro dos tolos, que somos os únicos seres vivos do universo, que a alma não é eterna, e em tantas outras verdades que fazemos questão de renegar.
Certo é que as ditas pessoas menores são usadas pelo crime organizado, em especial o tráfico de drogas, para a prática de delitos, frente à crença de que ficarão impunes, outra irrealidade que campeia no seio social. Ora, mas se é assim, caso baixemos a idade penal para 16 anos o crime organizado passará a coletar para sua égide menores de 16, e se reduzirmos a idade penal para 15, buscarão os menores de 15, e assim por diante, até que tenhamos que punir criminalmente crianças de cinco ou seis anos de idade, ou até menos. Verdadeiro absurdo.
Não se combate criminalidade apenas com prisão. Se assim fosse, países com imensa população carcerária não teriam criminalidade elevada, tais como os Estados Unidos, por exemplo, que possuem, inclusive a pena capital e têm mais de dois milhões de encarcerados.
E não se diga que o Brasil não tem muitos presos, pois possui mais de 700 mil apenados com penas privativas da liberdade, e a criminalidade é elevada em nosso contexto social.
A criminalidade infanto-juvenil, no Brasil, é irrisória frente à criminalidade adulta. Os índices de recuperação com os trabalhos dos órgãos da Infância e da Juventude, evitando a reincidência, são notáveis e de resultados mais importantes do que aqueles acontecidos junto à execução penal comum.
Assim, não se trata de reduzir a idade penal para combater o crime, e sim de aparelhar os órgãos da segurança pública, investir na prevenção, como na esfera educacional e nas oportunidades de trabalho, e jamais se pensar em colocar um adolescente, que ainda pode ser recuperado, em um sistema prisional adulto que o modificará para todo o sempre.
Para Fabrício Matiello: "Teorias do ‘coitadismo’"
Por Fabrício Matiello, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas

Não estamos mais na metade do século passado, quando as pessoas ocupavam espaços em uma sociedade relativamente pacífica e ordeira. Época em que meninos eram apenas meninos e se dedicavam a estruturar uma vida melhor, dentro de padrões que hoje até podem parecer ingênuos. Entretanto, há quem não perceba isso e queira tratar bandidos de hoje com a cândida percepção de ontem.

A desestruturação das famílias e a competitividade a todo custo associam-se à evidente falta de valor que se dá à vida, criando um caldo de cultura que exige a adoção de medidas jurídicas duras. Entre elas a redução da maioridade penal, que, como se sabe, deve atender ao contexto de cada época e ao clima de guerra civil em que vivemos.

Independentemente das causas que conduzem muitos jovens ao crime, e das quais não somos, em particular, responsáveis, é necessário combater esse mal a partir dos seus efeitos. As causas também reclamam atitudes enérgicas, mas, como na medicina, antes é preciso estancar a hemorragia para depois pensar na cura total.

O sistema de ressocialização dos condenados é um grande fracasso no Brasil. Mas, em vez de alterar a estrutura penal e mudar o rumo dessa visão caolha, alguns pretendem fazer um “Brasil sem grades”. Não! O que se necessita é de um sistema penal que passe do falido mecanismo do objetivo único da tentativa de recuperação para um modelo chamado de retributivo, onde cada bandido tenha a certeza de que será severamente punido.

Nesse quadro, os menores com 16 anos completos são homens formados, capazes de diferenciar o bem do mal e de agir de acordo com essa perspectiva. É preciso deixar de lado as teorias do “coitadismo” (pobrezinhos, são vítimas!) para adotar estratégias de combate efetivo ao banditismo. Ou será que o pai que tem a sua filha estuprada e morta por um “coitadinho” de 17 anos acha suficiente que ele passe, no máximo, três anos em uma “instituição de recuperação”?

Recupera-se quem quiser, e, na prática, poucos querem. Então, ao menos que sejam retirados do convívio social os que, com 16 anos completos, não compreendam o valor da vida alheia. E que fiquem presos por tempo suficiente para a sua recuperação, se quiserem, ou pelo tempo necessário para que a sociedade viva em paz. Sejam maiores ou menores de idade, ninguém tem o direito de desprezar a vida. E a certeza da punição é o único mecanismo capaz de fazer com que cheguemos a esse objetivo.

terça-feira, abril 28

Princípio da Intervenção Mínima ou “ultima ratio”

O sistema de proteção aos bens jurídicos a que se propõe o Direito Penal não é ilimitado, eis que sua intervenção somente está legitimada quando os demais ramos ou setores do direito se mostrem incapazes ou ineficientes para a proteção ou controle social.

O caráter fragmentário do Direito Penal, bem como sua natureza subsidiária são, assim, bastante conhecidos e são diversos autores que manifestam ser esse ramo do direito legitimado a intervir somente quando fracassam os outros modos de proteção a bens jurídicos tutelados.

A Constituição Federal Brasileira em seu artigo 1º, inciso III estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. Além disso, também preleciona serem invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e a propriedade, assim manifestando seu artigo 5º.

Em face desses postulados, é possível refletir que a limitação a esses direitos ou garantias constitucionais somente se justifica quando houver ofensa ou ameaça de tal ordem que a intervenção do Direito Penal e a aplicação da sua conseqüência jurídica – a pena criminal – sejam estritamente necessárias.

Por isso mesmo o Princípio da Intervenção Mínima - que não está expressamente inscrito na Constituição Federal – é um princípio limitador do poder punitivo estatal, impondo-se como o caminho inevitável para conter possíveis arbítrios do Estado.

Assim por força deste princípio, num sistema normativo-punitivo – como é o Direito Penal - a criminalização de comportamentos só deve ocorrer quando se constituir meio necessário à proteção de bens jurídicos ou à defesa de interesses juridicamente indispensáveis à coexistência harmônica e pacífica da sociedade.

Não pode o Direito Penal servir de instrumento único de controle social, sob pena de banalizar-se a sua atuação que deve ser subsidiária, último remédio, última alternativa, a ‘ultima ratio’.

A observância do Princípio da Intervenção mínima se constitui decorrência imediata do chamado Garantismo Penal, consubstanciado na aplicação constitucional do Direito Pena e, por isso, não se deve tolerar que ele sirva de instrumento único de controle social, sob pena de banalizar-se a sua atuação, que deve ser subsidiária, último remédio, última alternativa, a ‘ultima ratio’.

Em tempos de expansão desmedida e descontrolada do Direito Penal, em que se experimenta um processo de administrativização ou de excessiva intervenção deste setor do Direito, faz bem lembrar do Princípio da Intervenção Mínima, e refletir sobre o seu verdadeiro alcance.

Em um único parágrafo, os Princípios Constitucionais limitadores do 'jus puniendi'


"O Direito Penal na atualidade  já não pode ser estudado e compreendido sem a integração dos princípios constitucionais que limitam o jus puniendi(...): o Direito Penal existe para a tutela de bens jurídicos, os mais relevantes e contra os ataques mais intoleráveis (fragmentariedade); somente quando outros ramos do Direito não resolvem o conflito é que pode ter incidência o Direito Penal (subsidiariedade); ninguém, de outro lado, pode ser punido pelo que pensa e pelo que é(princípio da materialização do fato); a tipicidade exige, ademais, que o fato exteriorizado seja legalmente previsto na ordem jurídica (legalidade e taxatividade) e ofensivo ao bem jurídico (lesão ou perigo concreto de lesão, segundo o princípio da ofensividade). E só responde por ele quem o praticou ou dele participou (responsabilidade pessoal), com dolo ou culpa(princípio da responsabilidade subjetiva) e se tinha possibilidade de se motivar no sentido da norma e agir de modo diverso (princípio da culpabilidade). Todos os réus, na medida das suas igualdades, devem ser tratados igualmente; e desigualmente, na medida das desigualdades (princípio da igualdade); as penas devem ser as legalmente previstas (princípio da legalidade) e proporcionais (princípio da proporcionalidade da pena), nunca desumanas ou cruéis (princípio da humanidade da pena), e jamais podem ofender a dignidade humana(principio da proibição da pena indigna)!

(In: Direito Penal: Introdução e Princípios Fundamentais
Bianchini, Alice; García-Pablos, Antônio & Gomes, Luiz Flávio)

segunda-feira, abril 27

O encontro fortuito de provas na jurisprudência do STJ

Mirar em algo e acertar coisa diversa.

A descoberta de provas ao acaso tem sido valiosa para as autoridades policiais desvendarem a ação criminosa. Um exemplo recente é a operação Lava Jato. Seu objetivo inicial era desarticular quatro organizações criminosas lideradas por doleiros. 

O nome da operação vem do uso de uma rede de postos de combustíveis e de lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações investigadas. No curso das investigações, o Ministério Público Federal recolheu elementos que apontavam para a existência de um esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras – segundo o MPF, é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro a que o Brasil já assistiu. 

O fenômeno chamado de serendipidade consiste em sair em busca de algo e encontrar outra coisa, que não se estava procurando, mas que pode ser ainda mais valiosa. A expressão vem da lenda oriental Os três príncipes de Serendip, viajantes que, ao longo do caminho, fazem descobertas sem ligação com seu objetivo original. 

Objeto claro

O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, e para o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada (artigo 93, inciso IX). No artigo intitulado Natureza jurídica da serendipidade nas interceptações telefônicas, o professor Luiz Flávio Gomes explica que a Lei 9.296/96 determina que a autorização judicial de escuta deve trazer a descrição clara da situação objeto da investigação e a indicação e qualificação dos investigados. 

Ocorre que, no curso de alguma interceptação ou no cumprimento de um mandado de busca e apreensão, podem surgir informações sobre outros fatos penalmente relevantes, nem sempre relacionados com a situação que estava sendo investigada, e que, como consequência, envolvem outras pessoas. Conexão A discussão sobre a validade dessas provas encontradas casualmente já foi travada em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça e tem evoluído. De início, tanto o STJ quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceram a orientação de que, se o fato objeto do encontro fortuito tem conexão com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio de prova. Em alguns julgados mais recentes, tem sido admitida a colheita acidental de provas mesmo quando não há conexão entre os crimes. No dia 15 de abril, o ministro João Otávio de Noronha abordou o tema na sessão em que a Corte Especial recebeu denúncia contra envolvidos em um esquema de venda de decisões judiciais no Tocantins (APn 690). 

Naquele caso, a investigação inicialmente foi proposta para apurar uso de moeda falsa, mas a Justiça Federal no Tocantins percebeu que as escutas telefônicas revelavam possível negociação de decisões judiciais praticada por desembargadores. A investigação foi, então, remetida ao STJ, por conta do foro privilegiado das autoridades. O ministro ponderou que a serendipidade “não pode ser interpretada como ilegal ou inconstitucional simplesmente porque o objeto da interceptação não era o fato posteriormente descoberto”. Ele esclareceu que deve ser aberto novo procedimento específico, como de fato ocorreu no episódio, e afirmou que seria impensável entender como nula toda prova obtida ao acaso. A opção dos ministros tem sido por essa orientação, de que a prova é admitida para pessoas ou crimes diversos daquele originalmente perseguido, ainda que não conexos ou continentes, desde que a interceptação seja legal. 

Anteriormente, em 2013, Noronha já havia destacado posição idêntica, de que o estado não pode quedar-se inerte ao tomar conhecimento de suposta prática de crime (APN 510). “O encontro fortuito de notícia de prática delituosa durante a realização de interceptações de conversas telefônicas devidamente autorizadas não exige a conexão entre o fato investigado e o novo fato para que se dê prosseguimento às investigações quanto ao novo fato”, disse em seu voto vencedor. Crimes diversos Em 2013, no HC 187.189, o ministro Og Fernandes afirmou que é legítima a utilização de informações obtidas em interceptação telefônica para apurar conduta diversa daquela que originou a quebra de sigilo, desde que por meio dela se tenha descoberto fortuitamente a prática de outros delitos. Caso contrário, “significaria a inversão lógica do próprio sistema”. O caso julgado tratava de denúncia formulada pelo MPF a partir de desdobramento da operação Bola de Fogo, cujo objetivo era apurar a prática de contrabando e descaminho de cigarros na fronteira. No entanto, a denúncia foi por outros crimes – formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Por isso, a defesa sustentava a ilegalidade das provas e queria o trancamento da ação penal. 

Og Fernandes asseverou que não houve irregularidade na investigação. “Não se pode esperar ou mesmo exigir que a autoridade policial, no momento em que dá início a uma investigação, saiba exatamente o que irá encontrar, definindo, de antemão, quais são os crimes configurados”, disse. 

O ministro entende que somente se dá início a uma investigação para descobrir algo que não se sabe ao certo se aconteceu nem como aconteceu. “Logo, é muito natural que a autoridade policial, diante de indícios concretos da prática de crimes, dê início a uma investigação e, depois de um tempo colhendo dados, descubra algo muito maior do que supunha ocorrer”, concluiu. 

Dever funcional 

No julgamento do HC 189.735, o ministro Jorge Mussi enfatizou que se a autoridade policial, em decorrência de interceptações telefônicas legalmente autorizadas, tem notícia do cometimento de novos ilícitos por parte daqueles cujas conversas foram monitoradas, é sua obrigação apurá-los, ainda que não possuam liame algum com os delitos cuja suspeita originariamente ensejou a quebra do sigilo telefônico. Já no HC 197.044, o ministro Sebastião Reis Júnior advertiu que é preciso haver equilíbrio entre a proteção à intimidade e a quebra de sigilo. Para ele, não pode haver uma devassa indiscriminada de dados, mas, se a interceptação telefônica é lícita, como tal captará licitamente toda a conversa. “Havendo indícios de crime nesses diálogos, o estado não deve se quedar inerte; cumpre-lhe tomar as cabíveis providências”, declarou.  

 Participação de terceiro   

Ao julgar o RHC 28.794, em 2012, a Quinta Turma entendeu que a jurisprudência aceita a possibilidade de se investigar um fato delituoso de terceiro descoberto fortuitamente, desde que haja relação com o objeto da investigação original. O caso envolvia a interceptação de um corréu e resultou em denúncia por corrupção passiva contra esse terceiro, que não era o objetivo da investigação.   

A ministra Laurita Vaz, relatora, frisou que “a descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, mas que possuem estreita ligação com o objeto da investigação”. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contra esses terceiros, destacou a magistrada em seu voto.   No HC 144.137, o ministro Marco Aurélio Bellizze também reconheceu que a interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou para o indiciado que constam do pedido, mas também para outros crimes ou pessoas, até então não identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. A investigação tratava de corrupção no Ibama, e as escutas recaíram sobre um servidor do órgão. Porém, o Ministério Público ofereceu denúncia por corrupção ativa contra um empresário, supostamente beneficiado pelo esquema. 

  “Ora, a autoridade policial, ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico, não poderia antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir”, disse o ministro. Segundo ele, tudo o que for obtido na escuta judicialmente autorizada será lícito, e novos fatos poderão envolver terceiros inicialmente não investigados.   

Crime futuro 

Quando se tratar de notícia da prática futura de crime, há precedente do STJ segundo o qual não se deve exigir a demonstração de conexão entre o fato investigado e aquele descoberto por acaso em escutas legais (HC 69.552). Para o relator, ministro Felix Fischer, além de a Lei 9.296/96 não exigir tal conexão, o estado não pode ficar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado, tanto mais porque a violação da intimidade se deu com respaldo constitucional e legal.   

No caso, as interceptações eram direcionadas a terceiro alheio ao processo, mas revelaram que uma quadrilha pretendia assaltar instituições bancárias. Felix Fischer esclareceu que nem sempre são perfeitas a correspondência, a conformidade e a concordância previstas na lei entre o fato investigado e o sujeito monitorado.   

De acordo com o ministro, a partir de interceptações telefônicas regularmente autorizadas, pode-se tomar conhecimento da eventual prática de infrações penais diversas daquela que deu ensejo à decretação da medida. “Pode ser, também, que haja a descoberta da participação de outros envolvidos no crime. Enfim, inúmeras possibilidades se abrem”, completou.   Para Fischer, a exigência de conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca para as infrações penais passadas. 

Quanto às futuras, “o cerne da controvérsia se dará quanto à licitude ou não do meio de prova utilizado, a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa”.   

Desmembramento  

 A utilização da interceptação telefônica como ponto de partida para nova investigação foi reconhecida como válida no julgamento do HC 189.735. Naquele caso, a operação Turquia investigou irregularidades na importação de medicamentos, mas após meses de monitoramento, concluiu-se que os suspeitos haviam desistido da ação. No entanto, as interceptações revelaram relações “promíscuas” de servidores públicos com a iniciativa privada.   Foi feito, então, o desmembramento do inquérito para a apuração dessas outras condutas, o que ensejou a operação Duty Free, com autorização de escutas sobre novos agentes, supostamente membros de uma quadrilha formada para praticar diversos crimes que não guardariam relação com os fatos antes investigados na operação Turquia.  

“Perfeitamente possível que, diante da notícia da prática de novos crimes em interceptações telefônicas autorizadas em determinado procedimento criminal, a autoridade policial inicie investigação para apurá-los, não havendo que se cogitar de ilicitude”, comentou o ministro Jorge Mussi em seu voto.  

 Sigilo bancário e fiscal  

 O encontro fortuito de provas de delitos que não são objeto da investigação pode ser dar também na quebra de sigilo bancário e fiscal. No HC 282.096, a Sexta Turma reconheceu a legalidade das provas que levaram a uma denúncia por peculato, crime que não havia dado ensejo às quebras.   O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, mencionou que o fato de as medidas de quebra do sigilo bancário e fiscal não terem como objetivo inicial investigar o crime de peculato não conduz à ausência de elementos indiciários acerca desse crime.  

 Busca e apreensão   

A Sexta Turma já analisou a serendipidade no cumprimento de mandado de busca e apreensão. No RHC 45.267, o mandado autorizava apreender documentos e mídias em determinado imóvel pertencente à investigada, suspeita de receber propina em razão de cargo público. Ocorre que, no cumprimento da medida, a polícia acabou apreendendo material que foi identificado como do marido da investigada.   

A polícia, então, ao analisar o conteúdo, constatou diversos indícios de que ele também teria participação no suposto esquema, especialmente na lavagem do dinheiro recebido pela mulher. Assim, a condição inicial de terceiro estranho à investigação se modificou. Ele passou a ser investigado e buscou, por meio de habeas corpus, o reconhecimento da ilegalidade da prova colhida no escritório da residência do casal, onde foi feita a busca.   

A decisão da Sexta Turma foi por maioria (três a dois). A desembargadora convocada Marilza Maynard, cujo voto prevaleceu, ponderou sobre a dificuldade de a polícia identificar a propriedade de cada objeto apreendido, uma vez que a residência era comum do casal, e ali ambos habitavam e trabalhavam.   Ela também comentou que, em virtude de a perícia ter encontrado nos documentos apreendidos indícios de envolvimento do marido, era possível indiciá-lo com base nessas provas.   Flagrante   

Em outro julgamento, também na Sexta Turma (RHC 41.316), os ministros analisaram um caso em que, no cumprimento de mandado de busca e apreensão, foram encontrados armas e cartuchos na residência do investigado, o que deu início a uma nova ação penal.  

 A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, destacou em seu voto que, como o delito do artigo 16 da Lei 10.826/03 é permanente, o flagrante persiste enquanto as armas e munições estiverem em poder do agente. As provas encontradas fortuitamente foram consideradas legais.   APn 690 HC 187189 HC 189735 HC 197044 RHC 28794 HC 144137 HC 69552 HC 189735 HC 282096 RHC 45267 RHC 41316   

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Comissão da Maioridade Penal visitará presídios e casas de ressocialização

Os membros da comissão especial que analisa o projeto de emenda à Constituição que fixa em 16 anos a idade de responsabilidade penal brasileira visitarão presídios e casas de ressocialização de menores infratores. 

Nesta quarta-feira (22), depois de trocas de acusações entre os deputados favoráveis à emenda (PEC 171/93) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos e os que sustentam que ela só agravará a violência no País, os membros da comissão aprovaram requerimentos para várias visitas pelo País, além de convites para especialistas debaterem o tema na comissão. 

O deputado Weverton Rocha (PDT-MA), que apresentou requerimento para visitas a presídios do seu estado, foi questionado sobre a importância destas visitas, já que outras comissões, que tratam ou discutem a situação prisional no País irão a estes mesmos presídios. 

O parlamentar afirmou que os membros da comissão tem que saber a realidade dos presídios que abrigarão estes menores se a PEC for aprovada. Na avaliação do deputado Delegado Waldir (PSDB-GO), as péssimas condições dos presídios brasileiros são bastante conhecidas, e neles há separação por idade e tipo de crime. 

“Seria mais produtivo se avançássemos na direção de discutir a necessidade de construirmos presídios juvenis”, disse. Segundo o deputado Sandes Junior (PP-GO), os defensores da PEC, como ele, não pretendem colocar em presídios “ladrões de galinha ou de celulares, mas os envolvidos em sequestros, torturas, crimes hediondos” como está na proposta apensada do deputado Jutahy Junior (PSDB-BA). 

Reincidentes 

O relator da comissão, deputado Laerte Bessa (PR-DF) observou que “nem os maiores que praticam crimes de menor potencial ofensivo” são mandados para os presídios. “Queremos colocar na cadeia criminosos reincidentes e irrecuperáveis”, disse e comentou que assistiu na internet o caso de um menor de 10 anos que praticou uma série de crimes no Espírito Santo. 

“É um depoimento estarrecedor”, ressaltou. Secretário de Justiça na administração da governadora Roseane Sarney (MA), o deputado Aluisio Mendes (PSDC-MA) acrescentou que, durante os quatro anos em que esteve à frente da pasta, os crimes mais bárbaros no Maranhão foram praticados por menores. 

O deputado Glauber Braga (PSB-RJ) ironizou: “Interessante como se constroem as narrativas aqui. Já estão falando de crimes de menores de 10 anos. Daqui a pouco, vamos estar discutindo berçário para menores infratores. Nossas decisões tem que estar baseadas na racionalidade”. 

O relator Laerte Bessa disse que o parlamentar fluminense sempre se posiciona contra a redução da maioridade penal, mas nunca diz a razão do seu posicionamento, insinuando que ela poderia ser imprópria. Braga respondeu irritado: “Não me meça com a sua régua”. Depois de apaziguar os ânimos, o presidente André Moura (PSC SE) colocou a aprovou por unanimidade a visita aos presídios e casas de reabilitação. 

Fonte: Câmara dos Deputados Federais


Câmara discute aumento do tempo de internação de adolescente infrator


O Plenário da Câmara dos Deputados discutiu no fim da semana passada o Projeto de Lei 7197/02, que aumenta o tempo de internação de adolescentes infratores que atingirem a maioridade penal.

O substitutivo do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), pendente de votação na comissão que analisou o tema, prevê internação por até oito anos do jovem infrator se ele cometer ato classificado como crime hediondo ou em ações de quadrilha, bando ou do crime organizado. 

Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 9.069/90) estipula o prazo máximo de três anos para atos cometidos com grave ameaça ou violência à pessoa; na reincidência de outras infrações graves; e pelo descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta.

Fonte: Câmara dos Deputados Federais

domingo, abril 26

Não à redução!

Na madrugada de 28 para 29 de abril, ativistas e movimentos sociais irão cobrir praças ao redor do Brasil com materiais contra a redução da maioridade penal como parte da campanha @Amanhecer contra a redução. Qualquer pessoa pode fazer parte da ação, inscrevendo uma praça junto com um grupo de pelo menos 5 amigos. 

A campanha irá disponibilizar adesivos, lambes, tecidos, pipas e fitas para a ação. 

Saiba mais: http://amanhecer.strikingly.com/




Ainda sobre a redução da maioridade penal: em forma de poesia

Feminicídio: sob a ótica de advogados e professores

Feminicídio é medida simbólica com várias inconstitucionalidades


(*) Por Gamil Föppel El Hireche e Rudá Santos Figueiredo

No último dia 9 de março, a presidente da República sancionou a Lei 13.104, que cria o delito de “feminicídio”, que, na verdade, trata de uma nova modalidade de “homicídio qualificado”, inscrita no inciso VI, do artigo 121, parágrafo 2º, do Código Penal, criado pelo novel diploma com a seguinte redação:

Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:    (Incluído pela Lei 13.104, de 2015)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Vê-se que a nova lei tratou, também, de inserir a nova figura incriminadora no rol dos crimes hediondos, ao estabelecer:

Art. 2º O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:
Art. 1º
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV, V e VI).

A nova lei, certamente louvada por diversos segmentos da sociedade, decerto, resultará mais uma vez de uma manifestação simbólica do direito penal, através da qual o Estado veicular novas leis, sem que com isso produza medidas efetivas para conter o cometimento de infrações. Não se ignora a necessidade de proteger a vida de todos os seres humanos, indistintamente, bem como não se ignora e nem se quer esconder a necessidade de proteger vítimas de violência doméstica que, no mais das vezes, são mulheres. Não se pense que os autores deste texto ignoram a necessidade desta proteção. Mas o questionamento é se é lícito, se é constitucional, criar uma pseudoproteção, com inconstitucionalidades manifestas, para atender à (pseudo)função simbólica da pena.

Releva notar que o tipo penal é excessivamente aberto, veiculando uma motivação específica como elementar. É dizer, para que haja o delito de “feminicídio” o crime de ser motivado “por razões da condição do sexo feminino”. Um primeiro registro, além da corruptela pelo cacófato no tipo penal, é da questionável constitucionalidade, por direta violação ao princípio da taxatividade, desdobramento lógico do princípio da legalidade. De nada adianta haver legalidade se os tipos penais puderem ser permeados de elementos abertos ou normativos. A legalidade somente cumpre a sua garantia quando acompanhada da indissociável taxatividade.

A novel legislação transforma a mulher em uma elementar objetiva do novo delito qualificado, resultando em tipificação de duvidosa constitucionalidade. Isso porque, efetivamente, trata-se de disposição que viola frontalmente os princípios da igualdade, da legalidade e da lesividade. Com efeito, se a condição de mulher do sujeito passivo do delito é uma elementar objetiva do tipo penal, premente notar que deve ser a expressão “sexo feminino” interpretada taxativamente, não sendo enquadrados pela nova figura qualificada os delitos praticados contra travestis, transexuais e transgêneros. Também não serão enquadrados pelo tipo penal os homicídios praticados, no âmbito de uma relação homoafetiva, por um homem contra o outro, ou, ainda, em um crime praticado por uma mulher contra um homem. Intoleráveis violações constitucionais, levadas a cabo, injustificadamente, para atender a símbolos de proteções inexistentes. Por se tratar de novatio legis in pejus, por ser novo tipo incriminador, imperioso que se tenha em mente que a única interpretação possível do tipo é a restritiva, considerando, decorrentemente, que mulher é um elemento objetivo (invariável) do tipo penal.

Efetivamente, não parece legítimo examinar a constitucionalidade de uma norma sob o prisma do número de delitos cometido, para afirmar que a lei se faz necessária em razão de, no mais das vezes, a violência doméstica ser praticada por um homem contra uma mulher. Isso porque: 1) a quaisquer pessoas, no âmbito do direito penal, deve ser outorgada proteção igualitária; 2) o número de delitos não pode justificar a maior pena, devendo ser estar proporcional ao bem-jurídico penal tutelado, como bem observa Claus Roxin[1]. E, adite-se, não se pode, a partir de dados estatísticos, buscar a constitucionalidade da norma penal. O tipo inconstitucional não passa a respeitar a Constituição porque a incidência é maior ou menor.

Efetivamente, nessa linha, se tem alteração legislativa que viola o princípio da lesividade, porquanto, sem que haja qualquer referência efetiva a um maior desvalor da conduta ou do resultado, qualifica o homicídio praticado contra mulher, pelo fato de ser do sexo feminino, e não em razão de demais circunstâncias.  Na prática, como se verá, as razões de menosprezo à condição do sexo feminino terminarão por ser pressupostos, de sorte que todo homicídio praticado contra mulher implicará em incidência do tipo penal de feminicídio. Destarte, será assim violado o princípio do ne bis in idem, pois a violação à vida será duplamente valorada (a configurar hipótese qualificada de homicídio), sem que haja supedâneo para a elevação da pena cominada para a figura simples.

Sabe-se que, no passado, a Lei Maria da Penha, por motivações de gênero, realizou mudanças no ordenamento penal e processual penal. No âmbito penal, contudo, certo é que a alteração promovida não criou ou sobrelevou a pena da violência praticada contra a mulher, mas em relação a qualquer violência doméstica.

O anteprojeto de Código Penal, por sua vez, propõe semelhante à ora efetivada, sem, contudo, distinguir homens e mulheres, a tornar qualificado o homicídio praticado por motivo de identidade de gênero, independentemente da qualidade do autor ou da vítima, a respeitar o princípio da isonomia. No particular, muito melhor andou o Projeto de Lei do Senado 236, porquanto tratou de uma proteção efetiva, sem uma resposta não contingente — como bastante criticado por Ferrajoli — sem que se atenda a essa ou aquela pressão, sem que se criasse um tipo inconstitucional, enfim.

O que se quer dizer através da expressão, “por razões da condição do sexo feminino”, não fica claro em tal enunciado, daí porque o legislador ainda tentou positivar ainda o §2º-A, também inserido no Código Penal, que configura tipo penal pretensamente explicativo, com o seguinte o conteúdo:

§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;  
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.    

Diante de tal dispositivo, se observa que apenas existirá “feminicídio”, acaso preenchidas uma das duas seguintes condições: a) hipótese de violência doméstica e familiar; b) a violência deve decorrer de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

De toda sorte, premente observar que a rigor não será qualquer homicídio praticado contra uma mulher que implicará a incidência do dispositivo, muito embora se tenha a expectativa de que a tendência na prática caminhe em sentido diverso, pois o tempo demonstrará que, ordinariamente, todo crime de homicídio contra a mulher será tratado como feminicídio. O homicídio deve ser praticado contra a mulher, no contexto de violência doméstica e familiar, o que denota a necessidade de que haja coabitação e relação familiar ou o homicídio deve derivar de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A vexata questio interpretativa residirá neste segundo inciso.

O legislador, como se vê, tentou (em vão) esclarecer o que pretende firmar através da criação do feminicídio, mas termina por ocasionar ainda maior confusão.

Primeiro, dizer que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolver “discriminação à condição de mulher” é tomar seis por meia dúzia. Ou seja, através de tal norma explicativa o legislador nada de novo diz. Trata-se de insuperável tautologia.

Segundo, considerar que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolver “menosprezo à condição de mulher” é mais uma redundância, que tem o deletério efeito de deixar totalmente ao cargo do magistrado definir quais seriam tais condições, pois “menosprezo” é elemento normativo do tipo, cujo sentido será dado pelo aplicador do direito.

Menosprezar é o mesmo que menoscabar, ultrajar, escarnecer, subestimar, tomar por pior, expressões que podem ser sinônimas de discriminar, o que implica dizer que além da violência doméstica, para que haja “feminicídio”, deve ser identificada a existência, no autor do delito, da (equivocada e insustentável) percepção da mulher como inferior ao homem.

Nessa linha de raciocínio, considerando os contornos legais do delito, observa-se que os homicídios motivados por ciúme, não necessariamente, ainda que envolvam violência doméstica, poderão ser enquadrados enquanto “feminicídio”, sendo imprescindível a presença das razões da condição de sexo feminino, que são identificadas se há “violência doméstica e familiar” ou “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

A lei, assim, gera mais confusão do que solução no âmbito penal. Efetivamente, trata-se de manifestação legislativa meramente simbólica. A respeito deste “simbolismo” penal, premente colacionar as lições de Juarez Cirino dos Santos:

Assim, o direito penal simbólico não teria função instrumental — ou seja, não existiria para ser efetivo —, mas teria função meramente política, através da criação de imagens ou de símbolos que atuariam na psicologia do povo, produzindo determinados efeitos úteis. O crescente uso simbólico do direito penal teria por objetivo produzir uma dupla legitimação: a) legitimação do poder político, facilmente conversível em votos — o que explica, por exemplo, o açodado apoio de partidos populares a legislações repressivas no Brasil; b) legitimação do direito penal, cada vez mais um programa desigual e seletivo de controle social das periferias urbanas e da força de trabalho marginalizada do mercado, com as vantagens da redução ou, mesmo, da exclusão de garantias constitucionais como a liberdade, a igualdade, a presunção de inocência etc., cuja supressão ameaça converter o Estado democrático de direito em Estado policial. O conceito de integração-prevenção, introduzido pelo direito penal simbólico na moderna teoria da pena, cumpriria o papel complementar de escamotear a relação da criminalidade com as estruturas sociais desiguais das sociedades modernas, instituídas pelo direito e, em última instância, garantidas pelo poder político do Estado.[2]

Deveras, um homicídio motivado “por razões de ódio à mulher”, menosprezo, discriminação de gênero, já poderia ser considerado qualificado em razão da motivação torpe, sendo desnecessário um tipo autônomo (a rigor, o desprezo configuraria a torpeza do motivo independentemente da identidade sexual da vítima). Considerando que o delito de feminicídio, para existir, demandará a concretização de elementar de difícil análise, qual seja, “razões de condição do sexo feminino”, com a necessidade de verificação da existência de violência doméstica ou de menosprezo ao sexo feminino, é possível supor que a definição de que houve menosprezo ou discriminação à condição de mulher tornar-se-á pressuposta sempre que houver um homicídio praticado no âmbito doméstico, por um homem contra uma mulher.

Haverá, por assim dizer, na prática, uma inversão do ônus da prova, de sorte que ao acusado incumbirá demonstra que não agiu com desprezo à condição de mulher. Na prática, todo crime praticado contra a mulher, no âmbito da violência doméstica, será considerada, a priori, como tendo por fundamentação o menosprezo à condição feminina. Ter-se-á, assim, ou a necessidade de o acusado produzir prova diabólica, ou seja, de que ele produza prova de que não fez algo ou de que algo não ocorreu, a violar a presunção de inocência. Possivelmente, essa não deveria ser a intenção originaria do legislador, mas esse nefasto efeito se revelará, inevitavelmente.

Ainda que não ocorra tal (ilegal) presunção de ocorrência da elementar típica, fato é que os acusadores simplesmente poderão imputar o delito de homicídio qualificado por motivo torpe, acaso haja dificuldade em enquadrar a conduta no tipo de feminicídio. Assim, a nova lei veicula tipo penal que se afigura inconstitucional ou inócuo. Trata-se de clara representação do simbolismo.

Além da qualificadora relacionada ao feminicídio, o legislador ainda trouxe outra novatio legis in pejus no tocante à possibilidade de aplicação de uma causa de aumento de pena que se refere apenas ao novo crime, positivada pelo artigo 121, parágrafo 7º, inciso I:

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Vê-se que o inciso II replica disposição que, anteriormente, já majorava a pena de homicídios dolosos. Quanto ao inciso III, se observa o caráter seletivo e violador da isonomia da nova legislação: um homicídio praticado contra a mulher, em contexto de violência doméstica e em condições de menosprezo de gênero, na presença do cônjuge ou companheiro, não majora o crime.

Quanto ao inciso I, vê-se que viola o princípio da proporcionalidade ao veicular um aumento de pena injustificada em relação a pessoas do sexo feminino que se encontrem nos três meses após o parto. Razoabilidade alguma há nisso, além do que o período (três meses e não seis meses ou um ano) foi arbitrariamente escolhido.

A majorante cria ainda um problema concernente ao princípio do ne bis in idem, uma vez que veicula uma valoração negativa em relação à conduta de praticar homicídio durante a gestação de alguém. Sucede que, atualmente, em uma situação deste tipo, se teria concurso entre o crime de homicídio e o delito de aborto, o que, entretanto, deixa de existir com o advento da causa de aumento de pena. Na prática, o legislador inseriu no feminicídio majorado o desvalor do abortamento, de sorte que não será possível aplicar a majorante e o tipo penal de aborto, sob pena de haver dupla valoração negativa de um mesmo comportamento.

Destarte, o legislador não gerou qualquer inovação real do ponto de vista político-criminal para a contenção da violência contra a mulher, tendo, no entanto, atendido a vontade da plateia sedenta por novas leis mais duras e novos crimes, sem se aperceber da falibilidade do sistema penal, da inocuidade das alterações legislativas e da inexistência de medidas efetivas de enfrentamento do crime.

Como se sabe, o simbolismo penal consiste na utilização de normas penais para realizar finalidades meramente representativa, sem se afigurar enquanto medidas efetivamente voltadas a impactar na redução dos índices de criminalidade. No mais das vezes, o simbolismo penal é resultado da necessidade de atender a denominada opinião pública. Como bem observa Alessandro Barata, vive-se um tempo da tecnocracia, em que os poderes, a fim de se manter, costumam buscar agradar tal pretensamente pública opinião, ao revés de solucionar, efetivamente, os problemas[3].

Tem-se, então, nesse sentido, a chamada legislação simbólica, na medida em que a legislação penal surge não para solucionar os problemas, mas como mero símbolo. Como um signo de que algo foi feito em relação a uma demanda social, muito embora não se tenha que esse algo seria efetivo ou até legítimo, de acordo com o ordenamento e os contornos de um Estado Democrático de Direito.

Um dos muitos efeitos deletérios do simbolismo penal é a sensação de impunidade e de ineficiência do sistema penal, pois não importa quantas leis novas advêm, a criminalidade não cede, de sorte que o atendimento à opinião pública é temporário: o direito penal simbólico é apenas um paliativo. Assim, de tempos em tempos, o paliativo é administrado, pois se afigura mais fácil alterar um tipo penal, do que adotar modificações estruturais na política de segurança pública.

A Lei 13.104/2015, como se viu, diante de seus contornos, pouco de novo apresenta ao direito penal, afigurando-se, em verdade, como medida claramente simbólica, haja vista que incongruente com um real escopo de diminuir a ocorrência de delitos. Assim, simplificadamente, a nova lei padece de algumas inconstitucionalidades: 1) viola a isonomia ao criar um homicídio qualificado por “razões de condição do sexo feminino”; 2) viola a taxatividade, ao referir-se às razões de condição do sexo feminino como situações de em que há “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”; 3) viola a lesividade, ao apresentar-se com conteúdo meramente simbólico; 4) pode violar a presunção de inocência, pois ocasiona o problema prático de se ter de afastar o menosprezo ao sexo feminino; 5) poderá violar o princípio do ne bis in idem, ao veicular majorante concernente ao feminicídio praticado contra mulher grávida e ao valorar, sem fundamento, como qualificado, o homicídio praticado contra pessoa do sexo feminino.  

[1] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa, Vega Universidade, 1997, p. 27.

[2] SANTOS, Juarez Cirino dos. Política Criminal: Realidades e Ilusões do Discurso Pena. In: Discursos Sediciosos Crime, Direito e Sociedade. ano 7, n. 12, 2º semestre de 2002. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 56.

[3] BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas do direito penal. Lineamentos de uma teoria do bem jurídico. In: Revista do IBCCrim, ano 2, 1994, p. 22.

(*)Gamil Föppel El Hireche é advogado e professor. Doutor em Direito Penal Econômico (UFPE). Membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Penal e da Comissão de Juristas para atualização da Lei de Execuções Penais;


(*)Rudá Santos Figueiredo é advogado e professor. Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pelo Juspodivm-IELF.

Feminicídio: sob a ótica do MP - Programa Conhecendo o MP



Promotor de Justiça João Pedro de Freitas Xavier fala sobre a Lei do Feminicídio. Ela foi sancionada em março e torna crime hediondo o assassinato de mulheres decorrente de violência doméstica ou outras questões de gênero.






Fonte: Programa Conhecendo o MP

Redução da Maioridade Penal: um tema recorrente...e importante!

Faculdade de Direito
A postagem que marca o reinício do trabalho aqui no Blog versa sobre o tema da Redução da Maioridade Penal, assunto esse recorrente.

Na última sexta-feira, dia 24 de abril, participei na Faculdade de Direito da UFPel de um debate, promovido pelo Coletivo Juntos (foto acima).

Aproveito a oportunidade para publicar  dois videos com entrevistas - excelentes -  dos Professores Rodrigo Azevedo (UFRGS) e Augusto Jobim (UFRGS) que, embora gravados em 2013, continuam atualíssimos.








Abaixo, outros links de postagens anteriores aqui do Blog, sobre a mesma temática:

http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2009/10/reducao-da-maioridade-penal-necessidade.html

http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2013/04/sobre-reducao-da-idade-para-maioridade.html

http://profeanaclaudialucas.blogspot.com.br/2013/11/de-quem-depende-escolha-sobre-reducao.html

Retornando...


Estimados leitores,

Estamos retomando as atividades do Blog. 

Aos poucos vamos inserindo aqui na página as alterações que projetamos para a versão 2015.

Ficamos felizes de poder estar com vocês novamente.

Abraço,

Ana Cláudia Lucas
Editora do Blog