Não há nada mais proveitoso politicamente, para a maioria
dos países, do que valer-se das drogas e seus usuários como bode expiatório
para a fonte de todos os problemas sociais. Muitos políticos acreditam num
aumento significativo em sua popularidade quando apoiam medidas repressivas
contra as drogas e quando desconsideram serviços públicos que atendem pessoas
usuárias de drogas ilícitas. Mas, outros políticos visionários da República
Tcheca – desde os primeiros anos após o fim de quatro décadas da ocupação
soviética até os dias atuais – têm resistido àquilo que é politicamente cômodo,
e promovem o que é inteligente e humano em relação à política de drogas. Esse
quadro é tema de um novo relatório do Programa Mundial de Política de Drogas da
Open Society Foundations Global Drug Policy, “A Balancing Act: Policymaking on
Illicit Drugs in the Czech Republic”.
No período do regime soviético não havia verdadeira
elaboração de políticas sobre drogas, pois o Estado negava a possibilidade do
acesso dessas substâncias pela sociedade. Na retórica utilizada naquele
período, as drogas eram vistas como um mal que somente afligia os ocidentais.
Felizmente, com a queda do regime da União Soviética em 1989-1990, apesar das
barreiras quanto à comunicação e à propaganda decorrentes da Guerra Fria, um
grupo de profissionais ligados à área da saúde tinha consciência da necessidade
de uma política de drogas que ajudaria a controlar, ainda que parcialmente, a
nova ameaça do vírus HIV.
O novo governo forneceu a esses especialistas da área da
saúde, incluindo aqueles que vieram diretamente da própria sociedade, o apoio
necessário para contribuir com essa nova política. O equilíbrio apresentado
entre a polícia e o serviço de saúde foi resultado desse trabalho conjunto.
Garantir o acesso a equipamentos de injeção esterilizados e tratamento aos
usuários de drogas que necessitassem, foi uma prioridade da nova política desde
o início. Com a adoção dessas novas medidas, o vírus HIV foi mantido sob
controle na República Tcheca ainda que estivesse se espalhando para todo o
resto da Europa e para a maior parte do antigo bloco soviético, local no qual
se encontram atualmente as epidemias do vírus HIV que se espalham mais
rapidamente ao redor do mundo.
Mas como o uso de drogas, inclusive as injetáveis, se tornou
mais visível com a abertura da sociedade tcheca, aumentou a pressão política
pelo endurecimento da política de drogas.
Alguns líderes locais e a mídia desafiaram a política
estabelecida no início dos anos pós-soviéticos de não contar como atos
criminosos a posse e o uso individual de drogas. Ao final dos anos 1990, o
governo tcheco alterou o código penal para estabelecer sanções penais ao uso
individual de drogas, considerando tal conduta de menor potencial ofensivo.
Ao mesmo tempo, o governo de maneira inteligente, investiu
em um estudo sobre o impacto da nova lei. O estudo desvendou que sanções penais
não resultaram na redução do uso de drogas ou em sua iniciação, como os
precursores da nova lei esperavam. Sanções penais demonstraram,
convincentemente, que não são a melhor opção para os delitos de menor
gravidade.
À luz desses resultados e depois de anos de evidenciações
científicas, a República Tcheca removeu as sanções penais individuais de posse
e uso. Medidas também foram tomadas para demonstrar o ponto de vista do governo
de que a Cannabis é menos prejudicial que outras drogas e deveria assim ser
reconhecida na lei. Como resultado, pessoas condenadas pelo uso de drogas, têm
acesso à saúde e serviços sociais de que precisam para não ter que lidar com a
exclusão social decorrente da inclusão de seus dados no cadastro criminal. Além
disso, a polícia também tem a possibilidade de se manter mais focada no tráfico
e em crimes violentos.
Estas reflexões são trazidas por quem exerce cargo de
fundamental importância para a sociedade, mais conhecido por "Czar das
drogas", que desde 1990 é ocupado por pessoas com experiência de primeira
linha em saúde e serviços sociais aos usuários de drogas do departamento de
narcóticos na República Tcheca; ao contrário de muitos países, que insistem em
ocupar tais cargos por pessoas com experiência na área policial. Em conjunto
com os “Czares das drogas”, que entendem um pouco da realidade da vida dos
usuários, ONGS também são utilizadas na decisão tcheca sobre as novas políticas
de drogas.
Na sessão anual da comissão sobre narcóticos das Nações
Unidas no início deste ano, a delegação tcheca denunciou veementemente a
abordagem repressiva da “guerra contra as drogas”, demonstrando claramente que
esta não é efetiva, mesmo que alguns países tenham medo de fazer essa
afirmação. Pronunciam, assim, com a confiança que advém da experiência de vida
de defender a dignidade e os direitos dos usuários, mesmo quando há dificuldade
política de fazê-lo.
A Balancing Act: Policymaking on Illicit Drugs in the Czech
Republic é a última em uma série de estudos de casos de “boas iniciativas”
realizados pelo Programa de Política Global de Drogas. Na série também há
relatos dessas experiências em Portugal e na Suíça.
Este texto foi traduzido livremente por Carolline
Cippiciani, Glauter Del Nero e Milene Maurício.
Fonte: Site do IBCCrim
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