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quarta-feira, fevereiro 15

A ‘geografia’ do Plenário do Tribunal do Júri de Pelotas


Em toda sala de audiência, ou de julgamento, a disposição das mesas e das cadeiras é reveladora de alguns símbolos.

Tenho na lembrança, por exemplo, que por ocasião das instalações das salas de conciliação do Posto do Juizado Especial Cível da UCPel – projeto que conduzi na condição de coordenadora do Serviço de Assistência Judiciária – houve exigência do Tribunal de Justiça do RS de que o mobiliário – as mesas, fundamentalmente – fossem redondas, a fim de evidenciar a ausência de lados entre as partes, firmando  um dos princípios do Juizado que é o da prevalência da conciliação.

Nos ‘salões’ dos Tribunais do Júri a localização dos lugares chama muito mais atenção.

Recentemente, por atuação em Júri na comarca de Pelotas, fui indagada por alguns alunos a respeito desse fato.

Expliquei a eles a minha visão sobre essa questão. Tenho para mim que a permanência do representante do Ministério Público ao lado direito do juiz que preside a sessão - ou à esquerda dele para quem observa de frente -  evidencia uma lógica de poder bastante comum nos tribunais brasileiros e a reprodução da discriminação, ainda que dissimulada ou velada,  em relação a figura do advogado, e nesse caso, especialmente, do advogado criminalista que tem o dever constitucional de ofertar a defesa do acusado em plenário. 

A permanência do Promotor de Justiça em lugar próximo, muito próximo ao do magistrado permite inferir sobre quem é quem naquele recinto, ainda que ela esteja assegurada por previsão legal, sendo prerrogativa antiga do MP, prevista no artigo 18, inciso I, letra ‘a’ da Lei Complementar 75/93, conhecida como Lei Orgânica do Ministério Público. Não obstante, nem tudo que é legal é justo.

O Supremo Tribunal Federal foi provocado, recentemente, através de uma Reclamação proposta por um magistrado federal, que buscava o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Complementar, por dispensar tratamento não isonômico entre acusação e defesa, relativamente aos lugares de assento nas audiências.  Não obstante, permanece o entendimento contrário, qual seja, o da constitucionalidade da norma.  

Pois bem, ocorre que essa ‘geografia’ que garante a permanência do Promotor próximo ao magistrado evidencia tratamento desigual dispensado aos protagonistas da administração da justiça, quais sejam juízes, promotores e advogados.  E acaso essa desigualdade não se evidencie aos olhos dos técnicos, certamente assim parece à população e aos jurados.

Não advogo, por óbvio, negar ao MP o direito de postar-se ao lado do juiz, mas sim de garantir esse mesmo direito ao advogado, ao defensor do acusado, a fim de que ele não fique em posição hierarquicamente inferior na ‘cena’ do julgamento.

Assim como ocorre hoje, uma vez postados em lugares diferentes o promotor e o advogado, o equilíbrio, a imparcialidade, a igualdade e a isonomia resultam, mesmo, violados.

Aqui na Comarca de Pelotas, além de o Promotor ter assento ao lado do magistrado, ele ainda está muito próximo dos jurados. Já a defesa – os advogados, enfim – estão postados muito longe do magistrado, e também do Ministério Público, e ainda em lado oposto e distante ao dos jurados.


E há coisa muito pior. Em nossa comarca, ainda há uma grade, uma cancela, que ‘divide’, que ‘separa’ e ‘afasta’ o lugar do advogado do restante do recinto do tribunal do júri.

Chega a dar vontade de perguntar ao magistrado, presidente da sessão, se é possível transpô-la para que haja aproximação da defesa aos jurados, uma forma de provocar agitação destinada a chamar atenção dos mesmos para a diferença.

Uma injustificada cancela essa que existe no salão do Tribunal do Júri da Comarca de Pelotas. Uma inapropriada cancela que dá a ideia de que transpassá-la é ato de audácia, petulância ou ousadia em face das figuras do juiz, do promotor e, ainda mais, dos jurados.

Vejam que além de afastar o acusado – que é inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória – a cancela arreda o advogado. 

E, ao que se saiba,  todos os protagonistas que atuam no tribunal do júri estão em busca da mesma coisa, atuam na mesma direção, qual seja, na realização da justiça.  Porém, isso não transparece na forma como é geograficamente ocupado e mobiliado o salão do júri da comarca de Pelotas.

A realidade que dela se extrai é a da diferença, da desarmonia, do desequilíbrio, da desigualdade, uma vez que a colocação da defesa num plano diferente daquele concedido ao Ministério Público, por inferior ou por distante do magistrado e dos jurados, segregada por uma ‘cancela’ é evidência de que não se está percebendo a igualdade que se exige formal, mas materialmente também.

Não seria mau momento se a OAB – por sua seccional ou, mesmo, pela subsecção – realizasse um movimento para a retirada da tal ‘cancela’ do salão do Tribunal do Júri da Comarca de Pelotas.

Essa seria uma providência histórica a amenizar a injustificada separação promovida pela cancela, considerando, sobretudo, que o advogado,  indispensável à administração da justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. 

4 comentários:

Renê B. Johann Jr. disse...

Muito interessante a reflexão.

Para contribuir, lembro que assim como a Lei Orgânica do MP garante ao Promotor sentar-se próximo ao juiz, conforme explicado, houve uma alteração em 2009 da Lei Orgânica da Defensoria Pública, garantindo ao Defensor Público sentar-se ao mesmo plano do Promotor.
É nítida (e justa!) a luta da Defensoria por igualdade de tratamento.
Unindo forças entre a OAB e a Defensoria talvez se consiga retirar a "cancela" do Tribunal do Júri em Pelotas e tantas outras por aí.

Embora o MP e a Defensoria sejam igualmente "funções essenciais à Justiça" e embora a Lei Orgânica do MP e a da Defensoria estejam no mesmo patamar na pirâmide hierárquica das normas, apenas a primeira é cumprida quanto à posição "geográfica" dos membros.

Aos que se interessarem, a Lei Orgânica da Defensoria é a LC 80/94 e o dispositivo a que me referi é o artigo 4º, §7º.

Abraços,
Renê.

Obs.: Não sou Defensor Público (infelizmente... hehehe)

Anônimo disse...

É interessante observar que estar ao lado do Juiz é um DIREITO do MP e não um DEVER. Assim, se fosse infundada a inconformidade dos defensores (ou seja, se estar ao lado do Juiz fosse algo irrelevante) poderiam os próprios Promotores solicitar a "mudança de cadeira". Se, no entanto, eles não tomam essa providência, é porque reconhecem a importância de se estar "bem colocado". E, se reconhecem isso, deveriam ser os primeiros, como "custus legis" que são, a lutar pela isonomia e pela paridade de armas, colocando os defensores em igual plano.

Anônimo disse...

Acho que a disposição geográfica que melhor expressaria simbolicamente a instituição do Júri seria esta:
Ao centro e a nível mais elevado, o juiz e os jurados;
A nivel mais baixo e em posições simetricamente opostas desde o centro, a acusação e a defesa.

Simples! A relação jurídico-processual fica, assim, visualmente identificada.

Renê B Johann Jr disse...

Nossa...
Nem lembrava desse comentário que eu havia feito.

Aí está a prova de que a Defensoria Pública não veio ao acaso para mim.

Quem diria que um ano depois de eu comentar no blog dizendo que "não sou Defensor Público, infelizmente" eu me tornaria um Defensor Público, FELIZMENTE.

Que legal esse registro!
A vida é mesmo surpreendente.

Aqui em Santa Catarina a "geografia" também não é nada favorável.
Aliás, quase tudo é muito desfavorável para a Defesa aqui. Somos a primeira turma de Defensores Públicos em um Estado que relutou ao máximo para não instalar a sua Defensoria.

Somos o "patinho feio" do sistema.

Matando um leão por dia!

Mas estamos firmes na luta, sempre! "O desafio é a energia"

Forte abraço, professora.

Renê.