Decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul traz entendimento sobre a relatividade no conceito de vulnerável estabelecido no artigo 217-A(*) do Código Penal Brasileiro.
Talvez essa seja, senão a primeira, uma das primeiras decisões de 2ª instância versando sobre tema polêmico que se instaurou por ocasião da reforma penal introduzida pela Lei 12015/09, mesmo registrando voto divergente do Des. Sylvio Batista Neto.
Leia, abaixo, o Acórdão que, pela relevância, vai publicado integralmente na zona de postagem.
(*) Art. 217-A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14(catorze) anos:
Pena - Reclusão, de 8 a 15 anos,
ACÓRDÃO
Nº 70046185104
2011/CRIME
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. relação de namoro entre vítima e réu. RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITO DE VULNERABILIDADE. Rejeição da denúncia. Ausência de justa causa para a ação penal.
A vulnerabilidade da vítima – tal como disposta no art. 217-A do Código Penal – não pode ser entendida de forma absoluta simplesmente pelo critério etário – o que configuraria hipótese de responsabilidade objetiva –, devendo ser mensurada em cada caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, à vista de suas particularidades. Afigura-se factível, assim, sua relativização nos episódios envolvendo adolescentes.
No caso em tela, dos elementos colhidos durante a fase inquisitória, principalmente do depoimento da vítima, extrai-se que esta (adolescente com 13 anos de idade) e o réu mantiveram relacionamento amoroso por determinado período, no qual ocorreram relações sexuais voluntárias e consentidas.
Frente a tal realidade, impõe-se a confirmação da decisão que rejeitou a denúncia por ausência de justa causa para a ação penal.
APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA.
Apelação Crime
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Sétima Câmara Criminal
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Nº 70046185104
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Comarca de Santo Antônio das Missões
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M.P.
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APELANTE
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F.S.G.
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APELADO
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em negar provimento à apelação, vencido o Presidente que a provia.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE) E DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA.
Porto Alegre, 08 de março de 2012.
DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA,
Relatora.
RELATÓRIO
Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (RELATORA)
O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra F.S.G. (nascido em 14-01-1979 – fl. 11), com 32 anos de idade à época do fato, como incurso nas sanções do art. 217-A, caput, do Código Penal, pelo fato assim narrado na peça acusatória:
“[...]
Em datas e horários diversos, nos meses de abril e junho de 2011, na residência pertencente ao acusado, sita na localidade do Rincão do Sarmento, Município de Garrunchos/RS, o denunciado F. S. G., por diversas vezes, teve conjunção carnal com F. F. S., adolescente, com apenas 13 anos de idade à época dos fatos.
Nas oportunidades, o denunciado, com 32 anos de idade à época, após diversos encontros libidinosos com a ofendida, e aproveitando-se da ingenuidade da adolescente, levou-a para a residência dele, onde então passava a tirar a roupa da vítima e a sua, e em seguida mantinha relação sexual com a ofendida.
[...]”
O magistrado singular rejeitou a exordial acusatória por ausência de justa causa para a ação penal (art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal) (fl. 20-v).
O Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 22).
Em suas razões, a acusação pleiteia o recebimento da denúncia, aduzindo que a conduta do agente reveste-se de tipicidade e que, para a configuração do delito, é irrelevante o consentimento da vítima (fls. 23-35).
O acusado foi intimado pessoalmente (fl. 38) e optou por não apresentar contrarrazões recursais.
Vieram os autos a esta Corte, manifestando-se o ilustre Procurador de Justiça, Delmar Pacheco da Luz, pelo provimento da apelação ministerial (fls. 41-42v).
Conclusos para julgamento.
VOTOS
Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (RELATORA)
Eminentes Colegas.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a decisão que rejeitou denúncia por ausência de justa causa para a ação penal.
Pretende o Ministério Público a reforma da decisão, com o prosseguimento do feito.
Com a devida vênia ao entendimento do agente ministerial, a decisão não comporta reparos.
Na fase inquisitória, a genitora da vítima registrou ocorrência policial, narrando que, certa feita, sua filha não retornou da escola, tendo-a encontrado, posteriormente, na residência do acusado, com o qual aquela estaria mantendo relacionamento amoroso por cerca de um mês. Consta, ainda, que a menina teria confirmado a ocorrência de relação sexual em tal ocasião.
A ofendida, por seu turno, relatou que conheceu o acusado em um mercado, sendo que começaram a “ficar”. Disse que, depois de um mês, começaram a manter relações sexuais, sempre em encontros realizados na casa do réu. Frisou que todas as relações foram mantidas por livre e espontânea vontade, nunca tendo sido forçada a tanto. Afirmou que não era mais virgem quando do início do relacionamento. Declarou gostar do denunciado, com quem pretendia casar. Salientou desconhecer o motivo pelo qual sua mãe seria contra o relacionamento, apontando que o acusado chegou a ir a sua casa e pedir permissão para namorá-la, o que foi negado pela genitora. Alegou que, após o episódio em que policiais militares estiveram na casa do acusado, não manteve mais contato com este.
O denunciado, a seu turno, preferiu exercer seu direito ao silêncio.
Esses são os elementos aportados ao inquérito policial.
Antes de adentrar em sua análise, é necessário recordar que os fatos ocorreram na vigência da Lei nº 12.015/2009, que tornou típica a conduta de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, criando a figura do “estupro de vulnerável” – art. 217-A do Código Penal.
Embora tal norma tenha revogado o art. 224 do Diploma Material – que tratava da presunção de violência quando a vítima era menor de 14 anos –, a nova realidade permite a verificação do alcance do conceito de vulnerabilidade. Esta não pode ser entendida de forma absoluta simplesmente pelo critério etário, o que configuraria hipótese de responsabilidade objetiva, devendo ser mensurada em cada caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, à vista de suas particularidades.
Como bem apregoa Guilherme de Souza Nucci, a vulnerabilidade “deve ser compreendida de forma restrita e casuisticamente, tendo como essência a fragilidade e a incapacidade física ou mental da vítima, na situação concreta, para consentir com a prática do ato sexual”.[1]
E arremata:
“[...] em cumprimento aos princípios norteadores do direito penal, não basta a comprovação da idade para a tipificação do crime de estupro de vulnerável, uma vez que o critério etário não é absoluto. A melhor solução reside na aferição casuística do grau de maturidade sexual e desenvolvimento mental do suposto ofendido, para definir se é ou não vunerável, aplicando-se a lei de maneira mais justa ao caso concreto.”[2]
O doutrinador Paulo Queiroz segue a mesma trilha, assim tratando do tema:
“[...] a proteção penal não pode ter lugar quando for perfeitamente possível uma autoproteção por parte do próprio indivíduo, sob pena de violação ao princípio de lesividade.
Finalmente, a iniciação sexual na adolescência não é necessariamente nociva, motivo pelo qual a presumida nocividade constitui, em verdade, um preconceito moral.
Assim, ao menos em relação a adolescentes (maiores de doze anos), é razoável admitir-se prova em sentido contrário ao estado de vulnerabilidade, de modo a afastar a imputação de crime sempre que se provar que, em razão de maturidade (precoce), o indivíduo de fato não sofreu absolutamente constrangimento ilegal algum, inclusive porque lhe era perfeitamente possível resistir, sem mais, ao ato.”[3]
À vista de tais noções, analisadas em conjunto com as definições de criança e de adolescente conferidas pela Lei nº 8.069/90, entendo pela viabilidade da relativização da vulnerabilidade nos casos envolvendo adolescentes – faixa entre 12 e 14 anos de idade.
No caso dos autos, do depoimento da ofendida extrai-se que as relações ocorreram de forma voluntária e consentida, fruto de aliança afetiva. Além disso, ainda conforme seus dizeres, a mesma mantinha relações sexuais desde os 11 anos de idade, sendo que teria perdido a virgindade com parceiro diverso, peculiaridade que indica certa experiência em assuntos de tal natureza.
Ademais, conforme o auto de exame de corpo de delito da fl. 06, inexistem quaisquer sinais de alienação, debilidade mental ou mesmo de violência praticada contra a vítima.
Com olhos em tal realidade, tenho que o caso em apreço permite a relativização do conceito de vulnerabilidade.
Assim, considerando que a prova indiciária aponta a existência de relacionamento amoroso e sexual consentido, envolvendo adolescente que não se amolda ao conceito de vulnerável, tenho por acertada a decisão proferida pelo julgador singular Márcio Roberto Muller, no sentido da inexistência de justa causa para a ação penal.
Apreciando caso similar, embora ainda sob a égide da legislação anterior, colaciono precedente desta Corte:
ESTUPRO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. - Se os fatos revelam não haver justa causa para o recebimento da denúncia, caso dos autos, deve ser mantida a decisão que a rejeitou. Embora provado, cronologicamente, ser menor, aparente a violência ficta, não se vislumbra quando a jovem é livre, sem qualquer resquício de ingenuidade, voluntariamente mantem a relação sexual. APELO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70005403993, Câmara Especial Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elba Aparecida Nicolli Bastos, Julgado em 29/07/2004)
Por tais fundamentos, nego provimento à apelação.
Des. José Conrado Kurtz de Souza (REVISOR) - De acordo com a Relatora.
Des. Sylvio Baptista Neto (PRESIDENTE)
Divergindo da ilustre Relatora, vou dar provimento ao apelo. A modificação legislativa, criada com inteligência e propriedade, estabelece que será crime a prática de atos sexuais com menores de quatorze anos, independentemente da concordância do ou da menor para tanto (artigo 217-A: ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos).
Terminou a difícil indagação sobre a capacidade do ou da menor em consentir com o ato; se ele era capaz ou não de prever o alcance da situação etc. Agora, a questão é puramente de fato: se o ou a menor não tem quatorze anos, haverá o crime.
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - Presidente - Apelação Crime nº 70046185104, Comarca de Santo Antônio das Missões: "POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, VENCIDO O PRESIDENTE QUA A PROVIA"
Julgador(a) de 1º Grau: MARCIO ROBERTO MüLLER
[1] NUCCI, Guilherme de Souza et al. O crime de estupro sob o prisma da lei 12.015/2009 (arts. 213 e 217-A do CP). Revista dos Tribunais: São Paulo, v. 902, p. 395-422, dez. 2010. p. 411.
[2] Op cit. p. 415.
[3] QUEIROZ, Paulo. Do estupro. Disponível em: <http://pauloqueiroz.net/do-estupro/>. Acesso em 22 fev 2012.
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Inteligência do Artigo 241 do ECA
O Min. Relator observou que as instâncias ordinárias se basearam em amplo conjunto fático-probatório e alcançar conclusão diversa no sentido de que a conduta imputada ao paciente não se amolda ao tipo penal previsto importaria no reexame fático-probatório dos autos, providência inviável na via estreita do habeas corpus.
Ainda assim não fosse, inexiste no ordenamento jurídico uma norma penal não incriminadora explicativa que esclareça o conceito de pornografia infantil ou infanto-juvenil, razão pela qual a previsão contida no citado artigo antes da redação dada pelas Leis n. 10.764/2003 e 11.829/2008 não se limita à criminalização de condutas de publicar fotos de crianças e adolescentes totalmente despidas.
Cabe ao intérprete da lei, buscando a melhor aplicação da norma ali contida, diante do caso concreto, analisar se a conduta praticada pelo paciente se amolda à prevista no dispositivo em questão, de modo que nada impede que se analise, além das fotos, isoladamente, o contexto em que elas estão inseridas.
Ademais, segundo perícia realizada, foram publicadas fotos de crianças e adolescentes seminuas, algumas de roupas de banho, outras mostrando partes do corpo e outras em poses relativamente sensuais, em sítios de conteúdo pedófilo.
Diante dessa e de outras considerações, a Turma denegou a ordem. HC 168.610-BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/4/2012.
Fonte: Boletim Informativo do STJ
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LEI DE DROGAS - Aplicação retroativa da minorante do artigo 33, parágrafo quarto
Aplicação retroativa do parágrafo quarto do artigo 33 da Lei de Drogas.
Leia a íntegra da decisão do Ministro Ayres Brito, clicando no link abaixo:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE596152AB.pdf
Crimes contra a Dignidade Sexual
Lei Maria da Penha - Constitucionalidade
AÇÃO PENAL. ESTUPRO COM VIOLÊNCIA REAL. INCONDICIONADA MESMO APÓS LEI 12.015. SÚMULA 608 STF.
- PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COMETIDOS COM VIOLÊNCIA REAL. FATO ANTERIOR À LEI Nº 12.015/2009. AÇÃO PENAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCESSO DE PRAZO. PEDIDO PREJUDICADO. I - Na linha da jurisprudência desta Corte, bem como do entendimento sumulado pelo c. Pretório Excelso, no crime de estupro, em que há violência real, a ação penal é pública incondicionada (Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal). II - Acolhido o pleito de liberdade provisória, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, resta prejudicado o pedido de relaxamento da prisão por excesso de prazo (Precedente). Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (RHC 26455/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2010, DJe 26/04/2010)
- ART. 9º LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. VIOLÊNCIA REAL. RETROATIVIDADE DO NOVO ART. 217-A. PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. AUMENTO PREVISTO NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. VIOLÊNCIA REAL E GRAVE AMEAÇA. INCIDÊNCIA.SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 12.015/2009. I - Esta Corte firmou orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei nº 8.072/90, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. (Precedentes). II - Com a superveniência da Lei nº 12.015/2009 restou revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível a sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). III - Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. Recurso parcialmente provido. (REsp 1102005/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, STJ, julgado em 29/09/2009, DJe 19/10/2009)
- ESTUPRO E ATENTADO AO PUDOR. CRIME ÚNICO. RETROATIVIDADE DO ART. 213. JUÍZO EXECUÇÃO. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIME CONTINUADO x CONCURSO MATERIAL. INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.015/09. MODIFICAÇÃO NO PANORAMA. CONDUTAS QUE, A PARTIR DE AGORA, CASO SEJAM PRATICADAS CONTRA A MESMA VÍTIMA, NUM MESMO CONTEXTO, CONSTITUEM ÚNICO DELITO. NORMA PENAL MAIS BENÉFICA. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. 1. A Lei nº 12.015/09 alterou o Código Penal, chamando os antigos Crimes contra os Costumes de Crimes contra a Dignidade Sexual. 2. Essas inovações, partidas da denominada "CPI da Pedofilia", provocaram um recrudescimento de reprimendas, criação de novos delitos e também unificaram as condutas de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal. Nesse ponto, a norma penal é mais benéfica. 3. Por força da aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais favorável, as modificações tidas como favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da Lei nº 12.015/09. 4. No caso, o paciente foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor, por ter praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima. 5. Aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apensamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. 6. Ordem concedida, a fim de, reconhecendo a prática de estupro e atentado violento ao pudor como crime único, anular a sentença no que tange à dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo Juiz das execuções.(HC 144870, Relator Min. OG FERNANDES, SEXTA TURMA, STJ, julgado em 09/02/2010, DJe 24/05/2010).
- ESTUPRO E ATENTADO AO PUDOR. MESMA VÍTIMA E CIRCUNSTÂNCIAS. CONTINUIDADE. AÇÃO PENAL. Estupro e atentado violento ao pudor. Mesmas circunstâncias de tempo, modo e local. Crimes da mesma espécie. Continuidade delitiva. Reconhecimento. Possibilidade. Superveniência da Lei nº 12.015/09. Retroatividade da lei penal mais benéfica. Art. 5º, XL, da Constituição Federal. HC concedido. Concessão de ordem de ofício para fins de progressão de regime. A edição da Lei nº 12.015/09 torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma vítima. (HC 86110, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma,STF, julgado em 02/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-01 PP-00089)
- ESTUPRO E ATENTADO AO PUDOR. VÍTIMAS E CIRCUNSTÂNCIAS DIVERSAS. CONCURSO MATERIAL.
- AÇÃO PENAL. Estupro e atentado violento ao pudor. Crimes da mesma espécie. Continuidade delitiva. Reconhecimento. Impossibilidade. Regra do art. 71 do CP. Fatos que não foram cometidos nas mesmas circunstâncias, e contra vítimas diferentes. HC denegado. Concessão de ordem de ofício para fins de progressão de regime. Conquanto teoricamente admissível após a edição da Lei nº 12.015, o reconhecimento de continuidade entre os antigos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, não se aplica o disposto no art. 71 do Código Penal se os fatos não foram praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local, e contra vítimas distintas. (HC 99265, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, STF, julgado em 02/03/2010, 2009DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-03 PP-00481)
- ESTUPRO E ATENTADO APÓS A LEI Nº 12.015. CONCURSO MATERIAL. TIPO MISTO CUMULATIVO.
- HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES EM CONCURSO MATERIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 12.015/2009. REUNIÃO DE AMBAS FIGURAS DELITIVAS EM UM ÚNICO CRIME. TIPO MISTO CUMULATIVO. CUMULAÇÃO DAS PENAS. INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. FIXAÇÃO DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.º, § 2.º DA LEI N.º 8.072/90. 1. Antes da edição da Lei n.º 12.015/2009 havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do Código Penal passa a ser um tipo misto cumulativo, uma vez que as condutas previstas no tipo têm, cada uma, "autonomia funcional e respondem a distintas espécies valorativas, com o que o delito se faz plural" (DE ASÚA, Jimenez, Tratado de Derecho Penal, Tomo III, Buenos Aires, Editorial Losada, 1963, p. 916). 2. Tendo as condutas um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o Legislador tê-las inserido num só artigo de lei. 3. Se, durante o tempo em que a vítima esteve sob o poder do agente, ocorreu mais de uma conjunção carnal caracteriza-se o crime continuado entre as condutas, porquanto estar-se-á diante de uma repetição quantitativa do mesmo injusto. Todavia, se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como o coito anal, por exemplo, cada um desses caracteriza crime diferente e a pena será cumulativamente aplicada à reprimenda relativa à conjunção carnal. Ou seja, a nova redação do art. 213 do Código Penal absorve o ato libidinoso em progressão ao estupro – classificável como praeludia coiti – e não o ato libidinoso autônomo, como o coito anal e o sexo oral. 4. Diante da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal do § 1º do art. 2.º da Lei 8.072/90, e após a publicação da Lei n.º 11.464/07, afastou-se do ordenamento jurídico o regime integralmente fechado antes imposto aos condenados por crimes hediondos, assegurando-lhes a progressividade do regime prisional. 5. Ordem parcialmente concedida, apenas para afastar o regime integralmente fechado de cumprimento de pena. (STJ, HC 78667/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010)
- ESTUPRO E ATENTADO APÓS A LEI Nº 12.015. CONCURSO MATERIAL. TIPO MISTO CUMULATIVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. EXPERIÊNCIA DAS VÍTIMAS. CRIME HEDIONDO. LEI Nº 12.015/2009. ARTS. 213 E 217-A DO CP. TIPO MISTO ACUMULADO. CONJUNÇÃO CARNAL. DEMAIS ATOS DE PENETRAÇÃO. DISTINÇÃO. CRIMES AUTÔNOMOS. SITUAÇÃO DIVERSA DOS ATOS DENOMINADOS DE PRAELUDIA COITI. CRIME CONTINUADO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. I - O exame do v. acórdão vergastado evidencia a existência de provas suficientes para amparar o juízo condenatório alcançado em primeiro grau. Ademais, não se admite, na via eleita, que se proceda a nova dilação probatória. II - O consentimento da vítima ou sua experiência em relação ao sexo, no caso, não têm relevância jurídico-penal. III - Na linha da jurisprudência desta Corte e do Pretório Excelso constituem-se os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor (na antiga redação), ainda que perpetrados em sua forma simples em crimes hediondos, submetendo-se os condenados por tais delitos ao disposto na Lei nº 8.072/90. IV - A reforma introduzida pela Lei nº 12.015/2009 unificou, em um só tipo penal, as figuras delitivas antes previstas nos tipos autônomos de estupro e atentado violento ao pudor. Contudo, o novel tipo de injusto é misto acumulado e não misto alternativo. V - Desse modo, a realização de diversos atos de penetração distintos da conjunção carnal implica o reconhecimento de diversas condutas delitivas, não havendo que se falar na existência de crime único, haja vista que cada ato - seja conjunção carnal ou outra forma de penetração - esgota, de per se, a forma mais reprovável da incriminação. VI - Sem embargo, remanesce o entendimento de que os atos classificados como praeludia coiti são absorvidos pelas condutas mais graves alcançadas no tipo. VII - Em razão da impossibilidade de homogeneidade na forma de execução entre a prática de conjunção carnal e atos diversos de penetração, não há como reconhecer a continuidade delitiva entre referidas figuras. Ordem denegada. (HC 104724/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, STJ, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010)
- ESTUPRO E ATENTADO. MESMA VÍTIMA E CIRCUNSTÂNCIAS SEMELHANTES. CONTINUIDADE.
- HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E TENTATIVA DE ESTUPRO.INFRAÇÕES COMETIDAS, ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 12.015/09, EM SEMELHANTES CONDIÇÕES DE TEMPO, LUGAR E MANEIRA DE EXECUÇÃO, GUARDANDO IDENTIDADE. ATOS POSTERIORES HAVIDOS COMO CONTINUIDADE DO PRIMEIRO. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO.PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. 1. Segundo o art. 71 do Código Penal, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. 2. Após as inovações trazidas pela Lei nº 12.015/09, os arts. 213 e 214 do Código Penal hoje estão condensados no mesmo dispositivo legal, constituindo, dessarte, crimes da mesma espécie, o que viabiliza a aplicação da regra do art. 71 da Lei Penal. 3. No caso presente, o intervalo entre os acontecimentos é de aproximadamente um mês. As condições de lugar (residência do acusado) e maneira de execução (aproveitava-se do fato de a vítima estar dormindo em casa) são absolutamente semelhantes, o que conduz ao reconhecimento do crime continuado. 4. Tomando por base o número de infrações cometidas – 2 (duas) – deve incidir a majoração no patamar de 1/6 (um sexto). 5. A pretensão absolutória esbarra na necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, providência de todo incompatível com a via eleita. 6. Ordem parcialmente concedida para, reconhecendo o crime continuado entre as infrações cometidas pelo ora paciente, reduzir a pena sobre ele recaída, de 10 (dez) anos de reclusão para 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão. (HC 114.054/MT, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, STJ, julgado em 05/04/2010, DJe 19/04/2010)
- MAJORANTE DO ART. 9º DA LEI 8.072 E INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR DATIVO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTRARRAZÕES. ART. 370, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ESTUPRO. CRIME HEDIONDO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/1990. ORDEM DENEGADA. I - A intimação do defensor dativo para apresentação de contrarrazões ao recurso especial ocorreu em data anterior à publicação da Lei 9.271/1996, o que, pela aplicação do princípio do tempus regit actum, exclui a obrigatoriedade da intimação pessoal do defensor dativo. II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o crime de estupro, tanto na sua forma simples como na qualificada é crime hediondo. Precedentes. III - Não há bis in idem no fato de a idade da vítima ser levada em conta para tipificar o crime de estupro pela violência presumida nos termos do art. 224 do Código Penal e também como causa de aumento de pena consoante dispõe o art. 9º da Lei 8.072/1990. IV - Inexistindo nulidade ou ilegalidade flagrante a ser sanada, não se pode admitir o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, ante a verificação do trânsito em julgado do acórdão que tornou definitiva a condenação. V - Ordem denegada. (STF,HC 97788, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 25/05/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-02 PP-00403)
- PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. REVOGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS. HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO. IRRELEVÂNCIA. REVOGAÇÃO PELA LEI N.º 12.015/09.NOVATIO LEGIS IN PEJUS. ABOLITIO CRIMINIS INEXISTENTE. 1. A presunção de violência, anteriormente prevista no art. 224, alínea a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrelevante o seu consentimento para a formação do tipo penal do estupro. 2. Embora a Lei n.º 12.015/09 tenha retirado do texto penal incriminador a figura da violência presumida, não se verifica, na espécie, hipótese de abolitio criminis, já que o novo texto legal, que substituiu o art. 224, alínea a, do Código Penal, impõe uma obrigação geral de abstenção de conjunção carnal e de ato libidinoso com menores de 14 anos – art. 217-A, do mesmo Diploma Repressivo. 3. Ordem denegada. (HC 83788/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, STJ, julgado em 29/09/2009, DJe 26/10/2009)
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FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E SONEGAÇÃO FISCAL
Quem falsifica um documento, e depois o utiliza, não responde por dois crimes (falsidade mais uso), senão tão somente por falsidade (segundo jurisprudência majoritária, inclusive no STF, HC 84.533). O uso, neste caso, é post-factum impunível (porque não significa nova lesão ao bem jurídico tutelado – confiança nos documentos)” (Gomes, Luis Flávio & Molina, Antonio García-Pablos de. Direito Penal. Parte Geral. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 82).
“Se a finalidade do agente, ao falsificar o recibo de recolhimento das contribuições previdenciárias era tão somente o de elidir o pagamento dos tributos, os crimes-meio, falsificação e estelionato, estão absorvidos pelo crime fim, a sonegação fiscal. Aplicação do conflito aparente de normas, do princípio da consução”. (TRF, 3º. Região., HC 93.03.99.325, Juíza Salete Nascimento, DJ 22 fev,1994, Seção 2, p. 5309).
“O ardil documental, por constituir elemento da sonegação fiscal, não pode ser imputado ao acusado em sua figura autônoma” (STF, HC 65.850/SP, Resek, 2º. Turma, u., DJ 12.05.88).
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HOMICÍDIO DOLOSO EVENTUAL - DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
06/09/2011 PRIMEIRA TURMA HABEAS CORPUS 107.801 SÃO PAULO
V O T O – V I S T A
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL
DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO
QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A classificação do delito como doloso,
implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de
alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.
2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.
3. A embriaguez alcoólica que conduz à
responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da
sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.
5. A doutrina clássica revela a virtude da
sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2005, p. 243)
6. A revaloração jurídica dos fatos postos
nas instâncias inferiores não se confunde
com o revolvimento do conjunto fáticoprobatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves,
DJ de 17/8/1990.
7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de
aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).
8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB),determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado contra acórdão denegatório de idêntica medida, sintetizado na seguinte ementa, in verbis:
HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO
CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE
SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413 do Código Processual Penal.
2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório - vedado na via estreita do mandamus -, já que para que seja reconhecida a culpa consciente ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da conduta do paciente.
3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício.
4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria assestada ao paciente e tendo a provisional trazido a descrição da conduta com a indicação da existência de crime doloso contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, não se evidencia o alegado constrangimento ilegal suportado em decorrência da pronúncia a título de dolo eventual, que depende de profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição exauriente.
5. Ordem denegada.
Segundo consta nos autos, o paciente foi denunciado pela prática de homicídio qualificado (art. 121, 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte do Código Penal), porquanto teria, na direção de veículo automotor e sob o efeito de bebidas alcoólicas, atropelado a vítima, que veio a óbito.
Pronunciado o paciente pelo delito de homicídio doloso, interpôs
recurso em sentido estrito, que restou desprovido, ensejando a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, alfim denegado.
Nesta impetração, sustenta-se que o fato imputado ao paciente deveser tipificado como homicídio culposo, uma vez que aplicável ao homicídio praticado em direção de veículo automotor por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas o art. 302, inciso V, do CTB, na redação da Lei nº 11.275/06, in verbis:
Art. 302. ................
Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na
direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço
à metade, se o agente:
[...]
V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006) (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)
Alega que a Lei 11.275/06 entrou em vigor após a ocorrência do fato (19/05/2002), sendo aplicável ao caso sub judice mesmo que tenha sido revogada, posto ser mais benéfica (artigo 5º, inciso XL da Constituição da República e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).
Argumenta que a referida lei “atribui à embriaguez ao volante a condição de causa de aumento de pena em sede homicídio de trânsito culposo, impossibilitando que o estado ébrio seja considerado como justificativa do reconhecimento de dolo eventual, o que afasta a incidência do artigo 121 do Código Penal”.
Afirma que as instâncias inferiores reconheceram a ausência do
“animus necandi”, de modo que, se paciente não anuiu nem aceitou o risco de produzir o resultado morte, deveria ser reconhecida a ocorrência de culpa consciente, e não de dolo eventual.
Aduz que a análise do presente writ não requer revolvimento de fatos e provas, como assentado pelo STJ, mas sim de revaloração do acervo probatório, sendo certo que não se pode atribuir automaticamente
o dolo quando se trata de homicídio de trânsito decorrente de
embriaguez.
Requer a desclassificação da conduta para o tipo do art. 302, “caput” da Lei n.º 9.503/97, “ainda que com o acréscimo previsto no inciso V do parágrafo único do mesmo dispositivo legal”, determinando-se a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
A liminar restou indeferida pela Relatora.
O parecer do MPF foi pelo indeferimento do writ.
Na assentada em que teve início o julgamento, a Relatora votou pela denegação da ordem.
É o breve relato. Passo a votar.
Cuida-se de habeas corpus em que se pretende a desclassificação da conduta imputada ao paciente para o homicídio culposo previsto no
Código de Trânsito Brasileiro (art. 302 do CTB).
Com efeito, dispõe o artigo 419 do CPP que o juiz remeterá os autos o órgão competente quando se convencer da existência de crime diverso e não for competente para o julgamento. Tal desclassificação, se omitida indevidamente, importa em graves consequências para a defesa, deslocando o processo ao Júri, cujo julgamento é sabidamente atécnico e, às vezes, até mesmo apaixonado, a depender do local onde ele ocorra.
Essas implicações potencializam-se ainda mais no caso sub judice, em que as diferenças de penas entre um e outro crime são gritantes.
Para se ter uma ideia, a diferença da entre as penas mínimas do crime de homicídio qualificado (12 anos) e do homicídio culposo em direção de veículo automotor (2 anos) é de 10 anos.
Outrossim, observa-se atualmente, de um modo geral, seja nas acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização no sentido de atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se refletiu no caso em exame.
No entanto, reconhecido na sentença de pronúncia e no acórdão que a confirmou que o paciente cometera o fato em estado de embriaguez alcoólica, a sua responsabilização a título doloso somente pode ocorrer mediante a comprovação de que ele embebedou-se para praticar o ilícito ou assumindo o risco de praticá-lo. A aplicação da teoria da actio libera in causa somente é admissível para justificar a imputação de crime doloso em se tratando de embriaguez preordenada, sob pena de incorrer em inadmissível responsabilidade penal objetiva. Nesse sentido, confira-se a doutrina de Guilherme de Souza Nucci:
18. A teoria da actio libera in causa: com base no princípio de que a “causa da causa também é a causa do que foi causado”, leva-se em consideração que, no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa. Assim, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente – afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazêlo, precipita a sua imprudência para o momento em que atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se no momento de ingestão da bebida para o instante do delito.
Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1940 a seguinte concepção: “Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou substância de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente se deixou arrastar ao estado de inconsciência” (nessa parte não alterada pela atual Exposição de Motivos).
Com a devida vênia, nem todos os casos em que o agente “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem configurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de foma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa nesses casos. De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou
estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidade, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma de que a teoria da actio libera in causa (“ação livre na sua origem”) somente é cabível nos delitos preordenados (em se tratando de dolo) ou com flagrante imprudência no momento de beber estão os magistérios de Frederico Marques, Magalhães Noronha, Jair Leonardo Lopes, Jürgen Baumann, Paulo José da Costa Júnior, Munhoz Neto, entre outros, com os quais concordamos plenamente. Destacamos a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação a esta o Código prevê uma agravação (art. 56, II, c)
também é certo que considera todas num mesmo plano para negar a isenção de pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava, resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é
voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. [...] (Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243 – grifos adicionados)
Na mesma esteira de entendimento, a lição de Rogério Greco:
Pela definição de actio libera in causa fornecida por Narcélio de Queiroz, percebemos que o agente pode embriagar-se preordenadamente, com a finalidade de praticar uma infração penal, oportunidade em que, se vier a cometê-la, o resultado lhe será imputado a título de dolo, sendo, ainda, agravada a sua pena em razão da existência da circunstância agravante prevista no art. 61, II, “I”, do Código Penal, ou, querendo ou não se embriagar, mas sem a finalidade de praticar qualquer infração penal, se o agente vier a causar um resultado lesivo, este lhe poderá ser atribuído, geralmente, a título de culpa. (Curso de Direito Penal: parte geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p.455 - grifos adicionados)
Ademais, a produção de um resultado lesivo causada pela violação de um dever objetivo de cuidado reúne condições suficientes para a configuração de crime culposo, tornando despicienda a alusão à teoria da actio libera in causa. Confira-se a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli:
Vimos a estrutura do tipo culposo, e ela revela-nos
claramente que quando aquele que se coloca em estado ou situação de inculpabilidade viola um dever de cuidado, está preenchendo os requisitos da tipicidade culposa, e não há necessidade de recorrer-se à teoria da actio libera in causa.
Aquele que bebe até embriagar-se, sem saber que efeitos o álcool causa sobre seu psiquismo, ou quem “para experimentar”, ingere um psicofármaco cujos efeitos desconhece, ou quem injuria outro sem considerar que pode ele ter uma reação violenta, está, obviamente, violando um dever de cuidado. Se sua conduta violadora do dever de cuidado, em qualquer desses casos, causa uma lesão a alguém, teremos perfeitamente configurada a tipicidade culposa, sem que seja necessário recorrer à teoria da actio libera in causa.
Isto porque a conduta típica violadora do dever de cuidado é, precisamente, a de beber, ingerir o psicofármaco e injuriar, respectivamente, e, no momento de cometer este injusto culposo, o sujeito encontrava-se em estado e em situação de culpabilidade, pelo que é perfeitamente reprovável.
Consequentemente, não tem sentido falar de actio libera in causa culposa, devendo o âmbito dessa teoria reduzir-se ao dolo.
(Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo: RT, 2011, p. 460 – grifo adicionado)
In casu, segundo os termos em que a denúncia foi formalizada, tem-se a presunção de que o agente assumiu o risco de causar a morte da vítima em virtude de estar embriagado. Eis o teor da peça acusatória:
Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 19 de maio de 2.002, por volta das 07h00, no cruzamento da Rua Presidente Vargas com a Rua 13 de Maio , na cidade de Pradópolis, nesta comarca, LUCAS DE ALMEIDA MENOSSI,
qualificado a fls. 68/71, agindo com animo homicida e mediante
o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, produziu em Eliete Alves de Oliveira os ferimentos descritos no exame necrosc6pico de fls. 31 , os quais foram a causa eficiente de sua morte.
Segundo se apurou, o indiciado conduzia a camioneta GM D-20, placas BZC-2488, de Pradópolis/SP, pelo local dos fatos, em estado de embriaguez alcoólica (fls. 32), quando veio a atropelar a vítima, que por ali caminhava e, em decorrência dos graves ferimentos provocados por tal conduta, veio a falecer.
Em razão de sua embriaguez alcoólica, o indiciado assumiu o risco de causar a morte da vítima ao conduzir um veículo automotor em via pública.
O crime foi cometido com o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, senhora que praticava caminhadas por recomendações medicas e andava pacificamente pelas ruas de Pradópolis e, atingida de surpresa, não teve chances de esboçar qualquer reação de defesa ou
mesmo de esquivar-se do veículo automotor.
[...]
(grifo adicionado)
Mediante esta mesma presunção (embriaguez – assunção do risco), o paciente foi pronunciado por homicídio doloso qualificado pelo meio que impossibilite a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte, ambos do CP). Confira-se o trecho da sentença pertinente ao tema:
[...]
Não se pode recusar a constatação, evidenciada pelo exame de embriaguez alcoólica que o acusado, na data dos fatos, conduzia o veículo embriagado.
Do exame de fls. 35 constou expressamente, que o acusado apresentava sintomas indicativos de que ingeriu bebida alcoólica e em consequência estava embriagado, colocando em risco, no estado em que se encontrava, em perigo, a segurança própria ou alheia. Conclui-se que o acusado estava em estado de embriaguez alcoólica.
Assim, mostra-se absolutamente correta a conclusão no sentido de que o acusado, pelo meio e modo como agiu, assumiu o risco de produzir o resultado morte da vítima, assentindo no resultado.
[...]
(fls. 31 e 32).
O Tribunal de Justiça, por sua vez, acrescentou, em julgamento de
recurso da defesa, dado não constante na sentença (velocidade) e que,
portanto não poderia ser considerado para agravar a situação do paciente. Além disso, também manifestou convencimento no sentido de o
dolo eventual presumir-se da direção do veículo sob o efeito de bebidas
alcoólicas, mesmo rechaçando expressamente a intenção de matar, in litteris:
Com efeito, é bem verdade que não restou comprovado que o réu tinha intenção de matar a vítima; porém, considerando que conduzia seu veículo embriagado e em velocidade incompatível com a localidade, entendo que não se importava com as possíveis consequências, o que evidentemente, caracteriza dolo eventual. Assim, havendo indícios de existência de crime doloso contra a vida, entendo acertada a decisão de pronúncia" (fls. 45). (grifo adicionado)
Consectariamente, observa-se ter havido mera presunção acerca do elemento volitivo imprescindível para configurar-se o dolo, não se atentando, pois, para a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Em ambas as situações ocorre a representação do resultado pelo agente. No entanto, na culpa consciente este pratica o fato acreditando que o resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Nelson Hungria traça com nitidez a diferença entre as duas situações mentais, in litteris:
Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa
consciente, ao contrário, o agente repele, embora
inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá” (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117)
No mesmo sentido os ensinamentos de Heleno Cláudio Fragoso:
[...] assumir o risco significa prever o resultado como provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência. O dolo eventual aproxima-se da culpa consciente e dela se distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado como possível ou provável não o aceita nem consente. Não basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de certo evento, sem implicação de natureza volitiva. O dolo eventual põe-se na perspectiva da vontade, e não da representação, pois, esta última, pode conduzir também a culpa consciente. Nesse sentido já decidiu o STF (RTJ, 351/282). A rigor, a expressão 'assumir o risco' é imprecisa, para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. (Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173 – grifo adicionado)
Portanto, do exame descrição dos fatos empregada nas razões de
decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas consentindo em que produziria o resultado, o qual pode até ter previsto, mas não assentiu que
ocorresse.
Vale ressaltar que o exame da presente questão não se situa no âmbito do revolvimento do conjunto fático-probatório, mas importa, isto sim, em revaloração dos fatos postos nas instâncias inferiores, o que é viável em sede de habeas corpus. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990.
Por fim, vale ressaltar que a Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se mostrou mais favorável ao paciente. Ao contrário, previu causa de aumento de pena para o crime em tese por ele
praticado, de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art.
302, caput, do CTB).
Ex positis, voto pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
É como voto.
FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E SONEGAÇÃO FISCAL
Quem falsifica um documento, e depois o utiliza, não responde por dois crimes (falsidade mais uso), senão tão somente por falsidade (segundo jurisprudência majoritária, inclusive no STF, HC 84.533). O uso, neste caso, é post-factum impunível (porque não significa nova lesão ao bem jurídico tutelado – confiança nos documentos)” (Gomes, Luis Flávio & Molina, Antonio García-Pablos de. Direito Penal. Parte Geral. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 82).
“Se a finalidade do agente, ao falsificar o recibo de recolhimento das contribuições previdenciárias era tão somente o de elidir o pagamento dos tributos, os crimes-meio, falsificação e estelionato, estão absorvidos pelo crime fim, a sonegação fiscal. Aplicação do conflito aparente de normas, do princípio da consução”. (TRF, 3º. Região., HC 93.03.99.325, Juíza Salete Nascimento, DJ 22 fev,1994, Seção 2, p. 5309).
“O ardil documental, por constituir elemento da sonegação fiscal, não pode ser imputado ao acusado em sua figura autônoma” (STF, HC 65.850/SP, Resek, 2º. Turma, u., DJ 12.05.88).
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HOMICÍDIO DOLOSO EVENTUAL - DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
* Crime. Lei Maria da Penha. Inconstitucionalidade. Vias de fato. Desobediência a ordem judicial. Apelo parcialmente provido.
Comprovado que o acusado agrediu sua companheira, vai mantida a condenação pela contravenção do artigo 21 da LCP, c/c Lei nº 11.340/06. Não há falar em inconstitucionalidade da Lei 11.340/2006, pois a própria Constituição Federal previu a criação de uma Lei para coibir a violência doméstica, bem como está presente na Constituição Federal a diferença entre a igualdade formal e material, a qual dá suporte a Lei 11340/06, sem ferir o princípio da isonomia. Parcial provimento ao apelo. (Apelação crime nº 70022736441. Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator. José Eugênio Tedesco. Julgado em 03.04.2008)
* Recurso em sentido estrito. Inconstitucionalidade da Lei 11.340/06. Violação ao Princípio da Isonomia não caracterizado. Violência doméstica contra a mulher - Competência do Juizado Especial Criminal - Aplicabilidade da Lei 9099/95 - Recurso improvido. A Lei 11340/06 não fere o princípio constitucional da isonomia, porquanto apenas visa proteger adequadamente as mulheres que se encontram em situação jurídica desvantajosa, criando mecanismos processuais diferenciados para a sua realidade diversa da dos seus semelhantes. A competência para processar e julgar crimes praticados com violência doméstica contra a mulher é dos Juizados Especiais Criminais, por ser aplicável a Lei 9099/95 a essas hipóteses (Recurso em sentido estrito nº 2008.026573-4/0000-00, Segundo Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Relator. Des. Claudionor Migues Abss Duarte. Julgado em 15.09. 2008).
Inaplicabilidade do Princípio da Bagatela em Crime praticado por Funcionário Público contra a administração pública.
Ementa: Apelação. Art. 312 do CP. Peculato. Princípio da Insignificância. Cálculo da pena. Prescrição. Redimensionado o cálculo da pena e desprezando-se o aumento pela continuidade delitiva, é de se decretar a extinção da punibilidade, pela prescrição. O princípio da insignificância não se aplica aos crimes contra a administração pública, pois o bem jurídico primacialmente tutelado é a moralidade no desempenho da função pública. A sanção penal busca punir a concupiscência do funcionário público que, a despeito do dever de observância dos princípios norteadores da administração pública, deixa-se seduzir pela possibilidade de apropriar-se de algo que não lhe pertence. Providos parcialmente, dois dos apelos. Apelação Crime No. 70015123169 - 4o. Câmara Criminal. Rel. Des. Gaspar Marques Batista.
Leia a íntegra do acórdão.
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Ementa: Apelação crime. Peculato. Serventuário de Justiça que recebeu o valor das custas judiciais relativas a uma ação cautelar de busca e apreensão, fornecendo recibo ao advogado do demandante, sem, entretanto, recolher o valor aos cofres estatais. Apropriação do avalor do qual detinha o réu a posse em razão do cargo. Presença dos elementos objetivos e subjetivos do tipo descrito no artigo 312 do Código Penal. Comprovadas, inequivocamente, autoria e materialidade. Princípio da bagatela. Inaplicabilidade. Pena aplicada ao réu idêntica a anteriormente imposta na sentença cassada. Obediência ao princípio da vedação da "reformatio in pejus" indireta. Negaram provimento. Unânime. Apelação Crime número 697195295. Primeira Câmara Criminal. Rel. Des. Luiz Armando Bretanha de Souza Leal.
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Habeas corpus. Peculato. Art. 312 do CP. Princípio da Insignificância. Inaplicabilidade. Demissão sem justa causa e condenação criminal. Bis in idem. Inexistência. 1. Consoante jurisprudência pátria, mostra-se inaplicável o princípio de bagatela à prática de peculato (art. 312 do CP), eis que tal crime atinge não só a esfera patrimonial, mas também a probidade administrativa. 2. Pela mesma razão, o fato de ter o paciente indenizado o dano financeiro, não torna atípica a prática descrita na denúncia, podendo, tal circunstância ser considerada por ocasião da dosimetria da pena, em caso de condenação. 3. Eventual reprimenda imposta em esfera criminal não configurará indevido "bins in idem" quanto cotejada com a demissão do réu, uma vez que, como é cediço, em nosso sistema vige a independência das instâncias. Habeas Corpus No. 2006.04.00.006066-7. TRF.4o.Região. Relator: José Baltazar Júnior.
Consulte o inteiro teor do acórdão.
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Jurisprudência sobre o Recurso de Protesto por novo Júri: A propósito do artigo enviado pela acadêmica de Direito da UCPel, Carolina Cunha, acerca das possibilidades recursais no "Caso Isabella Nardoni", publicado aqui no Blog na Seção Inicial, também publico, neste espaço, o material jurisprudencial a que a autora alude em seu trabalho.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.094.482 - RJ (2008/0212586-2)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
RECORRENTE : LEONARDO COELHO NEVES DA SILVA
ADVOGADO : CÉSAR TEIXEIRA DIAS - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. Processual Penal. Revisão Criminal. Homicídio Qualificado consumado
e tentado. Reconhecimento da continuidade delitiva. Julgamento anterior a vigência
da Lei 11869/2008. PROTESTO POR NOVO JÚRI. Novo Julgamento.
1. O Ministério Público Federal suscitou preliminar de
prejudicialidade do recurso em face da superveniência da Lei n.º 11.689/2008,
que extinguiu o protesto por novo júri.
2. A recorribilidade se submete à legislação vigente na data em que a
decisão foi publicada, consoante o art. 2.º do Código de Processo Penal.
Incidência do princípio tempus regit actum.
3. O fato de a lei nova ter suprimido o recurso de protesto por novo
júri não afasta o direito à recorribilidade subsistente pela lei anterior.
Preliminar rejeitada.
4. O acórdão em análise foi publicado antes da vigência da Lei n.º
11.689/2008 que, em seu art. 4.º, revogou expressamente o Capítulo IV do
Título II do Livro III, do Código de Processo Penal, extinguindo o protesto por
novo júri. Dessa forma, subsiste o direito à interposição do mencionado
recurso, em virtude do reconhecimento de crime continuado com pena superior
a 20 anos. Precedentes desta Corte.
5. Com a revogação do § 1.º do art. 607 do Código de Processo Penal
pela Lei n.º 263/48, é possível o protesto por novo júri quando a nova pena é
fixada em sede de revisão criminal.
6. Recurso provido para determinar a submissão do Recorrente a um
novo julgamento perante o Tribunal do Júri.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, conhecer do recurso e
lhe dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo
Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer votaram com a Sra.
Ministra Relatora.
Brasília (DF), 1º de setembro de 2009 (Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatório e Voto - Ministra Relatora Laurita Vaz
Comentário da Acadêmica de Direito Carolina Cunha:
Muito provavelmente quando o professor Luís Flávio Gomes, em entrevista à Rede Record, cogitou à possibilidade dos advogados do casal Alexandre e Ana Carolina ingressarem com Protesto por novo Júri, referindo haver decisão jurisprudencial nesse sentido, ele se referia ao julgamento cuja ementa e acórdão estão postados acima. No entanto, em nossa percepção, equivoca-se o professor pois nota-se, analisando o relatório e o voto, que nesse caso o STJ entendeu admissível o Protesto por novo Júri contra decisão proferida ainda na vigência da lei anterior. Ou seja, no caso levado à apreciação do STJ, não só o fato ocorreu na vigência da lei anterior, mas também o julgamento e a sentença, o que não ocorre no "Caso Isabella Nardoni".
Decisão recente do STJ - fevereiro de 2010 - a respeito da revogada "presunção de violência" em crimes sexuais pode ser balizadora das futuras interpretações acerca do Estupro de Vulnerável, por vulnerabilidade etária, previsto no artigo 217-A, introduzido pela novel legislação 12015/09. Veja acórdão e relatório do voto.
Relatora
Relatório e Voto - Ministra Relatora Laurita Vaz
Comentário da Acadêmica de Direito Carolina Cunha:
Muito provavelmente quando o professor Luís Flávio Gomes, em entrevista à Rede Record, cogitou à possibilidade dos advogados do casal Alexandre e Ana Carolina ingressarem com Protesto por novo Júri, referindo haver decisão jurisprudencial nesse sentido, ele se referia ao julgamento cuja ementa e acórdão estão postados acima. No entanto, em nossa percepção, equivoca-se o professor pois nota-se, analisando o relatório e o voto, que nesse caso o STJ entendeu admissível o Protesto por novo Júri contra decisão proferida ainda na vigência da lei anterior. Ou seja, no caso levado à apreciação do STJ, não só o fato ocorreu na vigência da lei anterior, mas também o julgamento e a sentença, o que não ocorre no "Caso Isabella Nardoni".
PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Decisão do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Habeas Corpus que teve como relator o Ministro Celso de Mello, traz interessante posição acerca dos Poderes Investigatórios do Ministério Público. Leia a Ementa, abaixo, e consulte a íntegra do Acórdão clicando aqui.
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E DE CONCUSSÃO ATRIBUÍDOS A POLICIAIS CIVIS - POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDOS AGENTES POLICIAIS - VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA - CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AOS POLICIAIS - LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO "PARQUET" - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS - CASO "McCULLOCH v. MARYLAND" (1819) - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL, JOÃO BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.) - OUTORGA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL - LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - "HABEAS CORPUS" INDEFERIDO. NAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉRITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DIVERSOS INSTRUMENTOS ESTATAIS DE INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO. - O inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a "informatio delicti". Precedentes. - A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito. - A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o "dominus litis", determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua "opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes. A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. - Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. - O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de "dominus litis" e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a "opinio delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes: RE 535.478/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 91.661/PE, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 85.419/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 89.837/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO "PARQUET", O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. - O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova "ex propria auctoritate", não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio ("nemo tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.). - O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. - O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório.
CASA DE PROSTITUIÇÃO
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por intermédio de sua 4o. Câmara Criminal, julgou, no início do mês de março, Apelação Criminal interposta por réus condenados por Crime de Casa de Prostituição. O Relator, desembargador Eduardo Brum, negou a absolvição dos réus, sustentando que a "tolerância ou permissão da autoridade administrativa ou policial não exclui a antijuridicidade do delito, eis que a tolerância não exclui o objetivo da norma, que é tutelar a moralidade sexual e os bons costumes".
Veja os dados do processo clicando no link abaixo. Ainda não está disponível o acórdão para a consulta.
Meu comentário: Ainda que exista, conforme sustenta o Desembargador, antijuridicidade, ela é meramente formal. Há que refletir-se sobre se na conduta de quem mantém casa de prostituição - quando ela se destina a abrigar prostitutas adultos- está presente a antijuridicidade material, ou seja, a ofensa ou lesão a bens juridicamente tuteláveis.
Parece-me no mínimo discutível a presença dessa ofensa ou lesão, especialmente quando a sociedade tolera a prática da prostituição, a tal ponto de o Ministério do Trabalho e Emprego - orgão da adminsitração pública - considera-la como uma atividade ocupacional.
Só por isso parece inadmissível que alguém seja punido por contribuir na realização de uma atividade que não é ilícita materialmente.
Além do aspecto relativo à ausência de ilicitude material, o cotejo desta conduta com outros princípios de direito penal - o da tipicidade conglobante, da adequação social, do consentimento do ofendido e da lesividade - também evidenciam contradição na responsabilização penal de quem mantém local destinado ao exercício da prostituição.
Saliento, outrossim, que o crime de casa de prostituição integra, hoje, o Título VI do Código Penal Brasileira, que prevê os crimes contra a Dignidade Sexual, e, particularmente, o Capítulo V, que versa sobre o Lenocínio e o tráfico de pessoas para fim de Prostituição ou outra forma de exploração sexual.
PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA
"Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado mental, quando pratique ato libidionoso ou conjunção carnal" (Ministro Celso Limongi).
Leia a íntegra clicando em relatório e voto, abaixo.
EMENTA: Recurso Especial com pedido de uniformização de jurisprudência. Incidente não processado. Iniciativa exclusiva dos órgaos dos Tribunais. Precedentes. Estupro mediante violência presumida. Vítima adolescente. Conduta anterior à Lei 12.015/2009. Acórdão hostilizado que considera relativa a presunção de violência. Manutenção do decisum a quo. Interpretação abrangente de todo o arcabouço jurídico. A possibilidade de a menor, a partir dos 12 anos, sofrer medidas socioeducativas é incompatível com a presunção absoluta de violência no estupro. Impossibilidade de análise das provas acerca do do consentimento da vítima. Súmula 07 do STJ.
Relatório e voto - Ministro Celso Limongi.