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domingo, outubro 20

Investigação e acusação não são regidas pelo in dubio pro societate




Como se sabe, o princípio da presunção de inocência é consagrado não apenas no ordenamento constitucional (artigo 5º, LVII da CF), mas também convencional (artigo 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos) e legal (artigo 386, VI do CPP). Enquanto a Lei Maior estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o Pacto de São José da Costa Rica afirma que toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Daí a existência de diferentes terminologias para se referir ao mesmo postulado, havendo quem prefira o termo princípio da presunção de não culpabilidade.

Do estado de inocência decorrem duas regras básicas:[1] (a) a regra probatória segundo a qual a dúvida na persecução criminal milita em favor do réu (in dubio pro reo), e (b) a regra de tratamento de acordo com a qual a prisão cautelar configura exceção.

Quanto à regra probatória, grande parte dos estudiosos limita sua incidência após a deflagração do processo penal (depois do recebimento da acusação), a fim de que o magistrado faça, no momento da sentença, a valoração da prova.

Contudo, a valoração da prova ocorre também nos momentos anteriores à sentença, a saber, instauração ou não do inquérito policial, indiciamento ou não indiciamento, oferecimento da denúncia ou requerimento de arquivamento, e recebimento ou não da denúncia. E nessas fases costuma-se falar em princípio do in dubio pro societate como suposta variação da regra probatória penal.

De acordo com o in dubio pro societate, em caso de dúvida sobre a materialidade e autoria, estaria autorizada a investigação, o indiciamento e a acusação, pois a incerteza favoreceria a sociedade em detrimento do imputado. Significa dizer que se a autoridade policial tiver incerteza, deve instaurar o inquérito e indiciar; se o promotor estiver indeciso, deve acusar; se o juiz estiver confuso, deve receber a denúncia. Segundo essa corrente de pensamento, não deveria o in dubio pro reo obstar o prosseguimento da persecução.

Todavia, parece indevido esse afastamento do princípio da presunção de inocência durante a persecução criminal, por contrariar a lógica que rege o desenrolar da investigação e processo judicial e os stantards probatórios exigidos.

O desenvolvimento da persecução penal (desde sua primeira fase policial até sua segunda etapa judicial) tem início com a instauração do inquérito policial e indiciamento, passando pelo oferecimento e recebimento acusação, e chegando por fim à sentença. O avanço na persecução é diretamente proporcional ao aumento do grau de convicção sobre materialidade e autoria delitivas. Quanto mais constrangedora a ação estatal contra o imputado (indiciamento, acusação ou condenação), maior o patamar de convencimento.

Nesse sentido, o standard probatório aumenta de um juízo de possibilidade na instauração da investigação, para um juízo de probabilidade no indiciamento e acusação, chegando por fim a um juízo de certeza (além de dúvida razoável) [2] na condenação.

Em outros termos, o inquérito policial somente pode ser iniciado mediante indícios mínimos (princípio de justa causa); o indiciamento e a acusação só são autorizadas com indícios suficientes (justa causa); e a condenação apenas se justifica com provas robustas.

Embora não se tenha alcançado um consenso quanto ao significado preciso dos standards probatórios,[3] podemos falar em prova crível, prova preponderante e prova para além de dúvida razoável, para exprimir respectivamente o juízo de possibilidade, juízo de probabilidade e juízo de certeza necessários nas diferentes fases da persecução criminal.

A probabilidade percebe os motivos convergentes e divergentes e os julga dignos de serem levados em conta se bem que mais os primeiros e menos os segundos. A certeza acha, ao contrário, que os motivos divergentes da afirmação não merecem racionalmente consideração, e por isso, afirma.[4]

O que precisa ficar claro é que, havendo dúvidas sobre a existência de indícios mínimos de materialidade e autoria, não se deve instaurar o inquérito policial. E se for incerta a presença de indícios veementes do crime e de seu autor, o indiciamento e a acusação não devem ser feitas. A dúvida, portanto, continua beneficiando o imputado, por aplicação do in dubio pro reo.

Por isso mesmo já há vozes na doutrina e nos Tribunais Superiores se insurgindo contra o in dubio pro societate:

Percebe-se a lógica confusa e equivocada ocasionada pelo suposto “princípio in dubio pro societate”, que, além de não encontrar qualquer amparo constitucional ou legal, acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova.[5]

Por mais que se queira propalar a máxima de que, no átrio da ação penal, teria força a máxima in dubio pro societate, em verdade, tal aforisma não possui amparo legal, nem decorre da lógica do nosso sistema processual penal, constitucionalmente orientado. A tão só sujeição ao juízo penal já representa, per se, um gravame, cuja magnitude Carnelutti já dimensionava como verdadeira sanção. Desta forma, é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios. Trata-se de uma das fases do escalonamento da cognição, que se inicia pelo indiciamento, passa pelo recebimento da acusação e se ultima com a sentença, recebendo a pá de cal com o trânsito em julgado. [6]

Afirmar, simplesmente, que a pronúncia é mera admissibilidade da acusação e que estando o Juiz em dúvida aplicar-se-á o princípio do in dubio pro societate é desconhecer que num País cuja Constituição adota o princípio da presunção de inocência torna-se heresia sem nome falar em in dubio pro societate.[7]

Isso não se confunde, obviamente, com o in dubio pro societate. Não se trata de uma regra de solução para o caso de dúvida, mas sim de estabelecer requisitos que, do ponto de vista do convencimento.[8]

Que fique bem claro que a inexistência do princípio do in dubio pro societate não traduz a exigência de certeza para investigar, indiciar ou acusar, mas apenas a não admissibilidade da utilização da máxima como artimanha para camuflar o não atingimento do standard probatório. A ausência de dúvidas ou a incerteza em baixo patamar (com inverossimilhança da versão defensiva) persiste sendo reclamada somente para a condenação.

Também convém salientar que negar a existência do in dubio pro societate não significa deixar a sociedade desprotegida. Pelo contrário, quando se impede a deflagração e o desenvolvimento de persecuções penais temerárias, os direitos fundamentais dos indivíduos são protegidos e a coletividade ganha com um sistema mais racional e justo. No Estado de Direito, o estado de inocência deve reger qualquer etapa da persecução penal, servindo de norte na atuação dos agentes públicos e de proteção para os cidadãos contra o arbítrio estatal.

Nessa vereda, é preciso que as deliberações do delegado de polícia (ao iniciar o inquérito ou indiciar), do promotor (ao acusar) e do juiz (ao receber a denúncia ou pronunciar) estejam fundamentadas na existência do lastro probatório exigido, não podendo a dúvida autorizar o avanço da atividade persecutória estatal.

Outrossim, o Ministério Público deve cessar a comum prática de acusar sem provas suficientes, sob o argumento de que durante a ação penal serão colhidos os elementos necessários. Até porque o processo penal costuma seguir a sorte da investigação, apenas chancelando as provas cautelares e irrepetíveis (com a formalização do contraditório diferido) e repetindo as oitivas sob o crivo do contraditório (com sua transformação de elementos informativos em probatórios).

A discussão sobre a valoração da prova certamente é importante,[9] porém a criação de princípio sem amparo legal em nada contribui para o avanço do debate.

1 TORRES, Jaime Vegas. Presunción de inocência y prueba em el processo penal. Madrid: La Ley, 1993, p. 35.
2 artigo 386, VI do CPP; STF, AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 22/04/2013; STF, AP 676, Rel. Min. Rosa Weber, DJ 17/10/2017; STF, HC 83.947, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 07/08/2007.
3 GARDNER, Thomas J; ANDERSON, Terry M. Criminal evidence: principles and cases. 2010.
4 MALATESTA, Nicola. A lógica das provas em matéria criminal. São Paulo: Conan, 1995, p. 61.
5 STF, ARE 1.067.392, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 26/03/2019.
6 STJ, HC 175.639, Rel. Min Maria Thereza de Assis Moura, DJ 20/03/2012.
7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 79.
8 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Ônus da prova no processo penal. São Paulo, RT, 2004, p. 390-391.
9 KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro> Forense, 2007. p. 6

Fonte:CONJUR

IBCCRIM-Sustentação oral de Mauricio Stegemann Dieter-Julgamento STF | Prisão em segunda

Assista à íntegra da sustentação oral de Mauricio Stegemann Dieter, que representou o IBCCRIM no julgamento no STF sobre prisão em segunda instância.

O Instituto atua como amicus curiae nas ADCs 43, 44 e 54 e defendeu a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal.





sexta-feira, outubro 18

Afinal de contas, o que querem de nós, advogados criminalistas?




Se você resolveu enveredar pelos caminhos da advocacia criminal, com certeza já foi chamado de “advogado de porta de cadeia”. Afinal de contas, esse tipo de ofensa é a mais gasta de todas. Você com certeza foi vítima de expressões depreciativas do tipo “é bandido igual ao cliente…” ou “ele é vagabundo que ganha dinheiro defendendo estuprador e assassino…”.

Ou ainda teve de o desprazer de ouvir alguns comentários nem um pouco sutis como “não sei como ele tem coragem de defender um cara desses…” ou “se eu fosse advogado jamais defenderia um canalha que cometeu um crime tão bárbaro…”. E por aí vai…

Tudo certo, ninguém nos disse que seria fácil.

Advogados criminalistas

Ser advogado criminalista é muitas vezes brandir a espada contra o mundo em favor da lei. E não se faça de rogado: eu disse “lei”, que isso fique bem claro. É importante que evitemos cair no senso comum e pensarmos que defendemos o crime. Nada disso. O advogado criminalista talvez seja o operador do direito que mais defende os ditames legais em quaisquer circunstâncias, com coragem e enlevo, seja contra quem for.

Atualmente, vemos com estarrecimento que as pessoas, de modo geral, buscam uma justiça customizada, uma justiça que tenha pesos e medidas diferentes, uma justiça que seja rígida com os outros e branda quando quem comete o crime for ela própria ou as pessoas que ama.

Prejulgamentos e opiniões completamente fora da realidade são emitidos sem qualquer tipo de responsabilidade pelos leigos. Colocam-se no pacote tudo junto: advogado, crime e criminoso, fazendo dessa mistura a criação de um monstro de três cabeças, uma criatura abominável, um Cérbero fruto de uma mitologia ignorante e torta.

Tempos perigosos esses nossos.

Nunca na história dessa nação a opinião pública e a justiça condenaram tanto. Ao arrepio da lei são cometidos excessos cotidianamente, resultando no encarceramento de pessoas esquecidas pelo Estado em suas necessidades mais básicas. São esquecidas na origem e, depois, esquecidas nas prisões.
Nesse limbo do esquecimento, leis distorcidas e autoridades preferem ignorar que junto ao encarcerado estão também presos seus familiares. Não existem lenços de seda que enxuguem o rosto de uma mãe que criou o filho como pode diante de indescritíveis dificuldades e como prêmio teve de assistir sua caminhada pelas sendas do crime.

Como se não bastasse, ela vê que ele agora, condenado, transformou-se num espectro perdido nessa espécie de purgatório prisional onde ela experimenta semanalmente a descida ao “Inferno de Dante” para constatar o que sobrou do que antigamente ela chamava de filho.

“Prisão perpétua para ele!”, “pena de morte para esse monstro!…”, mas e se fosse seu filho, mãe, pai ou irmão? A justiça só pode ser feita quando nos colocamos no lugar de cada uma das figuras envolvidas no drama dos acontecimentos criminais.

E acompanhando toda essa odisseia estamos nós, os advogados criminalistas.

Nosso nobilíssimo trabalho consiste em lutar para que o réu tenha garantido o direito a uma pena justa, sem os excessos que as emoções trazem. Compreendemos e nos compadecemos com o sofrimento das vítimas, mas somos os únicos a olhar para o outro lado para ver através do suposto criminoso a humanidade de quem erra.

Mais que isso até: compreendemos o incompreensível para o senso comum ao olharmos com isenção para a tenebrosa história de vida que o réu experimentou. Com parcimônia ligamos os pontos dessa trajetória à transformação que esse ser humano passou ao longo do tempo, até chegar à escolha nefasta que decretou seu encarceramento. Sem julgamentos. Sem moralismo.

E a luta não para por aí.

Pelos corredores dos fóruns espalhados por esse gigantesco país, sofremos desrespeito e preconceito até mesmo por outros profissionais da justiça. É oportuno fazer a ressalva de que em sua maioria entendem o papel do advogado – talvez porque no passado tenham estado desse lado do balcão. Não obstante, muitos ainda tratam o criminalista como um profissional de segunda categoria e que não merece respeito, assim como seu cliente.

Existem juízes que se apoiam na legalidade, assim como os que se apoiam em seus preconceitos e estreiteza de visão humanística. Existem promotores públicos e “acusadores públicos”. Existem delegados de polícia cientes do seu dever junto à sociedade e outros que usam do cargo para “chutar cachorro morto”, fazendo de tudo para piorar a situação do indiciado, obstruindo o trabalho do advogado legitimamente constituído.

Apesar disso tudo, caminhamos de cabeça erguida. Nós, advogados criminalistas, conhecemos esse tal de “medo” só de ouvir falar.

O genial Francesco Carnelutti dizia:

A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado.

Pois bem meus caríssimos colegas, diante de todos os preconceitos, agressões, injustiças e excessos cometidos pelos que estão à nossa volta, continuamos ombro a ombro todos juntos nesse tal último degrau. Tudo bem pra mim.

Não há qualquer outro lugar no mundo onde eu queira estar além desse.



quinta-feira, outubro 17

A propósito dos júris simulados do CAFV - Faculdade de Direito da UFPel

Imagem disponível na timeline do
Munir Saleh

O Centro Acadêmico Ferreira Viana da Faculdade de Direito da UFPel promoveu, hoje, no Plenário do Tribunal do Júri do Foro da Comarca de Pelotas,  duas sessões simuladas  de julgamentos, organizadas totalmente pelos alunos, com a participação de discentes do primeiro ao sexto ano da faculdade.

Imagem disponível na timeline do
Munir Saleh
Os professores de Direito Penal e Processo Penal foram demandados pelos organizadores, através do acadêmico Munir Saleh, a auxiliarem os alunos, ministrando - em dias previamente agendados - aulas específicas sobre o procedimento do júri, destinadas, também,  à orientação  dos discentes para suas atuações na acusação e na defesa, a fim de que pudessem protagonizar adequada e exitosamente nos júris simulados.


Felipe

Na semana passada, no dia 09/10, me reuni com apenas um aluno – o Felipe Farias – interessado em discutir comigo as teses defensivas a serem utilizadas  no julgamento da manhã desta quinta-feira. E assim fizemos.
Leonardo

Ontem, dia 16, à noite, o Leonardo Lamas me chamou pelo Whats pedindo que discutisse com ele, no vai-e- vem das mensagens, as teses defensivas do júri da tarde. Igualmente, dialogamos.

Hoje, às  12h58, o Felipe me enviava, via Messenger, a notícia de que havia tido êxito na defesa, e que o Réu lograra absolvição!

Agora a pouco, o Leonardo também me avisa, pelo Whats que o réu, da sessão da tarde, também restara absolvido!

Como muitas vezes disse a eles, em júri não há vitoriosos. Não se ganha júri. Não é uma disputa. A sessão plenária serve para fazer justiça! Portanto, se as teses de defesa foram acolhidas pelos jurados é porque a retórica defesa, pronunciada pelos advogados, foi exitosa para demonstrar a inocência dos acusados!

Parabéns Felipe e Leonardo! 

Parabéns aos demais defensores – que não tive o prazer de contatar. 

Vocês estão de parabéns e a professora muito orgulhosa de vocês!!!

Villas Bôas volta a intimidar STF antes de sessão sobre 2ª instância (a propósito dos ADCs 43, 44 e 54)







Essa é a segunda vez que general se manifesta em tom ameaçador antes de um julgamento do Supremo Tribunal Federal

O ex-comandante do Exército Brasileiro e atual assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional Eduardo Villas Bôas escreveu mensagem que pode ser facilmente interpretada como intimidação ao Supremo Tribunal Federal.

Na véspera em que a Corte julga os ADCs 43, 44 e 54 que questionam a execução de pena após condenação em segunda instância, o militar da reserva afirmou que “é preciso manter a energia que nos move em direção à paz social, sob pena de que o povo brasileiro venha a cair outra vez no desalento e na eventual convulsão social”.

Não é a primeira vez que o militar se manifesta às vésperas de um julgamento do Supremo. Em 2018, quando os ministros julgaram pedido de Habeas Corpus do ex-presidente Lula, ele também se manifestou em tom ameaçador.

Meses depois deu a entender em entrevista a Folha de S.Paulo que pretendia “intervir” caso o Supremo concedesse Habeas Corpus ao ex-presidente Lula, em abril deste ano. "Temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar", disse. "É melhor prevenir do que remediar", resumiu.

Nesta quarta-feira (16/10), o presidente Jair Bolsonaro fez uma visita à casa do general, que recebeu alta hospitalar no último sábado (12). O militar apresentou melhora no quadro respiratório que provocou sua internação.

Villas Bôas sofre de uma doença neuromotora degenerativa e havia sido internado no último dia 2 de outubro no Hospital das Forças Armadas (HFA) e transferido no dia 6 para a unidade do Hospital Sírio Libanês de Brasília.

Em maio deste ano, Villas Bôas foi protagonista de uma crise no governo Bolsonaro. O ex-comandante do Exército foi chamado de “doente preso a cadeira de rodas” pelo autoproclamado filósofo e guru do governo, Olavo de Carvalho.

O ataque ao militar gerou comoção pública e uma onda de solidariedade de lideranças de diversos matizes políticos.


Fonte: Conjur

Hoje é dia do julgamento das ADC 43, 44, 54! O STF fará a coisa certa?




Eis a questão. Qual será a resposta do Supremo Tribunal às três ADC’s que buscam a declaração da constitucionalidade do artigo 283 do CPP?

Para refrescar a memória, vejamos a discussão:
Constituição da República

Código de Processo Penal

Artigo 5º

LVII — Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

LXI — Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Artigo 283

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
No quadro acima, vê-se que o artigo da Constituição é o mesmo desde 1988. Já o artigo do CPP é produto de alteração feita pelo legislador em 2011, quando adaptou o texto legal à nova posição do STF acerca da prisão antecipada.

Portanto, não parece haver espaço para dizer que a regra é inconstitucional. Sim, porque, para não aplicar a clareza do artigo 283, só se se lhe declarar a inconstitucionalidade. Mas seria inconstitucional em relação a quê? Eis a questão.

Com efeito, até agora persistiu escassa maioria no STF simplesmente dizendo que o artigo 283 não impede o início da execução da pena tão logo esgotadas as instâncias ordinárias. Mas para dizer isso deveria inquinar de inconstitucional a norma positiva. Mesmo que, ad argumentandum tantum, pudéssemos aceitar que uma Interpretação Conforme a Constituição fosse possível em sede de ADC (o STF até então não havia cogitado disso), o STF teria que dizer, na especificidade, que o artigo 283 fere a Constituição em algum aspecto.

Mas em qual aspecto o artigo 283 não impede o início da execução provisória? É isso que o STF não disse. E por uma razão simples: é impossível fatiar os sentidos do artigo 283. Ou ele permite execução de pena antes do trânsito em julgado (já, portanto, a partir do segundo grau) ou não permite. 

Tertius non datur.

Resta saber se o STF fará a coisa certa. E fazer a coisa certa é decidir conforme o direito e não conforme os desejos morais da mídia ou de uma opinião pública da qual não se sabe bem o que quer. Aliás, se valesse a opinião pública, a Constituição seria desnecessária. E se valesse a opinião pública, como ela seria aferida? Por IBOPE? Data Folha?

Por que existem tribunais constitucionais mundo afora? Para que possam se colocar, de forma contramajoritária, em desacordo com o canto das sereias.

Salvemos a Constituição fazendo a coisa certa. Fazer a coisa certa não é fazer dilema ético-moral, como no caso de alguém ter de decidir entre matar uma pessoa e salvar dez. Se você acha que pode salvar dez matando um, então vamos pegar você mesmo e, retirando seus órgãos, salvar várias pessoas “mais importantes até que você”. Não seria um bom negócio? Ah, você acha que isso “não é a coisa certa”? Também acho que não.

Com o Direito não se resolve dilemas ou pegadinhas morais. Um direito é um direito. Como faz o médico em House of Cards. O presidente dos EUA é o segundo da fila de transplantes. E o médico não permite que se fure a fila. E diz: It´s the law. Isso é fazer a coisa certa. E sabem por quê? Porque o que vale é decidir por princípio e não por moral ou política ou voz das ruas ou voz da mídia. E qual é o princípio? “Uma vida é igual a uma vida”. Por isso, o direito à presunção da inocência é igual ao direito à presunção. Porque é um princípio. Simples assim. Eis a coisa certa a fazer. Sem dilemas ou ameaças da mídia ou discursos de ódio advindos das redes sociais.

Tribunais não existem para disputar popularidade. Como cidadão, e qualquer um pode pensar assim, pode parecer melhor que se prenda logo após a condenação já em primeiro grau. Ou em segundo.
Mas como jurista, como Corte Constitucional, só se pode fazer o que diz a Constituição! ADC é ação sem cliente. Não tem rosto. A identidade de uma ação constitucional é o texto que se busca esclarecer. E o que se quer nas ADCs 43, 44 e 54 é apenas que se declare o que lá está. Se isso é ruim, se isso desagrada a muita gente, não deve importar.

A Constituição é justamente um remédio contra descontentamentos.

Cartas na mesa, então: ou bem a Corte decide por princípio e veda a prisão em segunda instância – afirmando a clareza do CPP e da CF - ou a Corte faz política e autoriza a prisão. Só tem de assumir qual a autoridade impera no direito brasileiro: se é a dos julgadores ou se é a do Direito.

Fonte: CONJUR

Encarceramento feminino: mulheres nas so(m)bras



No Brasil, a população de mulheres presas segue crescendo em torno de 10,7% ao mês. Segundo o Infopen, as brasileiras compõem a quarta maior população feminina encarcerada do mundo com aproximadamente 40 mil mulheres brasileiras vivendo hoje atrás das grades.

Imagem meramente ilustrativa
Disponível na Web
Os dados atualizados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam, portanto, um aumento de 680% da população carcerária feminina brasileira em 16 anos.

Apesar do novo crescimento, o relatório mostra que a maior parte dos estabelecimentos penais foi projetado para o público masculino. Somente 7% das unidades prisionais no país são destinadas às mulheres.

A maioria das mulheres encarceradas são mães e estão longe dos seus filhos e lares. São provedoras de seus lares e possuem dependentes. Em geral, as mulheres submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são as responsáveis pelo sustento familiar, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento.

Conforme a pesquisa, em torno de 68% dessas mulheres possui vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas não relacionado às maiores redes de organizações criminosas. A maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, com mais da metade delas por envolvimento com o comércio e transporte de drogas, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico.

As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades que são específicas, o que não raro é agravado por histórico de violência familiar, maternidade, nacionalidade,  perda financeira, uso de drogas, entre outros fatores. A forma e os vínculos com que as mulheres estabelecem suas relações familiares, assim como o próprio envolvimento com o crime, apresentam-se, em geral, de maneira diferenciada quando comparado este quadro com a realidade dos homens privados de liberdade.

Historicamente, a ótica masculina tem se potencializado no contexto prisional, com reprodução de serviços penais direcionados para homens, deixando em segundo plano as diversidades que compõem o universo das mulheres. Ainda há uma deficiência grande de dados e indicadores sobre o perfil de mulheres em privação de liberdade nos bancos de dados oficiais dos governos, o que contribui para a invisibilidade das necessidades dessas pessoas.

Encarceramento feminino

Assim, a ausência de políticas sociais voltadas para a recomposição dos laços afetivos e de incentivo ao trabalho e emprego situa as mulheres apenadas em uma condição de extrema fragilidade. Diante disso, o sofrimento da prisão não se limita apenas ao período do encarceramento, mas se estende ao longo da vida dessas mulheres, deixando marcas profundas em suas histórias de vida.

Por fim, cabe ressaltar que o sistema de justiça penal brasileiro, de fato, não está totalmente preparado para lidar com as questões femininas nos atuais presídios brasileiros. De outro lado, as mulheres, precisam ser atendidas com políticas prisionais e de reintegração sociais mais efetivas, condição imprescindível para que possa realmente produzir algum efeito positivo na vida das encarceradas.


terça-feira, outubro 15

Direito Penal Econômico - Saber Direito Responde


Para relembrar a experiência de haver participado do Programa Saber Direito - TV Justiça


 

Pensou em ser Advogado (a) Criminalista? Não seja!




[…] O sonho é seu e vai além do que você faz,
Pois te faz ser o que você é.
Por isso, mais do que ter,
É preciso ser esse sonho,
Para se tornar seja lá o que você quiser […]
 Allan Dias Castro

Chega uma hora em que a gente diz: é isso. Nessa hora não importa mais o que os outros pensam e nenhum julgamento tem mais espaço para nos fazer mudar a decisão (inclusive nossos próprios julgamentos). Pois é, está decidido. Não damos mais ouvidos aos entendidos de plantão e não nos ofende a fala contrária. Não importa o que a tia pensa, a vulgarização do trabalho “no crime” ou a opinião pública.

imagem ilustrativa
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Tá aí! Não há espaço para a opinião pública, não como talvez um dia houve. Nossa “inocência social” corrompida pela realidade, se ela ao menos existiu, grita por ação. A realidade pulsa. Algo que corre em nosso sangue fala mais alto e haja percepção para compreender a profundidade de trabalhar com as mazelas humanas, conviver todos os dias com a dor, com a tragédia, viver em tensão.

 Da história que nos é contada entre o bem e o mal (no sentido sensacionalista da colocação de certo e errado) não são narradas suas entrelinhas, que de ocultas não têm nada, pois estão na linha de frente para todos vermos. Elas saltam aos olhos, machucam a alma de quem sente.

A opinião pública que existe não nos representa. Ela compatibiliza com o que pensa parte da sociedade, normalmente a parte que pouco se importa e que não vê muito além do próprio umbigo. Intolerante, egoísta, que quer o bem para os seus e quanto aos outros, bem, os outros pouco interessa, desde que não incomodem.

Tá decidido, é isso! É nossa decisão não ser a voz omissa diante do grito ensurdecedor, diante da limpeza social feita por meio do Direito Penal e da segregação daqueles que não queremos por perto. Somos linha de frente diante da máquina estatal, somos o escudo do débil. Eu sou parte do sistema judiciário e aqui há força.

Tomada a bendita decisão (há quem diga que é o mais difícil de se fazer), nos deparamos com uma singela ironia da vida: já éramos Criminalistas antes mesmo de decidirmos ser. O veredito de “ser algo” serve apenas para formalizar o que há muito já estava dentro de nós. Com o passar dos dias e das experiências, percebemos que já éramos aquilo que queríamos ser, estamos apenas nos descobrindo, lapidando, tornando o que realmente somos. E, acredite, somos grandes.

Essa descoberta vira sua vida de pernas pro ar, não somos o que acreditávamos ser, nem de longe. Somos maiores. Maiores o suficiente para passar por cima de opiniões tolas e preconceitos alheios com firmeza. Aprender com esse processo é incrivelmente apaixonante: tudo passa a fazer sentido.

O pulso que pulsa, a perna que treme, o desejo de fazer da técnica justiça. A advocacia criminal não tem outra forma de ser. Ela vem de gente, trata com gente, fala sobre vidas, revela histórias, é mutável, nos faz aprendiz da arte que trabalha com as dores do mundo. É desesperadamente HUMANA.

A advocacia nos socorre e nos permite socorrer. Permite representar o menor dos menores, o débil mais infeliz, de igual para igual (pelo menos lutamos para que assim seja) com o Estado que vinga. O mesmo Estado que deveria resguardar, mas seguindo o canto da sereia, mata e tortura.

O que nos move? É isso? Então é.

Enfrentadas as batalhas, apesar do ego estufar alguns peitos, aqui se fala do que soa e ecoa. Quando o criminalista se satisfaz com um ato de justiça alcançado não há vitória pessoal, é a sociedade que vence, pois em pequenos atos de trabalho deste, onde se obtém sucesso, é a justiça que se reproduz nos seus aspectos mais genuínos.

O amor pela advocacia criminal dói e nos faz bem. É absurdamente contraditório, sim. É uma rota de dores que ao mesmo tempo é combustível. Já dizia GANDHI, que somente no sofrimento é possível conhecer a verdadeira compreensão interior. Quanto mais conhecemos a dor do outro mais nos conhecemos, mais sabemos quem somos.

Descobrir-se criminalista é descobrir o outro em si mesmo. É entender que a dor do próximo também é sua. Apesar das dificuldades, não há que se falar em fardo quando se trabalha com amor e nada é pesado o suficiente para nos fazer desistir do que acreditamos.

O que faz seu coração bater?

Apaixonar-se intensamente (e insanamente) pelo que se faz é requisito necessário para atuar com maestria. Na advocacia criminal não há espaços para pouco amor, pouca dedicação ou pouco interesse. Aqui, o brilho no olhar é fundamental.

Então, bem longe das palmas, em meio ao mar de perdas, decidimos e reconhecemos a necessidade da advocacia para afastar modelos obsoletos de justiça. Optamos ser linha de frente no cotidiano de arbitrariedades e de violações de prerrogativas. Escolhemos ser a voz que, indiferente aos preconceitos, defende sem ver a cor da pele, a opção sexual, a situação financeira. Defende porque defende.

É isso. Não nos importamos com a ausência de aprovação, o que importa é ser o melhor escudo na linha de frente. Seja para defender a condenação dentro do que, como sistema e Estado, estipulamos em regras para viver em sociedade ou para defender a absolvição quando a ponta da flecha mira o alvo.

Eu quero ser advogado(a) Criminalista. Eu sou advogado(a) Criminalista.

Quando decidimos, meu amigo, com nossas inquietações seguimos porque nos descobrimos anjos e demônios, culpados e inocentes, estupidamente miseráveis amáveis.

Há quem trabalhe com as duas mãos livres e quem trabalhe com dificuldades para segurar as máscaras. No meu trabalho a esperança não faz parte da luta. A luta faz parte da luta. Não lutamos por ter esperança no final feliz (e há tempos a advocacia criminal não sabe o que são finais felizes), nós lutamos porque nascemos para lutar, nós lutamos porque lutamos. E caso você não tenha entendido a nobreza de tudo isso, vá para o outro lado, faça qualquer coisa, mas não seja advogado criminalista.

Fonte: Canal Ciências Criminais

STF nega recurso que pedia revisão da pena de Elize Matsunaga

A Segunda Turma do STF decidiu rejeitar recurso apresentado pela defesa de Elize Matsunaga. O colegiado, em julgamento virtual, confirmou a decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, que havia negado pedido para que fosse rediscutida a dosimetria da pena.

Elize foi inicialmente condenada a 18 anos e 9 meses de reclusão em regime inicial fechado pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver do marido, Marcos Kitano Matsunaga, em 2012. A sentença foi confirmada pelo TJ/SP, mas reduzida no STJ para 16 anos e 3 meses de reclusão, em virtude da incidência da atenuante da confissão espontânea.

STF nega recurso

No recurso ao STF, a defesa de Elize sustentou que a atenuante deveria preponderar sobre a agravante de o crime ter sido praticado contra cônjuge (artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal). Ou seja, no entendimento da defesa, a aplicação da agravante deveria ser afastada na segunda fase da dosimetria ou compensada, nos termos do artigo 67 do Código Penal.

Na monocrática em que negou provimento ao RHC 174659, o ministro Lewandowaki aplicou ao caso a jurisprudência do STF de que a dosimetria da pena e os critérios subjetivos considerados pelas instâncias inferiores para sua realização não são passíveis de aferição por meio de habeas corpus, por se tratar de questão relativa ao mérito da ação penal e estar necessariamente vinculada ao conjunto de fatos e provas.

Para outros detalhes, consultar RHC 174659.


Abaixo, outras postagens sobre o crime, para os que não lembram do fato.










https://profeanaclaudialucas.blogspot.com/2013/01/tribunal-do-juri-defere-pedido-de.html

quinta-feira, outubro 10

Rumo aos 3.000.000 de acessos


No momento em que lançamos o desafio de alcançar a meta dos três milhões de acessos, reconheço a necessidade de continuar o empenho para tornar  o blog – mesmo neste momento em que muitas (e outras) ocupações tomam meu tempo – interessante, atualizado, ‘ligado nos acontecimentos jurídicos, penais e processuais penais”, contribuindo para a formação e a informação de muitas pessoas.

Mesmo quando esmoreço na mantença do Blog eu recebo uma injeção de ânimo para prosseguir. Nessa semana, no dia 08/10 havia registro de 2.695.000 (dois milhões seiscentos e noventa e cinco mil acessos ao profeanaclaudialucas;  hoje, 10/10, às 07h da manha, as estatísticas indicavam 2.695.700. Em menos de  48 horas, 700 pessoas visitaram o Blog.

Muito obrigada aos leitores, de ontem, de hoje e aos do devenir.

Obrigada aos colaboradores do Blog, do tempo presente e do passado. 

E RUMO AOS TRÊS MILHÕES DE ACESSOS!

 
DIA 08/10 - 2.695.000



DIA 10/10 - 2.695.700


quarta-feira, outubro 9

Novas legislações impactam na Lei Maria da Penha



Sancionadas duas novas leis que alteram a Lei Maria da Penha.

A primeira delas, Lei 13.880/19, determina verificação sobre a presença de posse ou porte de arma de fogo pelo agressor  - juntando-se aos autos essa informação , e notificando a instituição responsável pelo registrou ou emissão do porte – além de autorizar a apreensão imediata da arma de fogo que estiver em posse do agente agressor.

A segunda, Lei 13.882/19, garante matrícula aos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio. Nesse caso, a vítima deverá apresentar  documentos que revelem estar envolvida em situação de violência (boletim de ocorrência policial ou certidão de tramitação processual), para lograr o benefício.

Na mesma normativa, também está assegurado o sigilo dos dados da vítima e de seus dependentes, matriculados em ou transferidos de escola. Apenas os membros do Ministério Público,  do Judiciário e de outros órgãos competentes poderão ter acesso às informações.

Leia a íntegra das legislações clicando na lateral direita da área de postagem, no setor Legislação.

terça-feira, outubro 8

Estado é condenado a pagar indenização a presos do Central por más condições e superlotação


Em 2019, há pelo menos 17 processos em que detentos ganharam ações


Presídio abriga 4 mil pessoas, mas tem capacidade para 1,8 mil
Os problemas do Presídio Central como a superlotação, ausência de celas, esgoto a céu aberto e domínio de facções criminosas estão fazendo com que o Estado seja condenado pela Justiça a indenizar presos que passaram pelo local. A Cadeia Pública, como passou a ser chamada em janeiro de 2017, tem capacidade para 1,8 mil presos, mas abriga mais de 4 mil pessoas, conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários.

Somente em 2019, GaúchaZH verificou pelo menos 17 processos em que presos ganharam indenização em 2º grau — ou seja, pronta para execução caso não haja recurso nos tribunais superiores. Esses processos são os que foram apreciados pela 9ª Câmara Cível, que inclusive definiu padrão de R$ 500 para cada ano de prisão. Sem considerar as correções monetárias, o saldo que o Estado deve pagar chega a R$ 25 mil somente neste ano.

A soma pode ser maior, pois ações do tipo estão sendo julgadas há pelo menos três anos. Desde 2017, ao menos 386 decisões de 2º grau — nem todas favoráveis — foram publicadas pelo Tribunal de Justiça (TJ), além de outras que ainda estão tramitando em 1º grau. Responsável pela maioria dos processos que pedem a indenização dos presos, o advogado Rodrigo Rollemberg Cabral estima que tenha entrado com cerca de 400 ações, mas afirma possuir a procuração de quase mil presos para ingressar com ações semelhantes. 

— Como é processo eletrônico e em massa, faço a inicial. Manda citar o Estado, que já tem a contestação pronta. Ele junta no mesmo dia, fazemos a réplica no dia seguinte. Então, a sentença está demorando uns três, quatro meses. Vai apelação, eles já têm o modelo de quem dá e quem nega. Só muda o nome e vê quanto tempo ficou — explica o advogado.

Nas decisões da 9ª Câmara, em geral, os desembargadores citam os problemas conhecidos do Presídio Central, como a superlotação e a estrutura precária. A Lei de Execuções Penais, que define algumas regras para a manutenção dos presos não é cumprida, o que segundo os magistrados não garante a reinserção do preso na sociedade.

"É dever do ente público oferecer condições mínimas aos detentos, não apenas por ser este um direito básico do ser humano, mas também em razão de que estas pessoas, hoje encarceradas, serão devolvidas à sociedade quando cumpridas suas penas. Obviamente, se sobreviverem ao 'inferno' a que estão sendo submetidas, em condições físicas e psíquicas muito piores das que possuíam quando lá ingressaram. É evidente que nas condições hoje vividas no Presídio Central não há falar em reabilitação", citou o desembargador Eduardo Kramer em processo no qual foi relator.

Divergência no TJ

Outras três câmaras do TJ possuem uma interpretação diferente a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto para a 9ª Câmara o simples fato de estar preso já configura dano, o entendimento das demais é de que o dano precisa ser comprovado. 

A 10ª Câmara, responsável pela maior parte dos recursos, entende que a prisão por si só não configura dano moral. Além disso, os membros dessa câmara ainda afirmam que os problemas no Presídio Central são de conhecimento de todos, o que deveria reprimir a ação criminosa:

"Igualmente, não vejo demasia mencionar que o requerente encontra-se em um ambiente de risco por atuação própria em decorrência de punição a ilícito penal que cometeu, e como as condições precárias das unidades prisionais são de conhecimento comum, deveria ter considerado tal circunstância no momento da prática do delito, de forma a reprimir sua própria conduta", cita o relator de um dos processos em que negou a indenização.

Já a 9ª Câmara assume que as más condições configuram o dano e dever de indenizar. Em suas decisões, ainda coloca uma possibilidade, indicando que o valor de indenização pode ser retido, a pedido do Estado, a fim de compensar as despesas da manutenção do detento no presídio ou para ressarcir vítimas deles. 

Sobre esse recurso para indenizar vítimas e até mesmo o Estado pela manutenção do preso no sistema, o advogado afirma que ele deveria ser obtido por meio do trabalho na prisão, o que não ocorre, justamente por falta de estrutura. 

— A Lei de Execuções Penais diz que uma parte do dinheiro do trabalho do preso fica com o Estado para a manutenção dele. Mas, como o Estado não fornece trabalho prisional, acaba não ressarcindo a despesa do preso. Se funcionasse de modo perfeito, além de ressocializar o preso, ainda teria recurso — afirmou.

Entenda a reportagem em cinco pontos

*Presos estão ganhando na Justiça o direito de serem indenizados pelas más condições do Presídio Central, em Porto Alegre.
*Com a maior população carcerária do RS, o Central tem 1,8 mil vagas, mas abriga mais de quatro mil presos em suas galerias. Além disso, tem problemas estruturais como na rede de esgoto.
*Desde 2017, um advogado começou a protocolar ações contra o Estado. Ele estima mais de 400 processos. Somente neste ano, pelo menos 17 foram concluídos no segundo grau com ganho de causa ao detento, somando R$ 25 mil.
*Responsável pelas decisões favoráveis, a 9ª Câmara Cível definiu um padrão de indenização: R$ 500 por ano de prisão.
*O Estado diz que está recorrendo das decisões no Supremo Tribunal Federal. O pagamento é realizado por meio de precatório ou requisição de pequeno valor.

Contraponto

O que diz a PGE

Em relação ao ponto questionado, envolvendo as ações de apenados que ajuizaram demandas contra o Estado pleiteando danos morais em decorrência das condições da Cadeia Pública de Porto Alegre, é importante frisar que esses processos não estão finalizados.

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) atua de forma individualizada em cada uma das ações que tratam desse tema, sendo que diversos desses processos foram extintos pela Justiça por falta de requisitos procedimentais.

A PGE/RS recorreu ao Supremo Tribunal Federal em alguns casos em que houve decisão desfavorável ao Estado, pois o STF tem jurisprudência fixada de que a responsabilidade de indenizar por danos morais presos depende de prova do dano, não podendo ser presumido.

Com a decisão do STF, as ações deverão ser analisadas individualmente pela Justiça gaúcha para verificar se os danos alegados estão comprovados.

Nos casos de condenação do Estado a indenizar, o pagamento é sempre feito por meio de precatório ou requisição de pequeno valor (pago em até 60 dias quando o valor é de até 10 salários mínimos).



A legítima defesa no pacote anticrime: uma ferramenta de estigmatização



Por Gustavo Perera (*)


Imagem Ilustrativa - Disponível na Web
Como proteção a todo e qualquer cidadão brasileiro, surge o instituto da legítima defesa. Frisa-se “todo e qualquer cidadão brasileiro”, pois será necessário lembrar ao longo desta leitura. Positivada no artigo 25 do Código Penal, tem-se como legítima defesa o seguinte:

Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

De início, imprescindível destacar alguns elementos presentes no texto: uso moderado do meio, injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Assim, tem-se que o indivíduo, no momento que sofre ou está prestes a sofrer injustificada provocação, não pode respondê-la de forma desproporcional. Ainda, vale dizer que essa ação pode ser em proteção a outra pessoa, e não somente ao indivíduo que age em legítima defesa.

Visto isso, entramos no mérito da legítima defesa no pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. O ministro propõe, por meio do pacote, um parágrafo único com duas novas hipóteses que deverão ser consideradas como legítima defesa:

Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:

I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem;

II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Em um primeiro momento, tais situações parecem compatíveis com o entendimento da legítima defesa. E são. Talvez seja exatamente esta a problemática trazida no presente texto. Moro acrescenta duas hipóteses que, mesmo antes do pacote, já seriam consideradas legítima defesa. Veja que ambas situações se tratam de um perigo atual ou iminente, injusto e a direito seu (inciso I) ou de outem (inciso II).
  
Em tempo, lembram do que foi destacado no primeiro parágrafo deste texto? “Todo e qualquer cidadão”? Pois bem. Ao examinar as alterações trazidas, é possível verificar que os referidos casos são direcionados a uma classe, um grupo, qual seja, agentes policiais e de segurança pública. No entanto, esta especificação não se sustenta, uma vez que a legítima defesa é um direito de todo e qualquer cidadão brasileiro.

É como se no artigo 5° de nossa Constituição Federal, o qual prevê os direitos fundamentais de todos cidadãos, tivesse a seguinte observação ao final: “os direitos acima delineados são válidos também para os agentes policiais e de segurança pública”. Não há motivo para especificar um direito que é de todos.

Dessarte, tem-se que as alterações vistas até então são, no mínimo, desnecessárias. Entretanto, existem alguns aspectos que podem ser entendidos como nocivos para nosso ordenamento jurídico. 

Isso porque no texto trazido pelo pacote é possível notar que se repetem alguns elementos do caput do artigo, como, por exemplo, a atualidade ou iminência, injusta agressão e a direito seu ou de outrem.

Contudo, há um elemento que não se repete: usando modernamente dos meios necessários. Em um resquício de ingenuidade, não é perceptível a nocividade disso, porém é justamente a ausência desse elemento que nos leva à possibilidade do excesso de legítima defesa, outra alteração trazida pelo ministro Sergio Moro.

“O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção” é o que prevê o pacote em relação ao excesso escusável na legítima defesa. O que se critica é a abrangência desse texto. Quem medirá o medo, a surpresa ou a violenta emoção? Quem delimitará o excesso? O que é violenta emoção?

Ou, ainda, em um país com um sistema comprovadamente racista e elitista, onde jovens negros são diariamente “confundidos”, esta abrangência do texto não seria arriscada? Guarda-chuva confundido com fuzil, celular confundido com revólver, o músico que levou 80 tiros em frente a sua família por ser confundido com um bandido e, agora, a pequena Ágatha. São sempre as mesmas vítimas dessa confusão. São sempre os mesmos que “encontram” as balas perdidas.

Assim, uma mera abrangência de um texto legal pode trazer consequências inestimáveis para a sociedade. São muitas dúvidas que um pacote anticrime – sequer posto em prática – nos traz, devendo ser analisado com muito mais cautela do que parece.


(*) Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Católica de Pelotas. Trabalho nessa linha será apresentado no 10º Congresso Internacional de Ciências Criminais da PUC-RS, orientado pela Professora Maria Ghiggi (docente nos cursos de Direito e Tecnologia em Segurança Pública da UCPel).

segunda-feira, outubro 7

Lei do abuso de autoridade: alguém está ferindo o ego dos “Deuses”





Lá vou eu, do alto dos meus 35 anos de advocacia, para mais uma audiência. Sento-me no local destinado aos reles mortais. Ao centro vejo o juiz, ao lado, o promotor. “Deus” e seu “filho”. Junto aos mortais, réus e equiparados, os defensores dos bandidos, aqui estou eu.

Imagem ilustrativa
Disponível na Web
Olho para o Juiz que me devolve o olhar desdém, com a expressão que diz “quem mandou não estudar doutora. Vai morrer trabalhando!”, e penso: “Vou mesmo excelência, mas por amor!” (Sem auxílio moradia nem auxílio saúde ou gorda aposentadoria).

Escolhi advogar porque achei que era o lugar mais correto para quem pretendia buscar e lutar pela justiça, por um ideal, sem qualquer comodidade ou facilitação.

Olho para o Promotor (que mal consigo ver por trás do notebook) estrategicamente instalado para impedir contato. “Deus” e “filho” trocam olhares. Lá vamos nós!

Pergunto-me: Será que hoje estão de bom humor? Devo perguntar aos policiais sobre a invasão de domicílio? Devo perguntar sobre as testemunhas do povo que possam confirmar a legalidade da prisão? Será que irão compreender onde pretendo chegar?

Deixe-me pensar… Como eu vou conseguir provar que eles (policiais) invadiram invasões? Não se podem chamar as taperas de casas ou de domicílios. Concluo, não há que se falar em invasões de invasões.

Então devo chama-las de casas, domicílios ou lares?  Logo percebo que estas se encontram apenas nas áreas nobres de nossa provinciana capital.

Se eu perguntar e insistir, dirá o juiz que estou induzindo, irá este indeferir ou, quem sabe, pronunciará o Ministério Público um sonoro “pela ordem excelência”?

Enquanto encontro-me em meus pensamentos, o nobre promotor lança a costumeira pergunta:
– Então o senhor esta querendo dizer que o policial esta mentindo?

Logo penso: Querendo não doutor! Ele está dizendo por que o policial está realmente mentindo! Considero ser melhor não dizer nada (sou a pequenina sentada no lugar dos reles mortais), porém, não consigo me conter! Atrevo-me a olhar fixamente aos algozes, aos donos da verdade, e advirto que eles não sabem como as coisas acontecem no mundo real, um mundo que eles desconhecem. O promotor continua:

– O senhor pegou o réu na rua e ele autorizou o senhor a entrar na casa dele?

Ah! Agora ficou fácil. Vou mostrar as fotos. Está tudo quebrado. Mas, o promotor, nem olha. No fundo, este deve pensar que eu que mandei quebrar e desarrumar as casas, afinal, sou defensora dos direitos humanos de bandidos. Então o promotor insiste:

– Tem testemunhas que seu cliente esta falando a verdade doutora?
Chegou a minha vez! Respondo:
– Tenho sim doutor, vamos ouvir?
Excelentíssimo Senhor Doutor “Deus” pergunta à testemunha:
– O senhor viu a prisão do réu?
– Vi sim doutor.
– O senhor o viu apanhar?
 – Vi sim doutor.
– O senhor viu se ele tinha droga?
– Vi que não tinha não doutor.
– Não tinha? Então o policial esta querendo prejudicar o réu por quê? E o senhor usa drogas? E o senhor trabalha? E o senhor fazia o que naquele lugar aquela hora? Vou lhe advertir do falso testemunho, se continuar FALANDO A VERDADE vou mandar lhe prender!
Talvez, só a defesa falte com a verdade. Lesões, sacos plásticos, afogamentos e sufocamentos, isso não existe.
– E porque não foram na corregedoria?
– Quem é louco de denunciar doutor?

Lei do abuso de autoridade

Tocamos no assunto abuso de autoridade, e agora? Chegamos onde ninguém acreditava. Alguém que não acredita em abuso de autoridade, precisando se conter por medo de ser processado por abuso de autoridade.

Quem vai aguentar a cara “feia” e o mau humor? O que acontecerá com os juízes que decretam prisões pela aparência do preso na audiência de custódia? E se o juiz não notar as lesões?

E se eu resolver processar os policiais por abuso? Agora vou ter que me cuidar! Corro o risco de o réu ser ouvido e dos policiais ficarem bravos porque os induzi a serem honestos.

E quem provará a existência do abuso? Os ricos provarão (eles tem câmeras) enquanto os pobres, os que moram em invasão, terão as casas invadidas.

A verdade do preso sempre será a mentira para quem não quer acreditar. E a mentira do acusador sempre será a verdade para quem se acostumou a ignorar a realidade sobre os fatos.

Abuso de autoridade? Não. O Ego está sendo ferido. A mesa terá que ser disposta de outra forma. Não mais o Pai ao centro e o filho ao seu lado. Não será mais o Pai, será alguém igual à direita e a esquerda.

O julgador deve se questionar: “O que acontecerá se eu não soltar”? Até agora o advogado ia ao Tribunal (que sequer lia o que ele escrevia), fazia uma sustentação oral (que ninguém prestava atenção, até receita de pamonha já foi inserido).

O que é abuso? Abuso é ter que descer do pedestal. Abuso é tudo aquilo que extrapola a lei e o justo. Ficou complicado agora! Todos terão que decidir de acordo com a lei e a justiça, e não mais de acordo com o convencimento do humor (bom ou mau) do dia. Ou ainda, da proximidade com o agente ministerial ou da antipatia com o defensor. Vão ter que acreditar quando acusados disserem que policiais invadem, agridem, implantam e matam.

Ah! Este abuso de autoridade que vai tirar o sono de muitos. Principalmente daqueles que se movimentam para derrubar a lei, que se insurgem nas redes sociais, que ironizam ter que ceder suas cadeiras aos advogados.

Meus caros…

O que hoje muitos temem não é a lei do abuso de autoridade. É a perda do poder, do direito sobrenatural e sobre-humano de decidir sobre a liberdade e o destino do próximo. O que se teme hoje é que se fira o ego. Deuses não serão mais deuses. Serão devolvidos ao seu posto de reles mortais. Aliás, como sempre foram os advogados criminalistas.

Aqueles que incessantemente passaram décadas lutando pela verdadeira justiça sendo rechaçados, humilhados, desrespeitados, representados perante o órgão de classe, apenas porque atrasaram um dia para protocolar uma petição de um processo que permaneceu meses parado nos gabinetes (dos Deuses).

Deuses representados por quem se colocou acima da lei, de qualquer lei, menos desta tal lei do abuso de autoridade.

Bem-vindos Deuses ao mundo dos mortais. Agora vocês saberão como é bom ter que pensar em cada ato que se vai praticar sob o temor de que alguém nos interprete mal ou queira nos prejudicar.
Bem-vindos Deuses!

Ao contrário do que alguns dizem não queremos vossos tronos, tampouco vossos lugares, estudamos para ser exatamente o que somos. Escolhemos o lado mais fraco, porque nos apraz lutar como Davi contra Golias. Como Dom Quixote empunhando a lança diante de moinhos.

Acalmem-se Deuses fora do Olimpo e saibam, com certeza, que vivemos perseguindo a justiça porque é para isso que vivemos. E ao final desta historia toda, sabemos que fizemos a nossa parte. Se injustiças foram cometidas, delas não participamos não as praticamos e lutamos ferozmente para que não acontecessem.