Pesquisar este blog

quinta-feira, janeiro 17

Ainda sobre o Decreto que flexibiliza posse de armas



Presunção de "efetiva necessidade" de posse de arma viola Constituição


O decreto que facilitou a posse de armas de fogo, assinado nesta terça-feira (15/1) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), diz que "presume-se verdadeira" a alegação de "efetiva necessidade" de se ter uma arma. Para especialistas ouvidos pela ConJur, no entanto, a medida é inconstitucional porque obriga a administração a renunciar de sua competência de decidir. Com isso, também obriga o governo a abrir mão do interesse público, já que armas colocam em risco a vida e a integridade física de todos, afirmam.

O Decreto 5.123/2004 estabelece que, para ter uma arma de fogo, o interessado deve “declarar efetiva necessidade”. O Decreto 9.685/2019, assinado por Bolsonaro nesta terça, fixou que essa "efetiva necessidade" é presumida verdadeira: “Presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade a que se refere o inciso I do caput, a qual será examinada pela Polícia Federal nos termos deste artigo”. Antes, um delegado da PF deveria verificar as informações, o que, segundo Bolsonaro, era muito subjetivo.

“Efetiva necessidade” da posse de arma de fogo é um conceito indeterminado. Como ele não tem um grau de especificidade suficiente para ter força normativa, ele acaba gerando mais de uma conduta possível para a administração pública, que irá adotar a que lhe for mais conveniente, explica o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano. Portanto, a definição dessa “efetiva necessidade” é uma competência discricionária do Estado.

Imagem meramente ilustrativa - disponível na Web
A administração pública pode limitar, via decreto, por exemplo, sua competência discricionária. No caso, isso ocorreria com a definição de critérios para a “efetiva necessidade” de se ter armas de fogo. Contudo, o Estado não pode renunciar à sua competência discricionária, aponta Serrano.

“Quando a administração pública abre mão do direito a fazer verificações mínimas do que o cidadão alega como sendo efetiva necessidade, ela exacerba a competência que tem para estabelecer restrições à competência discricionária. Nesse caso, a administração pública foi além dessa competência legitima e acabou, na realidade, outorgando ao cidadão uma fé pública que, nesse caso, ele não deve ter. Isso porque a arma pode vir a oferecer riscos à vida e à integridade física de terceiros”, avalia o professor.

De acordo com ele, o que o Estado está fazendo é deixar de lado seu dever de fiscalizar, verificar e regular. E a administração, conforme Serrano, não pode fazer isso porque o interesse público é indisponível. Ao ignorá-lo, o Estado viola a Constituição, pois tem a obrigação de guiar suas ações por esse norte, destaca o docente da PUC-SP.
  
É preciso que o interessado em obter posse de arma apresente indícios mínimos de que tem “efetiva necessidade” de possuir uma arma de fogo. Serrano exemplifica: se uma pessoa diz que é advogada criminalista, que atua em situações de risco e, por isso, precisa de um revólver, ela deve comprovar que é advogada e que atuou, no mínimo, em um caso penal.

O jurista Lenio Streck tem opinião semelhante. A seu ver, o Estado deve assegurar que apenas quem realmente preencher os requisitos possa adquirir uma arma de fogo. E isso antes da compra do artefato. Afinal, depois disso, a administração pública não teria como garantir a apreensão da arma obtida ilegalmente.

“O ponto é: se uma for arma comprada e depois for verificada a inautenticidade da declaração, o que se faz? Busca a arma de volta? Atenção: a presunção de veracidade funciona só para comprar armas? E se o cidadão for pego em blitz sem a carteira e afirma que tem? Nesse caso não tem presunção a declaração? O INSS pede declaração de vida. Não vale a declaração do vivente? No raio-x do aeroporto: não carrego nada de perigoso. Vão verificar depois a declaração? Os exemplos são infindáveis. Se valido o decreto no tocante a essa presunção, deveremos alterar uma série de exigências burocráticas, pois não?”, questiona Lenio.

Já o advogado Fernando Hideo Lacerda lembra que o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) exige a demonstração de "efetiva necessidade" para se obter autorização para adquirir arma de fogo. Entretanto, o Decreto 9.685/2019 fixou que todos que vivem no Brasil preenchem esse requisito. Afinal, a nova norma permite a posse de arma para todos que vivam em áreas rurais ou estados com mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes - o que engloba o Brasil inteiro.

O problema, conforme o advogado, é que o alargamento do conceito de "efetiva necessidade", previsto em lei, foi feito por decreto - algo ilegal.

"Esclareço uma obviedade: um decreto presidencial só pode regulamentar a lei. É uma questão de hierarquia das normas: a Constituição é superior às leis, as leis são superiores aos decretos. Assim, todo decreto que modifique a lei é ilegal", destaca Lacerda.

Estímulo à violência

Por sua vez, o professor de Direito Constitucional da Uerj Daniel Sarmento analisa que o Decreto 9.685/2019 é inconstitucional por violar a separação de poderes e a competência do Congresso para legislar.

“O decreto pretensamente regula o Estatuto do Desarmamento e o seu objetivo é oposto ao da lei: armar as pessoas. Todas as unidades da federação, sem exceção, têm índices de homicídio superiores a 10 por 100 mil habitantes, conforme o Atlas da Violência de 2018. Ou seja, o decreto libera geral, contrariando profundamente o espírito da lei. Uma norma infralegal não pode atentar contra o espirito da regra superior que ela regulamenta”.

Além disso, o novo decreto contraria os direitos fundamentais à vida e à segurança, afirma Sarmento. Ele ressalta que “todos os estudos empíricos” comprovam que o aumento do número de armas em circulação amplia “gravemente” o risco de homicídios e acidentes. “Brigas de casal, incidentes no trânsito, entre outras situações, tenderão mais facilmente a gerar resultados fatais”, diz o professor.

Outro lado

Ana Paula de Barcellos, também professora de Direito Constitucional da Uerj, não considera ilegal a presunção de veracidade da declaração de “efetiva necessidade” da posse de arma de fogo. Até porque essa presunção é relativa e pode ser afastada pela Polícia Federal, aponta.

“Na minha avaliação o decreto é compatível nesse ponto com a lei que ele regulamenta (artigo 4º do Estatuto do Desarmamento). A lei afirma que o interessado deve ‘declarar a efetiva necessidade’ e atender aos requisitos que lista. Não é incomum, aliás, essa figura da presunção relativa de veracidade de declarações de particulares: é o que acontece, por exemplo, no caso da declaração de pobreza por pessoa natural para obter gratuidade de justiça no âmbito do Judiciário (artigo 99, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil)”, avalia Ana Paula.

O professor de Direito Administrativo da PUC-SP Adilson Abreu Dallari destaca que a presunção de veracidade "milita em favor do cidadão". "Sua afirmação vale. Cabe ao Estado comprovar a falsidade".

O Estatuto do Desarmamento estabelece que o interessado em obter posse de arma de fogo deve declarar a "efetiva necessidade" disso. Prestar falsa declaração é crime, lembra Dallari. E a declaração não pode ser presumidamente falsa. Teoricamente, caberia à administração pública comprovar a falsidade da declaração.

Na prática, o Decreto 5.123/2004, segundo o professor da PUC-SP, criou o dever de o interessado demonstrar a "efetiva necessidade" de obter aval para obter arma de fogo. E a aceitação dessas razões ficou sujeita ao critério "absolutamente discricionário" da autoridade - no caso, a PF.

Assim, o Decreto 9.685/2019 "recoloca um pouco as coisas no lugar" ao presumir a veracidade da declaração de "efetiva necessidade", opina Dallari.

"Não se presume a necessidade; presume-se apenas a veracidade dos fatos que justificariam a necessidade.  Fica a Polícia Federal como poder/dever de examinar a veracidade dos fatos e circunstâncias  afirmadas, mas, insisto, a falsidade das alegações não pode ser presumida. A desconfiança tem que ser devidamente motivada".

Flexibilização da posse

O decreto de Bolsonaro facilita a posse de armas de fogo no país. Para conseguir o direito de ter uma arma de fogo, o cidadão deve dizer que mora em um estado considerado violento (mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, critério que engloba todas as unidades da federação), ser profissional de segurança ou viver em área rural.

O texto também amplia o prazo de validade do registro de armas para 10 anos, tanto para civis como para militares. Permite ainda a aquisição de arma por proprietários de estabelecimentos comerciais, colecionadores, atiradores ou caçadores registrados pelo Exército.
Em casas com crianças, adolescentes e pessoas com deficiências mentais, a pessoa deverá acrescentar à lista de exigências uma comprovação de que tem cofre ou local seguro, com tranca, para armazenamento.

Cada pessoa que preencher os requisitos poderá comprar até quatro armas de fogo, número que poderá ser ampliado caso haja "caracterização da efetiva necessidade".

O decreto foi assinado sob a justificativa de atender ao referendo de 2005, previsto no Estatuto do Desarmamento, de 2003. O referendo era para a entrada em vigor do artigo 35 do estatuto, que proibia a venda de armas e munições em todo o território nacional. A maioria dos consultados foi contra a entrada em vigor do artigo. A pergunta feita, "o comércio de armas deve ser proibido no Brasil?", foi respondida com "não" por 64% dos brasileiros.

Fonte: CONJUR

quarta-feira, janeiro 16

Decreto facilita a posse de armas



Leia a íntegra do Decreto Nº 9.685, DE 15 DE JANEIRO DE 2019, que possibilita a uma pessoa possuir até quatro armas de fogo.

Segundo o Decreto, fica eliminado um dos principais obstáculos previstos na Legislação anterior para a compra de armas de fogo de uso permitido: sai da esfera da Polícia Federal – órgão responsável pela emissão do registro de armas – a possibilidade  de discordar da “declaração de necessidade” que for apresentada pelo interessado em obter a posse da arma.

A nova legislação prevê que a PF presuma a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas pelo interessado em obter a posse do armamento, por ocasião da apresentação da declaração. Só poderá ser negado o registro se a pessoa interessada tiver antecedentes criminais, ter vínculo com o crime organizado, falsear a verdade na declaração, ou deixar de cumprir os demais requisitos exigíveis (ter mais de 25 anos, ocupação lícita e residência certa, apresentar documento de identificação, comprovando aptidão psicológica e capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo).

O prazo de validade do registro também resta aumentado de cinco para dez anos, e é exigido do interessado fazer comprovação de que possui lugar adequado e seguro para o armazenamento da arma, no caso de viverem na residência crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência.

São permitidas até quatro armas de foto, no caso de o interessado ser agente público da área de segurança, funcionário da Ain, agente penitenciário, funcionário do sistema socioeducativo ou exercer atividade de polícia administrativa ou de correção; ser militar (ativo ou inativo), residir em área rural, - residir em estados com índices anuais de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes (segundo dados do Atlas da Violência 2018 – que reúne dados de 2016);  ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais; e  ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército.

O Decreto modifica as regras para a posse – ter a arma em casa ou no local de trabalho -  de armas, não sendo atingido o porte, que autoriza o uso da arma fora desses locais.

terça-feira, janeiro 15

Lei altera o Código de Trânsito Brasileiro - L. 9.503/97

Imagem da Web meramente ilustrativa.

A Lei 13.804, de 10 de janeiro/2019, instituiu importantes mudanças no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), prevendo a suspensão do direito de dirigir e a cassação do agente, quando for comprovada a utilização de veículo para fins da prática de contrabando, receptação e descaminho.

Eis o teor da novel alteração:

Art. 2º A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 278-A:

“Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.
§ 1º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código.
§ 2º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção.”

 Com efeito, a primeira parte da lei previu a cassação do documento da habilitação ou a proibição de obtê-la, pelo prazo de 05 (cinco) anos, após o trânsito em julgado de decisão judicial que reconheça a incidência dos delitos de receptação, descaminho ou contrabando.
 Nesse ponto, a medida legislativa tem por finalidade coibir a receptação de cargas, transporte irregular de mercadoria estrangeira, entre outros, penalizando motoristas que forem condenados, por terem perpetrado tais delitos.

 Destarte, o magistrado, após o respectivo trânsito em julgado da decisão, deverá cientificar a autoridade administrativa de trânsito para a efetivação da imposição das medidas restritivas de direitos ora previstas, que deve ser aplicada, sem prejuízo da incidência de eventuais outras sanções criminais decorrentes da comprovação dos aludidos delitos.

 É mais uma medida legislativa que se enquadra na necessidade de impor eficiência ao direito penal, sem olvidar do devido processo legal e demais garantias constitucionais prevista na Lei Maior (Constituição Federal).

 De outro lado, foi vetado o dispositivo que previa a cassação (baixa) do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) da pessoa jurídica, que transportasse, distribuísse, armazenasse ou comercializasse produtos oriundos dos referidos crimes.

 Além disso, a lei previu que o magistrado decrete a suspensão da permissão da habilitação ou a proibição para sua obtenção, a requerimento do MP, representação da autoridade policial ou de ofício.
 Nesse ponto, a situação se enquadra nas intituladas medidas alternativas (cautelares) à prisão preventiva, isto é, não havendo fundamentos para a decretação da custódia cautelar, poderá o magistrado impor as medidas alternativas à prisão, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

 Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem admitindo até a imposição da perda do veículo, quando incidir ato doloso do agente, in verbis:

"Dá ensejo à pena de perda do veículo a conduta dolosa do transportador que utiliza veículo próprio para conduzir ao território nacional mercadoria estrangeira sujeita à pena de perdimento, independentemente de o valor do veículo ser desproporcional ao valor das mercadorias apreendidas. De fato, o inciso V do art. 104 do Decreto-Lei 37/1966 dispõe que a pena de perda do veículo é aplicada "quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção". Nessa mesma linha, o inciso V do art. 688 do Decreto 6.759/2009, por sua vez, dispõe que se aplica a pena de perdimento do veículo, por configurar dano ao Erário, "quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade". Nesse contexto, até mesmo em atenção ao que dispõe a Súmula Vinculante 10 do STF, não se mostra adequado que se afaste a norma legal em razão da simples comparação entre os valores das mercadorias e do veículo que as transporta, ao pretexto de observância do princípio da proporcionalidade, salvo se declarada sua inconstitucionalidade. Além disso, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" (art. 5º da LINDB). Nesse passo, não há dúvidas de que a legislação aduaneira, ao tratar da pena de perdimento de veículo, é severa em razão de uma finalidade nítida, como coibir a sonegação tributária, por meio do descaminho ou de contrabando. Nessa linha, deve-se entender, como acima assinalado, que a pena de perdimento do veículo (inciso V do art. 688 do Decreto 6.759/2009 e inciso V do art. 104 do Decreto-Lei 37/1966), refere-se à conduta dolosa do transportador na internalização de sua própria mercadoria em veículo de sua propriedade. (STJ, REsp 1.498.870-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/2/2015, DJe 24/2/2015).

 No mesmo sentido, previa o enunciado da Súmula n. 138, do extinto TFR: "A pena de perdimento de veículo utilizado em contrabando ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a responsabilidade do proprietário na prática do delito".

 Registre-se que a alteração na legislação vem ao encontro da necessidade de se impor leis mais rígidas no combate à criminalidade, o que ensejará a atuação coordenada e o fortalecimento dos órgãos públicos, a fim de coibir a prática de tais delitos, estimulando a eficiência da atividade persecutória estatal.

 Por derradeiro, cumpre registrar que o cidadão terá assegurado o respectivo direito de se defender e utilizar todos os meios e recursos previstos no ordenamento jurídico (princípio constitucional do devido processo legal, que abrange o contraditório e a ampla defesa), devendo a decretação da restrição dos direitos ser efetivada de forma fundamentada, de acordo com o princípio da motivação das decisões administrativas e judiciais.

Fonte: JusBrasil