Matéria publicada no Jornal Zero Hora (*), edição de Domingo, 22 de julho, traz notícias acerca do
descumprimento das transações penais aceitas por torcedores envolvidos em violências
nos estádios de futebol.
Abaixo, trechos da reportagem e links para as entrevistas.
Drible na Justiça
Ao ignorar as ordens da Justiça, torcedores envolvidos em
pancadarias desmoralizam as autoridades e os dois maiores clubes gaúchos. Eles
estão proibidos de entrar nos estádios e deveriam se apresentar em uma
delegacia toda vez que o Grêmio ou o Inter jogassem em Porto Alegre. Não é o
que ocorre.
Nenhum entre sete jovens atualmente banidos das
arquibancadas cumpre a medida. Dois deles, um gremista e um colorado, foram
flagrados por Zero Hora dentro do Olímpico e do Beira-Rio, incólumes a qualquer
fiscalização.
Na prática, a lei se mostra um faz de conta. A polícia
empurra a culpa para a Justiça, que empurra a culpa para a polícia, que empurra
a culpa para os clubes, que empurram a culpa para a Justiça e para a polícia. E
o caminho acaba livre para os infratores.
Nesta série de reportagens, que começa neste domingo e se
estende até terça-feira, ZH mostra por que uma legislação considerada um
sucesso em países como a Espanha e a Inglaterra – onde a fúria das torcidas foi
amenizada com uma repressão vigorosa do Estado – por aqui ainda é uma fantasia.
Impunidade nos
estádios
Com a mão direita indo e vindo em frente à testa, Jeferson
Rodrigo Kuchinski, 23 anos, é o retrato da liberdade enquanto pula e canta
dá-lhe ô, dá-lhe ô, dá-lhe Grêmio, dá-lhe ô.
O Grêmio perderia aquela partida por 1 a 0 contra o
Atlético-MG, em pleno Olímpico. Mesmo assim, sem nenhum constrangimento,
Jeferson postaria no dia seguinte, no Facebook, fotos do seu entusiasmo em meio
à Geral, a principal torcida organizada do clube. Não havia motivos para se
esconder: as autoridades nunca deram sinais de que cobrariam sua presença na 2ª
Delegacia de Polícia da Capital, onde ele deveria estar naquela tarde de 1º de
julho.
Uma semana depois, Gabriel Maidana Bassani, 23 anos, prefere
a discrição enquanto assiste à vitória do Inter sobre o Cruzeiro por 2 a 1, no
Beira-Rio. Não veste a camisa do time. Não acompanha a cantoria da Super Fico,
a torcida da qual faz parte. E demonstra desconforto quando uma máquina
fotográfica parece apontar em sua direção.
– Sem foto, sem foto! – grita ele para um torcedor de câmera
em punho.
Gabriel sabe que seu destino correto, naquele dia, seria a
20ª Delegacia de Polícia – situada a sete quarteirões dali.
A presença dele no Beira-Rio – e a de Jeferson no Olímpico,
ambas flagradas por ZH – revela como uma legislação bem-intencionada, cujo
princípio seria impedir arruaceiros de ingressar nos estádios, sucumbe à
frouxidão do poder público e dos próprios clubes. Desde fevereiro, quando se
envolveram em uma pancadaria antes de um Gre-Nal (leia mais na página ao lado),
Jeferson e Gabriel estão proibidos por seis meses de torcer nas arquibancadas.
Outros dois rapazes detidos no mesmo tumulto, o gremista
Thiago Araújo da Rosa e o colorado Antonio Flávio Valadão de Almeida, também
ignoram a ordem judicial: jamais se apresentaram à polícia em dias de jogos. E
a polícia nunca alertou a Justiça sobre suas ausências.
– Não fui nenhuma vez à delegacia. Não me cobraram nada até
agora, ninguém me ligou. Parei de ir ao estádio por questões pessoais, mas se
quisesse poderia ter ido – avalia Thiago, 29 anos, para em seguida expor sua
conduta como “torcedor”. – Já me meti em muita briga de torcida. Se tiver que
brigar, brigo sim. Tenho que defender meus amigos, defender meu clube.
Em 26 de março, o Grêmio recebeu um ofício do juiz Amadeo
Ramella Buttelli, do 2º Juizado Especial Criminal (Jecrim), pedindo que
fiscalizasse a entrada de Thiago e Jeferson no Olímpico. Três dias depois, sem
qualquer empecilho, Jeferson já ingressava no estádio para assistir à partida
contra o Avenida, vencida pelo Grêmio por 4 a 0. Ele mesmo publicou no Facebook
uma foto fazendo pose dentro do Olímpico.
A mesma inação se repete no Inter: jamais o clube tomou
providências para barrar a entrada dos colorados infratores, como o juiz
Buttelli solicitou em 21 de março. Na 20ª DP, onde Gabriel e Antonio deveriam
se apresentar no último dia 8, enquanto o Inter vencia o Cruzeiro no Beira-Rio,
a funcionária de plantão informou que um deles chegou a comparecer uma vez, mas
“isso já faz tempo”:
– Sei lá, acho que faz uns quatro meses. Nem lembro o nome
dele.
Não é o que apontam os registros da delegacia. Nenhum
torcedor cumpriu a medida um dia sequer.
Duas Brigas no mesmo
dia
Enquanto o Olímpico trepidava com o Gre-Nal na noite de 5 de
fevereiro, o ambiente era carrancudo em uma pequena sala do estádio. No posto
do Juizado Especial Criminal (Jecrim), o juiz Marco Aurélio Martins Xavier
interrogava os torcedores envolvidos no tumulto horas antes do jogo.
Os gremistas, segundo o boletim de ocorrência, haviam
promovido uma chuva de pedras, garrafas e pedaços de pau contra os PMs que
escoltavam a torcida do Inter. Para piorar, no meio da escolta colorados
iniciaram uma briga entre si.
– Alguns queriam revidar o ataque dos gremistas, mas outros
tentavam impedi-los. Prendemos quem defendia o revide – recorda o sargento
Cristiano Bildhauer, ferido com uma pedrada naquele dia.
Dois torcedores do Grêmio, Jeferson Rodrigo Kuchinski e
Thiago Araújo da Rosa, aceitaram uma transação penal: estariam livres de
responder a um processo na Justiça desde que ficassem longe do Olímpico por
seis meses, apresentando-se à 2ª Delegacia de Polícia no horário das partidas.
Ou seja, estavam impedidos de retornar às arquibancadas até 5 de agosto de
2012.
No caso dos colorados, a medida foi idêntica, alterando-se
os locais: Antonio Flávio Valadão de Almeida e Gabriel Maidana Bassani deveriam
se afastar do Beira-Rio pelo mesmo período, apresentando-se à 20ª Delegacia de
Polícia sempre que o Inter jogasse em seu estádio.
Trata-se de uma sanção prevista no Estatuto do Torcedor.
Elogiada por especialistas, a ideia é impor aos torcedores arruaceiros uma
punição educativa, evitando entupir o Judiciário com novos processos. A lei só
vale para réus primários. Mesmo aceitando o acordo com a Justiça, os quatro
detidos naquele dia negaram participação no motim antes do Gre-Nal.
Mas, quando o juiz encerrou a audiência, lembra o sargento
Bildhauer, os gremistas decidiram aguardar os colorados na saída.
– Deu um bolo mesmo. Eles (os colorados) tinham xingado a
gente lá no Jecrim. Aí, fomos para cima deles – relembra Thiago.
Entrevista feita por Zero Hora com os torcedores punidos:
O Juiz Presidente do Juizado Especial Criminal também foi
entrevista por Zero Hora, tendo afirmado que cabe aos Delegados fiscalizar e, agora, dar explicações sobre a razão pela
qual os torcedores conseguem ir aos estádios.
O Delegado César Carrion, por sua vez, diz que a
responsabilidade de fiscalizar é do Poder Judiciário, do próprio juizado. Entrevistado por Zero Hora, o policial foi categórico
ao afirmar que “a fiscalização tem de vir do próprio juizado”.
Fonte: Site Zero Hora
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