Pesquisar este blog

quarta-feira, janeiro 19

Lei Maria da Penha não exclui legítima defesa


A 1ª turma Criminal do TJ/DF absolveu homem denunciado com base na lei Maria da Penha por revidar agressão física de companheira. De acordo com acórdão, embora a lei represente "um grande avanço no sentido de conferir proteção às mulheres vítimas de violência por parte dos homens com quem mantêm convivência em ambientes doméstico e familiar", isso não significa que o homem agredido não possa reagir. Ficou comprovado nos autos que a mulher iniciou a contenda desferindo uma bofetada no rosto do marido que revidou com um único soco e depois ausentou-se do local. Foi caracterizada legítima defesa que excluiu a ilicitude da conduta.

A sentença exarada no primeiro grau de jurisdição pelo 3º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher estabeleceu pena de três meses de detenção a serem cumpridos em regime inicialmente aberto. A conduta da vítima foi reconhecida como "determinante para o evento danoso", mas considerou-se que o "excesso na legítima defesa deve ser reprimido". O réu, então, entrou com apelação criminal junto à 1ª turma e teve, por unanimidade, sua sentença modificada.

•Processo : 2010.01.1.070202-7

Veja abaixo a íntegra do acórdão.
_________________


Órgão 1ª Turma Criminal
Processo N. Apelação Criminal 20100110702027APR
Apelante(s) E. A. R.
Apelado(s) M. P. D. F. E T.
Relator Desembargador JESUÍNO RISSATO
Acórdão Nº 472.338


EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. LEI MARIA DA PENHA. LESÕES CORPORAIS. AGRESSÕES FÍSICAS RECÍPROCAS. INICIATIVA DA VÍTIMA. RETORSÃO IMEDIATA E PROPORCIONAL. LEGÍTIMA DEFESA CONFIGURADA. SENTENÇA REFORMADA. 1. A Lei Maria da Penha, que veio em boa hora, foi um grande avanço no sentido de conferir proteção às mulheres, vítimas de violência por parte dos homens com que mantêm convivência em ambiente doméstico e familiar. Isso não significa que o homem, quando agredido pela mulher, não possa reagir. 2. Comprovado, nos autos, ter sido a varoa quem dera início à contenda, desferindo uma bofetada na cara do réu, tendo este retorquido com um único soco, o suficiente para fazer cessar a agressão, resta configurada a legítima defesa, de molde a excluir a ilicitude da conduta. 3. Recurso provido, para absolver o acusado.


ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JESUÍNO RISSATO - Relator, LEILA ARLANCH - Vogal, SANDRA DE SANTIS - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em proferir a seguinte decisão: PROVER. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 2 de dezembro de 2010
Desembargador JESUÍNO RISSATO
Relator


RELATÓRIO


E. A. R. apela da sentença que o condenou como incurso nas penas do artigo 129, § 9º, do Código Penal, c/c artigo 5º, inciso I e artigo 7º, incisos I e II, ambos da Lei nº. 11.340/06, a uma pena de 03 (três) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente no regime aberto.
Consta da denúncia que, no dia 27 de março de 2010, por volta das 02h00, em sua residência, o denunciado de forma livre e consciente, mediante emprego de força física, agrediu sua companheira S. R. V., causando-lhe as lesões descritas no laudo acostado às fls. 15/16.
A Defesa pleiteia a absolvição, aos argumentos de que agiu acobertado pela excludente da legítima defesa e de que, após os fatos, reconciliou-se com a vítima (fls. 88/97).
O Ministério Público, em contrarrazões, pugna pelo não provimento do recurso (fl. 109/111).
A douta Procuradoria de Justiça oficia pelo conhecimento do recurso e o seu desprovimento (fl. 122/125).
Este o relatório.


VOTOS

O Senhor Desembargador JESUÍNO RISSATO - Relator

Conheço do recurso, eis que satisfeitos os seus requisitos de admissibilidade.
No mérito, após analisar devidamente a questão, a conclusão é de que assiste razão ao apelante.
Segundo consta dos autos, na noite do fato réu e vitima tinham ido a um bar, no Edifício Rádio Center, e no regresso para casa, por volta das 2h, iniciaram uma discussão, com troca de acusações e agressões verbais. Já na porta da residência, a discussão evoluiu para a agressão física, por iniciativa da vítima, que desferiu um “tapa” na cara do réu, e este retorquiu de imediato, desferindo um soco na cara da vítima. E a briga parou por aí.
A própria vítima confessa, em juízo, que partiu dela a primeira bofetada (fls. 61), verbis:

“Que o casal bebeu no dia dos fatos e nós discutimos no caminho para casa, tanto no carro como no elevador; que na porta da residência minha chave caiu no chão e o acusado me xingou de vários nomes, com eu também já tinha xingado ele naquela discussão; aí eu virei um tapa no réu, acho que o acertei no rosto. Que o réu reagiu e já entrou no soco em meu rosto, causando lesões; que eu também machuquei o pé, mas não como, acho que foi no sofá; que o acusado saiu em seguida (...)”.
A Lei Maria da Penha, que veio em boa hora, representou um grande avanço na proteção às mulheres, vítimas de agressões por parte de homens com quem convivem em ambiente de relações domésticas. Mas isso não significa que o homem, quando agredido fisicamente pela mulher, deva apanhar sem reagir. No caso, se o réu não reagisse à primeira bofetada na cara, certamente levaria a segunda, a terceira e por aí afora.
O meio utilizado pelo réu foi necessário para repelir a injusta agressão. E a meu ver, não houve a desproporcionalidade sustentada pela douta Procuradoria de Justiça em seu ilustrado parecer. O réu levou um tapa, reagiu com um soco, evidentemente mais forte. Se tivesse reagido com outro “tapa”, com a mesma força ou mais leve do que o recebido, a agressão não cessaria, e ambos continuariam trocando “tapas” até que um dos dois, em determinado momento, desferisse golpe mais violento.
Um único soco, portanto, foi a medida certa para fazer cessar a agressão, não havendo que se falar em excesso. Este só ocorreria se o réu continuasse a desferir outros golpes, o que efetivamente não aconteceu, pois a briga terminou ali. E na audiência em juízo, o casal já estava reconciliado.
Dessa forma, assiste razão ao apelante, visto que sua ação foi abraçada pela excludente de ilicitude.
Registre-se que, em casos de agressões físicas recíprocas, quando há dúvidas sobre quem teria dado inicio à contenda, a jurisprudência é no sentido de que se deve absolver. Com muito mais razão, então, nas hipóteses como a dos autos, onde não resta qualquer dúvida de que foi a suposta vítima quem deu início às agressões.
Confira-se, sobre o tema, a seguinte decisão, in verbis:
“APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. COMPANHEIRO QUE AGRIDE A ESPOSA DURANTE UMA DISCUSSÃO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR LEGÍTIMA DEFESA. AGRESSÕES RECÍPROCAS. CONTRADIÇÃO NAS VERSÕES DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE PROVA SEGURA. TESE DE LEGÍTIMA DEFESA ACOLHIDA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPROVIMENTO. 1. Em crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima assume especial relevância e autoriza a condenação, mas se vier corroborada por outros indícios idôneos e não padeça de contradição e dúvida. 2. Se a versão prestada pela vítima na delegacia encontra-se em contradição com a que declarou em juízo, quando admitiu a ocorrência de agressões recíprocas, gerando dúvida sobre quem teria iniciado as agressões, é de rigor acolher a dirimente da legítima defesa e absolver o réu, com base no benefício da dúvida. 3. Recurso conhecido e não provido, mantida a sentença que absolveu o apelado dos crimes previstos nos artigos 147, caput, e 129, § 9º, do Código Penal.(20070111560724APR, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, julgado em 18/06/2010, DJ 02/07/2010 p. 150).
Em face do exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo, para ABSOLVER o apelante da imputação que lhe é feita, fazendo-o com fulcro no art. 386, inciso VI, do CPP.
É como voto.

A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH - Vogal

Com o Relator.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Vogal

Com o Relator.


DECISÃO

PROVER. UNÂNIME.

Nenhum comentário: