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terça-feira, dezembro 20

Sistema carcerário: o dever do Estado versus o direito do apenado

Imagem meramente ilustrativa
Tenho acompanhado os relatórios finais do Mutirão Carcerário levado a efeito pelo Conselho Nacional de Justiça.  Já foram encerradas as atividades em vários estados brasileiros, inclusive no Rio Grande do Sul.

A avaliação dos conselheiros acerca do sistema prisional brasileiro não diverge muito de Estado para Estado. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a principal conclusão é a de que o Estado se demitiu de suas funções, assim afirmando o Juiz de Direito Luciano André Losekann, Coordenador de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socieducativas do CNJ.

Em outras palavras, o magistrado traduziu o abandono imposto pelo Estado ao sistema prisional gaúcho, que se ressente de um plano de ação consistente, de uma política pública de atenção verdadeira às necessidades daqueles que estão sob a responsabilidade dele em cumprimento de penas privativas de liberdade.

A situação paulista, não é diversa. Relatório do CNJ aponta para a superlotação e para as condições insalubres dos presídios de São Paulo – problemas estes análogos aos encontrados no restante do país.

Mas, enquanto isso – mesmo tendo escancaradas as condições precárias e subumanas dos cárceres brasileiros – pelo menos aqui no Estado do Rio Grande do Sul é inabalável a postura do Poder Judiciário em negar indenização por condições precárias no Presídio Central.

Recentemente, apenas como exemplo, a 9ª Câmara Cível doTribunal de Justiça do RS negou indenização, movida contra o Estado por ex-apenado, que cumpriu pena no Presídio Central de Porto Alegre, em condições totalmente inadequadas, posto que em descumprimento às normas estabelecidas pela Lei de Execuções Penais ( L. 7210/84).

Na ação, o autor apontou o descaso para com os apenados, demonstrando a falência do sistema prisional gaúcho – corroborada pelo relatório do Mutirão Carcerário – sustentando, também, que as condições de cumprimento da pena são semelhantes à tortura. Há de ter suportado, o ex-preso, sufocos indescritíveis. 

Mesmo assim, os desembargadores não costumam ser sensíveis às demandas dos ex-detentos, quase sempre sob o argumento de que a culpa do Estado não está suficientemente demonstrada – o que seria necessário, para apontar a responsabilidade objetiva, dele (Estado), por omissão.
Especialmente nessa demanda (Apelação Cível nº 70045728532), a relatora, Desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, destacou que o Poder Judiciário não desconhece as péssimas condições do sistema carcerário gaúcho, mas que elas estão em melhor grau de desenvolvimento, no que respeita aos direitos fundamentais, se comparadas a outras unidades da federação.  E, ainda, que a dignidade do preso merece ser preservada, mas é preciso atentar para a viabilidade de promover tal situação. E, o pior, justifica a negativa indenizatória por inexeqüíveis as medidas protetivas e garantidoras dos direitos dos apenados!
Por isso, a demanda foi rejeitada pelo Tribunal. Incompreensível, salvo melhor juízo. O argumento da digna desembargadora é paradoxal, porque a par de reconhecer a deficiência do sistema, o desrespeito à dignidade do preso e a ausência/omissão do Estado e a desatenção à legislação, ainda assim não considerou tudo isso  suficiente para reconhecer o direito indenizatório.
Ainda segundo a decisão, fosse o Estado condenado, haveria interferência do Judiciário diretamente nas políticas públicas do Executivo, o que não é de sua competência.
Será, é de perguntar-se? E as outras intromissões do poder judiciário nas políticas públicas da saúde e educação, por exemplo? Nelas pode?
Também por esse argumento, parece-me insuficiente a justificação.
Pelo que depreendi da leitura da notícia veiculada pelo TJRS, a Câmara Cível reconheceu verdadeiro estado de necessidade para beneficiar o Estado, excluindo a ilicitude de seu comportamento.

Veja-se que houve destaque, no relatório, para a falta de condições do Estado de solucionar o problema do sistema carcerário, nesse momento, o que afastaria sua culpa, a omissão e a obrigação de reparar o dano causado. 

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