Artigo de Rogério
Sanches Cunha(*)
1. BREVES
COMENTÁRIOS
Objetividade jurídica: A Lei 12.653/12 acrescentou à Parte
Especial do CP, mais precisamente no Capítulo III (Da periclitação da vida e da
saúde), a mais nova forma de omissão de socorro, praticada mediante o
condicionamento de atendimento médico hospital emergencial, punida com 3 meses
a 1 ano, e multa (infração penal de menor potencial, salvo na forma qualificada
pela morte).
A tipificação dessa
prática rotineira já era esperada. Vejamos.
O Código de Defesa do Consumidor, desde 1990, preceitua que
a exigência da garantia para o atendimento é prática abusiva que expõe o
consumidor a desvantagem exagerada, causando desequilíbrio na relação
contratual (art. 39).
No mesmo espírito, o Código Civil de 2002 garante ser
anulável o negócio jurídico por vício resultante de estado de perigo (art. 171,
inc. II).
A Resolução Normativa 44 da Agência Nacional de Saúde
Suplementar, por sua vez, desde 2003, no seu art. 1º, já alertava:
Art. 1º Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por
parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou
referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras
Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota
promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à
prestação do serviço.
Haverá, certamente, doutrina questionando a necessidade de
intervenção do Direito Penal. Contudo, é sabido que o princípio da intervenção
mínima tem como importante característica a subsidiariedade, ficando a
intervenção do Direito Penal condicionada ao fracasso das demais esferas de
controle. O comportamento em exame (evidentemente ilícito) não vinha sendo
combatido eficazmente pelos demais ramos, aumentado, a cada dia, os casos de
constrangimentos aos consumidores, forçados a garantirem o hospital para receberem
atendimento de urgência. Justifica-se, portanto, a nosso ver, a incriminação do
fato.
Sujeitos do crime:O crimepode ser praticado por
administradores e/ou funcionários do hospital. Figura como vítima a pessoa em
estado de emergência.
Conduta: Consiste em negar atendimento emergencial, exigindo
do potencial paciente (ou de seus familiares), como condição para a execução
dos procedimentos de socorro:
a) cheque caução (cheque em garantia), nota promissória
(promessa de pagamento) ou de qualquer garantia (endosso de uma duplicata ou
letra de câmbio, por exemplo).
b) o preenchimento prévio de formulários administrativos,
quase sempre na forma de contratos de adesão favorecendo abusivamente uma das
partes (o hospital).
O agente, no caso, aproveita-se de um momento de extrema
fragilidade emocional do doente (ou de seus familiares) para, mediante a uma
das indevidas exigências acima descritas, garantir para hospital o
ressarcimento das despesas realizadas no socorro.
A solicitação de garantia, sem condicionar o atendimento, é
fato atípico.
Tipo Subjetivo: Somente se admite a forma dolosa.
Consumação e tentativa: Consuma-se com a indevida exigência,
sendo possível, em tese, a tentativa (delito plurissubsistente).
A doutrina, como já acontece nos demais crimes de perigo,
discutirá se o delito em exame é de perigo abstrato (perigo absolutamente
presumido por lei) ou concreto (perigo deve ser comprovado), lembrando que o
STF, recentemente, decidiu que a criação de crimes de perigo abstrato não
representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador
penal (HC 104.410/RS).
Nos termos de que dispõe o parágrafo único, a pena é
amentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de
natureza grave (§§ 1º e 2º do art. 129), e até o triplo se resulta a morte.
Trata-se de figura preterdolosa (ou preterintencional), sendo os resultados
majorantesdecorrentes de culpa.
(*) Publicado originalmente em Atualidades do Direito
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