Problemas cartorários, excessos recursais, formalismo na
conduta dos magistrados, burocracia, prolixidade das decisões. Inúmeros fatores
são apontados como entraves para que os processos não sejam julgados em um
tempo razoável. Mas quais medidas vêm sendo tomadas pelos magistrados para
contribuir com a resposta ágil na prestação jurisdicional? Em vários
julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) profere decisões que garantem
ao cidadão uma solução mais rápida às suas demandas; passo importante para
assegurar uma Justiça mais efetiva.
No julgamento de sucessivos recursos, por exemplo, o STJ vem
pronunciando o entendimento de que não viola o princípio do juiz natural
distribuir a um mesmo magistrado as diversas causas que discutem matérias
repetitivas. Uma instituição bancária ingressou no STJ com o argumento de que a
distribuição de ações individuais referentes a expurgos inflacionários
concentradas em um único juízo é ilegal. A Quarta Turma, no entanto, entendeu
que a medida atende aos princípios da razoável duração do processo e da
instrumentalidade. (AgResp 1.206.813).
A decisão da Quarta Turma segue o rito dos recursos
repetitivos. Essa sistemática foi introduzida pelo art. 543-C do CPC (Código de
Processo Civil) e trouxe significativos avanços na celeridade processual, ao
otimizar o julgamento de múltiplos recursos com fundamento em idêntica questão
de direito. Nos primeiros seis meses que a lei entrou em vigor houve uma
diminuição de 37,92% no número de processos que chegaram ao STJ. No segundo
semestre de 2008, o Tribunal recebeu 19.990 recursos especiais, volume bem
menor do que o registrado no mesmo período do ano anterior, que foi de 32.202.
Pela lei dos repetitivos (Lei 11.672/08), diante da
multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia, o Tribunal de origem pode
remeter ao Tribunal Superior um ou mais recursos que representem as demandas e
determinar a suspensão dos demais processos até a decisão definitiva. No âmbito
do próprio STJ, o relator do recurso especial pode determinar a suspensão dos recursos
repetitivos nos tribunais de segunda instância, ao constatar a existência de
jurisprudência dominante ou por afetação de um caso específico ao colegiado, o
que reduz sensivelmente a carga de trabalho para cada magistrado.
Seguir adiante
Os processos que tem o mesmo assunto do repetitivo ficam
“trancados”, o que às vezes é motivo de insatisfação para muitos
jurisdicionados, que acabam por ingressar na Justiça para que a causa possa ter
um curso independente. Para a Terceira Turma, não se admite reclamações da
parte recorrente para se “destrancar” o recurso especial sobrestado na forma do
art. 543-C do CPC porque isso interfere na ideia do legislador em fazer uma
Justiça mais eficiente.
Relator de uma cautelar julgada, o ministro Massami Uyeda
destacou que a concessão da medida para “destrancar” o recurso seria o mesmo
que desconstituir as diretrizes traçadas pela reforma da Justiça e uma afronta
ao princípio da razoável duração do processo. A ressalva só ocorre em casos de
sobrestamento equivocado em que a parte deve demonstrar explicitamente a
diferença entre o seu caso concreto e os afetados como repetitivo (MC 17.226).
A Primeira Seção entende que cabe, inclusive, a aplicação de
multa nos casos em que a parte reclama quanto ao mérito de questão decidida em
recurso especial submetida ao rito dos repetitivos. “Se no agravo regimental a
parte insiste apenas na tese de mérito já consolidada no julgamento, é certo
que o recurso não lhe trará nenhum proveito do ponto de vista prático, pois, em
tal hipótese, já se sabe previamente a solução que será dada ao caso pelo
colegiado”, sustentou a ministra Eliana Calmon (Resp 1.306.098). O objetivo,
nesses casos, é punir a parte para que ela entenda que não pode sobrecarregar o
Judiciário com recursos protelatórios.
A aplicação de multas, segundo Marco Felix Jobim, autor do
livro “Direito à Razoável Duração do Processo: Responsabilidade Civil do Estado
em Decorrência da Intempestividade Processual”, é uma melhores soluções para
tornar a Justiça mais efetiva. Tal instrumento, segundo ele, ainda é pouco
utilizado e deveria ter mais publicidade para que a população se
conscientizasse de que o ingresso no Judiciário deva ser fundamentado. Milhares
de embargos de declaração são opostos, segundo ele, sem qualquer tipo de
fundamentação, apenas com o objetivo de se levar um tempo maior para interpor o
recurso principal.
Formalismo
Uma queixa comum quanto à prestação jurisdicional está
relacionada ao excessivo formalismo por parte dos magistrados. Outra crítica é
a maneira nada eficaz em que muitas vezes é dada a solução judicial. A parte
leva mas não ganha e a demora para o resultado é tanta que surge o
questionamento se valeu mesmo a pena entrar na Justiça. Segundo Paulo Hoffman,
no seu trabalho sobre a “Razoável duração do processo”, em média o Poder
Judiciário leva cinco anos para julgar uma causa.
Em um conflito de competência julgado pelo STJ, em que uma
mãe reclamava o pagamento de salário-maternidade em Lajeado, no Rio Grande do
Sul, a Terceira Turma decidiu que não se pode dar primazia ao formalismo em
detrimento do direito de a impetrante ter a sua causa julgada pelo juiz natural
em tempo célere. O mero apego à formalidade, segundo o STJ, não pode levar o
Judiciário a tomar decisões de escassa utilidade (CC 90.642).
Uma resposta dada pelo STJ ao problema da morosidade também
pode ser vista em ações que discutem o fornecimento de medicamento por parte do
Estado para aquelas pessoas que não têm recursos para pagá-los. O STJ vem
entendendo em múltiplos julgamentos que não é cabível chamar à União Federal
para integrar o polo da lide nas ações que tratam dessa matéria por afronta ao
princípio da razoável duração do processo.
Segundo o STJ, a hipótese de chamamento ao processo,
prevista no artigo 77, inciso III, do CPC, é típica de obrigações solidárias de
pagar quantia certa. Tratando-se de uma hipótese excepcional de formação de
litisconsórcio passivo facultativo não se admite interpretação extensiva para
alcançar prestação de entrega de coisa. Para o STJ, o chamamento ao processo da
União, pelo estado de Santa Catarina, no caso da reclamação pelo fornecimento
de medicamentos, é uma medida protelatória, que não traz utilidade ao processo
(Resp 1.150.283).
Melhores salários
Flávio Beal, no seu estudo sobre “Morosidade da Justiça –
Impunidade + Injustiça”, aponta que entre as causas para uma prestação judicial
deficiente está a insuficiência de juízes para atender o grande número de
processos, a falta de treinamento e melhores salários para os servidores que
atuam no Judiciário, o excesso de recursos, o formalismo e a nomeação de juízes
em atividade nas comarcas para dirigir a Justiça Eleitoral com prejuízos para a
Justiça comum. Ele aponta ainda burocracia nos trâmites judiciais.
A morosidade no processo, segundo Marco Félix, pode ser
vista no próprio ato de citação do réu. Pela lei, o prazo mais comum de defesa
é de quinze dias, contados da juntada do mandado ou do recebimento da carta de
citação nos autos. Mas o processo pode levar meses. “A morosidade desta etapa é
assustadora” registra o autor. Se forem dois ou mais réus no processo, com
procuradores diversos, os prazos podem ser contados em dobro.
Em 2011, a Segunda Turma julgou um processo no qual atendeu
o pedido do Município do Rio de Janeiro para afastar a prescrição declarada na
cobrança de IPTU. O processo de execução ficou paralisado por doze anos sem que
fosse realizada a citação. Segundo o STJ, a ineficiência da máquina judiciária
prejudicou os interesses do credor, que, pela falta da citação, não teve oportunidade
de impulsionar o processo (Resp 1.102.431).
Em casos que tratam da concessão de liminar em apreensão de
bens envolvendo vários réus, o STJ decidiu que o prazo para ingressar com a
ação principal, por exemplo, se conta a partir de qualquer ato que deu motivo
ao sequestro, ainda que não foram todos concluídos. O objetivo é preservar à
razoável duração do processo, bem como o caráter provisório das medidas
cautelares, possibilitando a pronta instauração do processo principal, em prol
daqueles que têm seus bens bloqueados, mas sem beneficiar os que, por qualquer
motivo, não querem cumprir a liminar (Resp 1.040.404).
Fora do tempo
A razoável duração do processo, segundo a doutrina, não se
confunde com celeridade processual. A primeira tem a ver com a garantia de que
o jurisdicionado vai ter seu processo julgado em tempo razoável. A segunda, com
o fato de que os atos vão ser realizados no menor espaço de tempo, no sentido
da economia processual.
A doutrina aponta que a falha da prestação judiciária relativa
à afronta à razoável duração do processo gera direito a indenização. Um projeto
de lei buscou regulamentar os pedidos de indenização em relação à inércia do
Judiciário, mas foi arquivado por inconstitucionalidade (PL 7.599/2006).
No julgamento de um recurso, a Primeira Turma decidiu que a
verificação de responsabilidade pela demora na prática dos atos processuais
implica exame de provas, o que não pode ser feito no âmbito de uma Corte
Superior. As decisões acabam ficando a cargo das instâncias de primeiro e
segundo grau. (Resp 1.102.431).
Indenização
Marco Félix defende que algumas situações justificam o
pedido de indenização do jurisdicionado frente ao Estado. Caso ocorra um dano à
parte porque o processo não foi concluso no tempo que determina a lei; se há
quebra de linearidade no curso processual por conta de um agente público,
fazendo com que o processo retorne a seu início; se há permissão do Judiciário
para que grandes sociedades litiguem teses batidas, causando prejuízos à parte
credora são algumas delas.
Nas decisões que envolvem a inércia do Estado no trâmite de
recursos administrativos, o STJ vem entendendo que os órgãos não podem
prorrogar indefinidamente a duração de seus processos, pois é direito dos
administrados ter seus requerimentos apreciados em tempo razoável. Desde a data
da interposição de um recurso administrativo contra uma portaria de anistia,
por exemplo, passaram-se seis anos, sem que o ministro da Justiça decidisse. A
Terceira Seção entendeu que, na ausência de previsão legal para o julgamento
dos recursos interpostos pelos anistiados políticos, deveriam ser aplicados,
subsidiariamente, os prazos definidos na Lei 9.784/99 (MS 13.728).
Além das causas estruturais, legais ou institucionais que
afetam o bom andamento do processo, a realidade, segundo José Carlos Barbosa
Moreira no artigo “A duração dos processos: alguns dados comparativos”, é que
quanto mais transgressões houver por parte dos brasileiros, maior é a
frequência dos que requisitarão os serviços da Justiça.
Os caminhos judiciais estariam mais desimpedidos se todos os
contribuintes pagassem seus impostos, se a administração não desprezasse os
preceitos jurídicos e éticos ao realizar uma concorrência, se os pais provessem
espontaneamente o sustento dos filhos menores. Mas sempre que isso deixar de
ocorrer, cabe ao Judiciário encontrar meios para fazer com que o processo seja
julgado em prazo razoável, com respeito à segurança jurídica e todos os bons
princípios do Direito.
Fonte: Site do STJ
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