A Quinta Turma do STJ rejeitou a tese de continuidade
delitiva no caso de uma mulher condenada a 30 anos de prisão por mandar matar
os próprios pais. A defesa pretendia afastar a tese de concurso material, com a
expectativa de que o reconhecimento do crime continuado pudesse levar à redução
da pena.
O caso ocorreu em São Paulo, em 2002. A filha teria
contratado três homens para executar os crimes. De acordo com a denúncia, ela
mentiu sobre um defeito em seu carro, que estava estacionado nos fundos da casa
dos pais. Simulando chamar auxílio dos três homens que passavam na rua, ela fez
com que o grupo se aproximasse dos pais, momento em que anunciaram um falso
assalto e dispararam contra o casal.
A mãe, a portuguesa Odete de Jesus Apolinário Grandão, foi
morta com um tiro na cabeça. Seu marido, o também português Hermínio Augusto
Grandão, foi atingido, mas sobreviveu.
Unidade de desígnios
A relatora do recurso apresentado pela defesa, ministra
Laurita Vaz, assinalou que a jurisprudência do STJ exige, para o reconhecimento
de crime continuado, que os delitos sejam cometidos com unidade de desígnios.
De acordo com o processo, a ré encomendou a morte dos pais
para ficar com os bens de ambos, já que era filha única. “A investida contra a
vida de ambos os pais era motivada, em sua essência, por um propósito
individual, autônomo, de alcançar a parte dos bens que, isoladamente, vinculava
cada um deles”, afirmou a ministra. Assim, concluiu, não pode ser configurada
no caso a unidade de desígnios, o que torna incabível a tese da continuidade
delitiva.
O concurso material, previsto no artigo 69 do Código Penal,
é a situação em que o agente, com mais de uma ação, comete dois ou mais crimes,
idênticos ou não. As penas são aplicadas cumulativamente. Já na continuidade
delitiva (artigo 71), prevista apenas para crimes da mesma espécie cometidos em
mais de uma ação, os subsequentes são entendidos como continuação do primeiro,
em razão de circunstâncias como tempo, lugar e maneira de execução.
Nesses casos, é aplicada a pena de um dos crimes, aumentada
na proporção de um sexto a dois terços. Sendo crimes dolosos contra vítimas
diferentes, cometidos com violência, a pena de um deles pode ser aumentada até
o triplo, desde que não ultrapasse o tempo que seria resultante da aplicação do
concurso material.
Novo júri
A Quinta Turma decidiu também que a ré não terá direito à
realização de novo júri. A ministra Laurita Vaz observou que, apesar de a pena
total ser de 30 anos, a mulher foi condenada por cada crime a penas inferiores
a 20 anos.
O julgamento se deu em 2005, quando ainda vigia o
dispositivo do Código Penal que tratava da possibilidade de pedido da defesa
por novo júri, nas hipóteses em que a sentença condenatória tivesse fixado,
isoladamente, pena igual ou superior a 20 anos. A norma que excluiu esse
recurso é de 2008 (Lei 11.689) e, apesar de ter vigência imediata, não
prejudica os atos já praticados.
No entanto, a ministra Laurita constatou que a ré não faz
jus ao novo júri, porque ela foi condenada por homicídio consumado da mãe, com
pena de 18 anos, e homicídio tentado do pai, com pena de 12 anos. Ou seja, as
penas são inferiores a 20 anos, cada uma.
A Quinta Turma apenas concedeu habeas corpus, de ofício,
para afastar o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, como
determinou a sentença. A ministra lembrou que o Supremo Tribunal Federal
afastou do ordenamento jurídico o regime nesses moldes severos, imposto a
condenados por crimes hediondos, permitindo a progressão de regime penal mesmo
para tais presos.
Fonte: Site do STJ
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