Por constatar inépcia da denúncia e constrangimento ilegal
contra os sócios-gerentes de uma indústria de carnes, a Sexta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, determinou o trancamento de ação
penal instaurada na Sexta Vara Federal de São Paulo. Os réus foram denunciados
pela prática do crime previsto no artigo 20 da Lei 7.492/86, pois teriam
aplicado em finalidade diversa da prevista em contrato recursos provenientes de
financiamento concedido por instituição financeira oficial.
Após ler a denúncia, o relator do caso, ministro Og
Fernandes, entendeu que ficou comprovada a inépcia, porque nela não constam
informações precisas sobre as pessoas que teriam praticado a fraude, bem como
informações relativas aos meios empregados. Para o magistrado, em nenhum
momento a acusação se preocupou em demonstrar ao menos qual função desempenhava
cada denunciado, não esclarecendo tampouco o montante que teria sido desviado.
O ministro observou que “a denúncia é peça de acusação, mas,
sobretudo, de justiça e, igualmente, de defesa, já que, a partir dela, o
acusado tomará ciência do que lhe é imputado, sem qualquer obscuridade, e
produzirá suas alegações de forma ampla”.
O caso
Em 19 de fevereiro de 2001, a empresa celebrou contrato com
o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pelo qual
recebeu crédito de R$ 17,94 milhões, destinado à implantação de uma unidade de
industrialização de carne bovina em Palmeiras de Goiás (GO) e pagamento de até
70% dos equipamentos nacionais adquiridos para a execução do projeto.
Porém, após denúncia anônima recebida em 27 de maio de 2003,
o BNDES iniciou investigações administrativas e constatou fraudes nas
prestações de contas, sendo mencionados dois fornecedores de equipamentos e a
construtora responsável pela obra.
Segundo o Ministério Público, a indústria de carnes teria se
valido de diversos expedientes para desviar recursos do financiamento do BNDES.
O esquema envolveria a prestação de contas baseada em documentos falsos ou
alterados, bem como a criação de uma empresa "laranja", responsável
pela construção civil da unidade de industrialização.
Inépcia da denúncia
Buscando o trancamento da ação penal, inicialmente a defesa
impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3),
alegando inépcia da denúncia e ausência de justa causa, uma vez que não há
menção às ações praticadas individualmente pelos acusados, que integram o
quadro societário da empresa.
O TRF3 negou o pedido por considerar que o fato de a empresa
ter regularizado as pendências financeiras junto ao BNDES não resulta no
trancamento natural da ação penal. O tribunal observou que, se a denúncia
descreve condutas típicas e detalhadas, de modo a permitir a qualquer dos
envolvidos o exercício amplo do direito de defesa, ela não é inepta.
Insatisfeita, a defesa impetrou habeas corpus no STJ com os
mesmos argumentos que utilizou no tribunal de segunda instância, alegando,
ainda, que ao final da apuração administrativa, em 29 de maio de 2006, o
próprio BNDES afirmou que o contrato de financiamento havia sido concluído de
acordo com sua finalidade. Porém, a defesa observou que o Ministério Público
Federal já havia se antecipado, oferecendo denúncia indeterminada e genérica
contra os sócios em 23 de julho de 2004.
Imputação genérica
O ministro Og Fernandes observou que a jurisprudência das
cortes superiores vem flexibilizando a necessidade de individualização e
descrição pormenorizada das condutas em crimes societários, “baseada justamente
na dificuldade de se descortinar, em tais delitos, a exata participação de cada
um dos envolvidos”.
Apesar disso, acrescentou o relator, não se pode aceitar
imputação totalmente genérica e indeterminada, sem que se diga nem mesmo, a
exemplo do caso analisado, qual atividade cada um dos acusados exercia na
empresa, e em que medida poderia ser responsável pelas condutas delituosas
praticadas.
Segundo Og Fernandes, a acusação chegou ao absurdo de incluir
entre os réus pessoa interditada civilmente por sentença judicial de 1995, a
qual não poderia, nessas condições, exercer atos compatíveis com a gerência da
empresa ao tempo dos fatos, em 2001. Para o ministro, isso demonstra que a
imputação recaiu sobre os denunciados apenas pelo fato de figurarem no contrato
social da empresa, sem que o Ministério Público se acautelasse quanto à efetiva
participação de cada um deles no suposto crime.
O ministro também considerou relevante a informação do BNDES
de que o contrato foi executado conforme o previsto. Se houve alguma fraude no
primeiro momento de sua execução, acrescentou, isso deve ser objeto de apuração
específica. Assim, pelo vício formal verificado na denúncia, a Sexta Turma
decidiu conceder o habeas corpus para trancar a ação penal, sem prejuízo da
apuração de possíveis fraudes cometidas na execução do contrato de
financiamento.
Fonte: Site do STF
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