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O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) disciplina, nos
artigos 165 e 306, o tratamento a ser dispensado aos motoristas que dirigem
após a ingestão de bebida alcoólica.
O primeiro dispositivo trata da infração administrativa de
“dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência”. A conduta configura infração gravíssima, sujeita à
aplicação de multa e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze meses).
O artigo 306, por sua
vez, traz o comportamento típico penal de quem “conduz veículo automotor com
capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra
substância psicoativa que determine dependência.”.
O comportamento configura crime e a pena é de detenção, de
seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Vê-se, assim, que a diferença entre os comportamentos é a elementar
do tipo penal “com capacidade psicomotora alterada” e, justo por isso, muito se
discute – e é importante para a segurança jurídica que se discuta – sobre o que
configura ou como se demonstra essa
alteração da capacidade psicomotora.
Em sua origem, na norma de 1997, a redação do artigo 306 CTB
criminalizava a conduta de “conduzir
veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de
efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.
A partir de 2008, a polêmica e propalada Lei 11.705 operou
alteração na redação do artigo 306 e acrescentou, como elementar do tipo penal,
o parâmetro de 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue como limite
máximo de tolerância para o condutor.
O parágrafo único do mesmo dispositivo legal determinava que
o Poder Executivo estipulasse a equivalência entre este parâmetro e os demais
testes de alcoolemia possíveis e, atendendo esta disposição, foi fixado o
índice de 0,3 miligramas de álcool por litro de ar pulmonar, a ser verificado através
do teste de etilômetro, conhecido popularmente como bafômetro.
Ocorre que, sob o abrigo do princípio constitucional de que
ninguém é obrigado a produzir prova contra si, a grande maioria dos motoristas
negava-se a soprar o bafômetro e, assim, não era possível afirmar-se que
estavam embriagados, pois aquela quantidade de álcool no sangue ou no ar
pulmonar era elementar do tipo e, portanto, indispensável.
A partir desta
percepção e, por razões de política criminal, outras provas da embriaguez passaram
a ser defendidas como aptas a configurar o crime do artigo 306 do CTB: vídeos,
testemunhas, etc. No entanto, sempre se esbarrava na ausência de comprovação da
elementar do tipo “concentração de álcool”.
Por isso, em 2012, às vésperas dos feriados de final de ano,
foi sancionada a Lei 12.760, através da qual o índice de álcool no sangue
deixou de ser elementar do tipo penal e passou a ser tratado apenas como uma
das formas de constatar a embriaguez.
É nestes termos a redação do parágrafo primeiro do artigo
306:
I - concentração
igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou
superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo
Contran, alteração da capacidade psicomotora.
E o parágrafo segundo complementa, apontando que a
verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de
alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de
prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. No parágrafo
terceiro, a Lei determina que caberá ao
Contran dispor sobre a equivalência entre os distintos testes de
alcoolemia.
Estas regras vêm sendo aplicadas desde a publicação da Lei
12.760/2012, em 20 de dezembro de 2012, porém, a nosso ver, ainda hoje a única
forma de comprovar a embriaguez – nos termos da Lei – é através da concentração
de álcool no sangue.
Explica-se:
Consta no inciso II do artigo 306 que o Conselho Nacional de
Trânsito (Contran) deverá determinar quais são os sinais que indicam alteração
na capacidade psicomotora, mas ainda hoje não há essa regulamentação.
É de se perguntar: estes sinais seriam algo como andar
cambaleante? Ou seria “fala enrolada”? Seria reagir agressivamente quando
abordado? Seria ter garrafas de bebida no carro? Ou seria o hálito de quem
bebeu?
Que sinais são esses?
Trata-se, portanto, de Lei Penal em branco e que somente
poderá ser aplicada quando seu preceito primário estiver completamente
preenchido, sob pena de se violar o princípio da legalidade.
Os que defendem que a lei é autoaplicável apoiam-se nas
disposições do parágrafo 2º do artigo 306 do CTB e também na Resolução CONTRAN
n. 206, de 20 de outubro de 2006, de idêntico teor.
As formas de comprovação estão previstas na Lei e na
Resolução 206 do Contran, ma não existem indicações, na lei, tampouco na
resolução, de quais sejam os sinais que indicam estar o condutor embriagado.
Para melhor ilustrar
a diferença, afirma-se: um vídeo pode comprovar a embriaguez, pois que a lei
dispõe que essa é uma prova aceitável; mas, o que precisa conter nesse vídeo?
Qual circunstância ou comportamento de quem está sendo filmada indica a
existência da embriaguez? Seria a fala do condutor dizendo que bebeu? A sua
aparência cambaleante? A imagem de um motorista realizando manobras arriscadas?
Isso não se sabe, pois a legislador delegou esta tarefa para
o Contran, que ainda não a cumpriu.
Assim, enquanto não houver regulamentação pelo Contran,
somente o bafômetro e/ou exame de sangue são capazes de comprovar a embriaguez
necessária para configuração do crime do artigo 306 do CTB, sob pena de se
verem violados o princípio da legalidade e a segurança jurídica.
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