Reportagem de Zero Hora acompanhou um dos 96 apenados gaúchos que se voluntariaram para usar a tornozeleira eletrônica, e, de propósito, o detento passou por lugares que não estava autorizado a percorrer
O alerta começa com uma fisgada elétrica na perna, como um beliscão. O presidiário P., 26 anos, já sabe que terá de voltar em breve ao local de trabalho, um posto de saúde em Viamão, onde cumpre pena em regime aberto. Mas decide saborear o último pedaço de carne do prato, sem pressa – mesmo estando em Canoas, a pelo menos 30 quilômetros do local de serviço. A decisão custa caro.
Em segundos, um alarme dispara, vindo da tornozeleira presa ao corpo do presidiário. É como se um carro estivesse sendo roubado, uma sirene em tom baixo e persistente. Todos os olhares no restaurante se dirigem ao apenado, que vai saindo de fininho, fingindo que o barulho vem de um celular. Ele ainda coloca um dedo no aparelho, tenta desligar. O alerta não cessa. Ele sai, antes que a curiosidade alheia se transforme em desconfiança.
Zero Hora testemunhou a cena na sexta-feira, ao acompanhar um dos 96 apenados gaúchos que se voluntariaram para usar a tornozeleira eletrônica. Mediante acerto com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), acompanhou o detento P., morador de Guaíba, que cumpre pena de cinco anos e oito meses por assalto. Até junho, ele pernoitava no Instituto Penal de Viamão, um albergue prisional. Ao aceitar se submeter aos testes de monitoramento eletrônico, ganhou direito a dormir em casa. O preço a pagar: tem de usar o aparelho todo o tempo. Deita-se com ele. Toma banho e namora com a geringonça presa à perna. Almoça, janta, descansa e trabalha com o equipamento.
A principal dúvida de quem tem contato com o aparelho é se ele funciona. Nesse caso, funcionou. O sujeito que ZH acompanhou não pôde mesmo sair da linha, do contrário, sirenes e sinais luminosos começaram a fazer um escândalo em público. Uma barulheira que se repete na central de monitoramento na sede da Susepe, na Avenida Voluntários da Pátria, em Porto Alegre. No caso de P., ele saiu do roteiro habitual justamente para testar se os agentes penitenciários perceberiam seu desvio. Perceberam e fizeram o alarme soar.
– O alarme dispara e cessa depois de algum tempo, mas se o presidiário não se comunicar com a central para explicar por que saiu do trajeto usual, o alerta volta a soar – resume o superintendente adjunto da Susepe, Afonso Auler.
E como os agentes da Susepe sabem que o preso saiu do trajeto habitual? Via satélite. As tornozeleiras são receptores de sinais de satélite. Estão presas à perna do apenado por um lacre, que emite alertas sonoros se for violado. A central de monitoramento tem no computador um mapa da Região Metropolitana e os trajetos usuais dos presos que utilizam o monitor eletrônico. Eles têm permissão de ir de casa até o trabalho e, dali, voltar para casa. Caso desviem do percurso ou se atrasem para chegar no serviço, recebem um alerta elétrico indolor – algo como se um vibrador de celular tocasse junto à perna – e, depois, a tornozeleira dispara um alarme sonoro. Se tiver ocorrido um engano de rota ou um atraso no compromisso, o preso deve ligar para a Susepe. Quando ele não liga, a Susepe aciona a BM e informa onde o preso se encontra.
O aparelho é à prova d’água, justamente para que o apenado não o retire nem para tomar banho.
– Eu carrego a bateria dele enquanto durmo, umas duas horas bastam. Tô até acostumado. Todos do meu círculo familiar e amigos sabem que estou usando – descreve P.
Mesmo com possível constrangimento face a um alarme tocando, P. diz que está adorando a experiência. Pelo simples fato de poder se deslocar pelas ruas, sem grades:
– Me deram tratamento de ser humano. Vou retribuir como ser humano, não como uma fera enjaulada, disse o detento.
(Fonte: Clic RBS)
(Fonte: Clic RBS)
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