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segunda-feira, outubro 18

O direito à intimidade na Era da Internet


No final do mês de setembro, o Google Street View chegou ao Brasil. Trata-se de um serviço de mapeamento fotográfico das ruas, que teria como objetivo primeiro ajudar na localização de endereços. No entanto, a novidade de ter cada centímetro quadrado da cidade esquadrinhado e disponível na internet tem gerado relevante polêmica no que tange o direito à intimidade e à vida privada, além de grandes discussões acerca do possível comprometimento da segurança.

O serviço começou nos Estados Unidos da América em 2007, em cinco cidades. Hoje, está presente em 30 países. Aqui no Brasil, cobre 51 cidades, entre elas, três capitais (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte). A maioria das cidades em que a ferramenta está disponível está compreendida em regiões metropolitanas.

O passeio virtual por ruas e praças permite uma visualização de 360º na horizontal e 280º na vertical, abrangendo casas, construções, atrações turísticas, carros e pedestres que passavam no momento em que a foto foi tirada. Essas imagens são obtidas por um carro-fotógrafo, equipado com nove câmeras no teto, programadas para disparar a cada 10 metros. Depois de coletadas, as fotos são convertidas em uma única imagem por um software.


(Carro-fotógrafo e suas câmeras acopladas ao teto.)

Em São Paulo, apenas vilas, condomínios residenciais e “ruas privadas”, protegidos por lei municipal, não foram mapeados. O caso das favelas é similar, posto que é necessária a permissão do morador para a captura da imagem. Dessa forma, as favelas não foram incluídas no mapeamento.

O Google Street View se limita a fotografar imagens de ruas, avenidas e praças que, por definição, são locais públicos. Não há impedimento legal expresso do ato de fotografá-los. A maior discussão, no caso, gira em torno da publicação dessas imagens.

De antemão, há um recurso para “borrar” os rostos das pessoas e das placas de automóveis de modo a impossibilitar sua exata identificação. E a empresa afirma que é possível a retirada das imagens do ar, caso a pessoa incomodada assim solicitar.

Desde o lançamento do serviço, o Google tem sido alvo de inúmeros processos sob a alegação de invasão à privacidade. A maior resistência se encontra no continente europeu: na República Tcheca, o sistema foi banido; na Grécia, a captura de imagens do país está proibida; e na Alemanha, a empresa deve acatar a uma lista em que as pessoas se manifestam pela não publicação de suas imagens.

A Constituição brasileira estabelece a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Todavia, o Brasil ainda não conta com uma legislação específica que estabeleça limites precisos. Muitos questionam o respeito a esses direitos e, não raro, há menção à sensação de estar sendo permanentemente vigiado, como se vivesse o cenário construído por George Orwell na obra “1984”.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Túlio Vianna, doutor em Direito do Estado e professor de Direito Penal na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), fala sobre essa constante vigilância. Alega que a ferramenta de mapeamento fotografa apenas cenas urbanas, o que seria diferente do que ocorre no caso das câmeras de segurança que estão espalhadas por todos os cantos da cidade sob a justificativa de controle da criminalidade. Segundo Vianna, “vigiam-se a todos por antecipação, como se todos fossem suspeitos até que se prove o contrário”. O professor também chama atenção para o fato de que a população abre mão de certos direitos em prol da segurança sem que haja plena reflexão sobre a efetividade desse meio de controle – no caso, as câmeras.

Ainda no que diz respeito à questão da segurança, muito se tem debatido sobre a possibilidade do serviço ser utilizado por ladrões no planejamento de “arrastões” a condomínios. Ainda não há como tirar conclusões sobre a legitimidade desse receio. Mas é uma questão importante a ser debatida com a devida cautela.

A internet, sem sombra de dúvidas, facilita tanto a integração das pessoas, quanto a publicação de informações pessoais, o que não implica a perda do direito de não ser monitorado ou registrado e o de não ter seus dados divulgados. As pessoas têm o direito de decidir quais informações desejam publicar e quais devem ficar guardadas. Daí o grande tumulto quando há a publicação por terceiros, o que seria o caso do Street View, que, a princípio, pode tornar públicas informações pessoais sem esse consentimento da pessoa exposta.

Os problemas com a veiculação de dados por quaisquer pessoas se intensificaram não só com o advento da internet, mas com o rápido e constante desenvolvimento dos meios e instrumentos digitais, como é o caso das câmeras integradas aos celulares, que permitem a captura de imagens, a produção e a veiculação de vídeos a qualquer hora e lugar.

Em tempos de youtube, twitter e facebook, há um grande debate sobre a disponibilidade do direito à intimidade e à privacidade, na medida em que as informações são voluntariamente expostas pelos usuários dessas redes sociais. Ainda que não haja uma legislação consolidada a respeito dos temas tratados, aos poucos, estamos aprendendo, cultural e socialmente, a lidar com as consequências trazidas pelas inovações tecnológicas.

Fonte: IBCCrim (publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, 09/10/2010)

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