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sexta-feira, junho 24

Novela Insensato Coração versus D. Penal - Parte VI



E prossegue a novela com fatos interessantes para análise frente ao Direito Penal





DOS FATOS

No capítulo de ontem, quinta-feira (23), com a intenção de fazer cessar as chantagens, Norma determinou que Ismael (Juliano Cazarré) desse “um susto” no produtor cultural. Disse ela: "Tem que ser definitivo, mas sem pesar a mão. No fundo, o Milton é um covarde, um susto já vai deixar ele fora de ação".
Assim, quando Milton vai ao encontro de Norma é surpreendido por Ismael que, com emprego de violência e empunhando arma de fogo, afirma: "Se alguém ficar sabendo de alguma coisa da Norma, você vai amanhecer com a boca cheia de formiga, seu folgado, assim aprende a só se meter com quem pode! Tem uma azeitona aqui com o teu nome escrito. E, se bobear, tem outra para tua filha, quer companhia no inferno?".
Milton, bastante assustado - após levar vários socos - jura que ficará em silêncio e, logo após, empreende fuga. Ismael sai em seu encalço.   
Na tentativa de fugir, Milton cruza uma pista sem atentar ao trânsito e acaba sendo atropelado por um ônibus.


Ismael, que assiste ao atropelamento, afasta-se rapidamente do local.
Milton morre, em decorrência do atropelamento.

Carolina Cunha
DO DIREITO:

A ponderação quanto à responsabilidade criminal de Norma e Ismael, perpassa pelo exame dos institutos de Direito Penal, a seguir abordados:

ELEMENTO SUBJETIVO

Como é sabido, considera-se crime a conduta abstratamente descrita na lei incriminadora, sendo este composto por elementos de ordem objetiva e outros de ordem subjetiva.
A tipicidade objetiva surge a partir da realização do comportamento definido no preceito legal. O tipo penal objetivo é identificado através de um verbo nuclear, assim, no crime de ameaça o elemento objeto é “ameaçar” e, no delito de homicídio o elemento objetivo é “matar”.
Já a tipicidade subjetiva consiste na identificação da vontade do agente (animus agendi). Significando que só se poderá classificar um comportamento como tipicamente criminoso, se for possível reconhecer e identificar as intenções, a motivação, do sujeito, quando pratica tal conduta. Diante da conduta, deve-se, perguntar: “Qual o resultado que ele pretendia alcançar? O que esse sujeito queria fazer?”.
Sendo assim, resta-nos reconhecer que Norma tinha vontade de praticar o crime de ameaça, definido no artigo 147  do Código Penal Brasileiro (CPB) que consiste em: ameaçar alguém de causar-lhe mal injusto e grave.
O “animus” de Norma fica evidenciado nas seguintes expressões: “um susto” e “sem pesar na mão”.
Já, Ismael, embora tenha iniciado a empreitada criminosa movido pela vontade de ameaçar (cumprindo às ordens de Norma), quando ele sai do carro atrás de Milton - depois dele já haver cedido à ameaça e se comprometido a ficar silente -, modifica o dolo e, nos faz crer que, poderia querer matá-lo.

CONCURSO DE AGENTES

Norma e Ismael reuniram-se, de forma consciente e voluntária, para juntos cometerem o crime de ameaça. Ela, na posição de mandante e, ele, como executor.  
No entanto, conforme referido acima, durante a execução, Ismael, parece, ter mudando  o seu animus, a vontade original – de apenas ameaçar -  e passado a querer matar Milton.
Assim, de acordo com a teoria monística ou unitária, adotada pelo Código Penal Brasileiro (CPB), em seu artigo 29, ambos os concorrentes cometem o mesmo crime, ou seja, considera-se, para efeitos legais, que Norma – por estar em concurso de agentes – praticou a mesma conduta de Ismael. Ou seja, é como dizer que ambos deixaram de praticar o crime de ameaça e passaram a praticar o crime de homicídio (ou tentativa de, como se verá logo a seguir).
Por fim, vale mencionar que, o parágrafo 2º, do mesmo artigo 29, que dispõe: se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave, caracterizando o instituto da participação dolosamente distinta.

NEXO CAUSAL - RESULTADO -  SUPERVENIÊNCIA CAUSAL

O CPB,  em seu artigo 13, dispõe que o resultado (no caso, a morte) , de que depende a existência do crime (no caso, homicídio) somente é imputável a quem lhe deu causa. E, ainda de acordo com o CPB, considera-se causa a ação sem a qual o resultado não teria ocorrido.
O mesmo artigo ainda prevê, em seu parágrafo 1º, que a surpeveniência de causa relativamente independente exclui a imputação, quando, por si só, produziu o resultado.           
Assim, para que se possa descobrir a quem deve ser imputado o resultado morte, é preciso que sejam respondidos alguns questionamentos, principalmente aquele que estabelece o nexo causal, ou seja, quem deu causa a morte de Milton? A morte teria ocorrido sem as ameaças e a perseguição de Ismael?
As respostas exigidas são: Ismael deu causa a morte de Milton, porque sem as ameaças e  perseguição o resultado morte não teria ocorrido.
Contudo, a morte do produtor cultural Milton ocorreu em virtude de um atropelamento, circunstância que é superveniente ao comportamento de Ismael, embora seja dela dependente.
Vislumbra-se, no caso, a superveniência causal do parágrafo primeiro do artigo 13, de modo que esse resultado (morte por atropelamento) não poderá ser imputada ao agente Ismael, porque sozinha produziu o resultado
Desse modo, embora tenha querido matar Milton, Ismael não consumou o intento, por circunstâncias alheias à sua vontade, pois a vítima acabou atropelada (causa relativamente independente).  

CONCLUSÃO

Conclui-se, por todo o dito, que Ismael e Norma cometeram, em concurso de agentes, o crime de tentativa de homicídio, eis que, Ismael tinha o dolo de matar, mas por circunstâncias alheias a sua vontade, não consumou o intento.
Destaque-se que, sobre Norma, recairá a atenuante de pena prevista no artigo 29, parágrafo segundo, por ter querido, ela, participar do crime de ameaça.
Cabe ressaltar, que se restar demonstrado que Ismael não queria matar Milton, mas somente ameaçá-lo, ambos (Ismael e Norma) responderão, somente pelo crime de ameaça.  

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