Inquérito policial instaurado em 2002 pretendeu identificar integrantes de quadrilha interestadual de hackers que vinham praticando fraudes por meio da rede mundial de computadores, mediante o acesso fraudulento a contas-correntes e de poupança de terceiros, mantidas em bancos oficiais, causando prejuízos às instituições financeiras, tais como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.
Segundo apurado no inquérito, “os integrantes da chamada quadrilha dos ‘Batatas’, inicialmente subtraiam o dinheiro das contas-correntes lesadas, através de transferências bancárias realizadas para sua própria conta-corrente, de um parente ou amigo. No decorrer de suas descobertas criminosas, os “hackers” passaram também a quitar grande quantidade de títulos de créditos de terceiros, mediante pagamento de comissão equivalente a 50% sobre o valor de face ou então, em conluio com funcionários de Bancos e empresários, forjavam a emissão títulos de créditos fictícios, que eram quitados com dinheiro subtraído de contas correntes lesadas (sic)”.
O inquérito foi recebido em primeiro grau e tornou-se ação penal.
Julgada a ação penal, alguns acusados foram condenados.
Os condenados apelaram para o TRF/ 1.ª Região.
O juiz federal convocado Klaus Kuschel, relator da apelação criminal, levou-a a julgamento da 3.ª Turma.
O órgão entendeu que, embora o Banco do Brasil e outros bancos privados também tenham sido atingidos, compete à Justiça Federal julgar a causa, pois ela versa sobre vários delitos (furto por meio da internet) praticados contra a Caixa Econômica Federal (CEF), empresa pública federal.
A Turma afirma que a aplicação de várias espécies de fraudes para, a partir daí, subtrair valores de contas-correntes caracteriza o crime de furto mediante fraude (art. 155, § 4.º, do Código Penal), que não se confunde com o de estelionato, em que a vítima, ludibriada, entrega o bem.
Foi considerada acertada a decisão do juiz de primeiro grau, que atribuiu ao fato narrado na denúncia classificação jurídica diferente, conforme autorizado pelo artigo 383 do Código de Processo Penal, não tendo determinado o reinício do processo, como pretendiam os recorrentes. Além disso, os desembargadores entenderam que a não instauração de inquérito policial contra alguns réus da ação não impede a denúncia e a condenação deles.
A Turma registrou que em relação à alegada aplicação do princípio da insignificância, é necessária a observância aos seguintes fatores: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 8467/MS. HC 84412/SP). Portanto, no caso sob análise não se aplica o princípio, uma vez que “Essa nova modalidade de conduta criminosa, tratada nos autos, consistente em utilizar todo tipo de fraude para burlar o sistema de segurança das instituições financeiras e obter os dados sigilosos dos correntistas e, em consequência, furtar valores existentes nas contas-correntes, gera grande instabilidade na realização de operações financeiras pela internet, atingindo quantidade imensa de pessoas que se valem do serviço e causando grandes prejuízos para os bancos, ainda que os furtos sejam de pequeno valor, pois, em regra, embora de pequeno valor, são múltiplos furtos”.
Ademais, que o delito, geralmente, é praticado por agentes ou quadrilhas altamente especializadas para burlar o sistema e furtar o numerário e, portanto, apesar da inexpressividade dos valores furtados por alguns réus, a reprovabilidade do comportamento dos acusados não pode ser considerada reduzida.
A Turma consignou que “o crime de formação de quadrilha ou bando configura-se pela associação de mais de três pessoas, de forma permanente e estável, com a finalidade de cometer crimes, ou seja, há um acordo de vontades sobre a atuação duradoura em comum.
Difere-se do concurso de pessoas, em razão deste derivar de uma associação momentânea, de caráter transitório, para a prática de determinado crime, enquanto que, na quadrilha ou bando, os membros se associam para a prática de um número indeterminado de crimes”.
Entendeu que está caracterizada, nos autos, em relação a alguns, a estabilidade e a permanência na associação criminosa, bem como a existência de vínculo psicológico entre os recorrentes, para a prática de crimes de furto mediante fraude pela internet. Entretanto, que o réu que obteve proveito econômico com a quitação, por exemplo, de contas telefônicas ou boletos bancários de financiamento de veículo pagos com dinheiro do furto, ainda que essa conduta tenha se repetido diversas vezes, “não pode ser condenado pelo crime de quadrilha se mantinha vínculo psicológico e subjetivo apenas com a pessoa a quem se dirigiu para obter o intento criminoso, sem aderir às vontades dos outros membros do grupo. Sem haver demonstração, prova, de que ele estava unido ou conscientemente aderiu ao grupo criminoso, com a intenção de praticar, permanentemente, diversos delitos, não se pode imputar a prática do crime de quadrilha”.
A Turma entendeu ainda que ficou comprovada a materialidade do delito pelos relatórios produzidos pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, a partir de documentos apreendidos nas residências dos fraudadores, pelos quais se identificou a relação de contas fraudadas, os beneficiários, as datas das transações e os valores transferidos ilicitamente. Houve, também, apreensão de documentos e equipamentos de informática, que, periciados, comprovaram a existência dos programas usados para consecução do crime.
O órgão julgador considerou que a autoria delitiva está comprovada diante dos interrogatórios e diálogos gravados com autorização judicial, que provam que os acusados se associaram com o propósito de subtrair, por meio da internet, valores mantidos em contas de depósito em instituições financeiras, utilizando-se de programas de computador para captura de senhas. Além dos saques de valores desviados e quitação de títulos de terceiros, também efetuavam o pagamento de contas telefônicas, mediante comissão sobre o valor de face, sempre com recursos subtraídos das contas-correntes lesadas.
A Turma manteve a sentença absolutória quanto aos acusados de ter conta telefônica paga com dinheiro furtado, que apresentaram justificativa plausível para tanto e contra os quais a acusação não provou estreita relação com crackers que efetuaram os pagamentos. Registrou ainda que não se pode imputar a alguns réus responsabilidade penal pela quitação de contas telefônicas com dinheiro subtraído, quando ficou provado que terceiro era responsável pelo pagamento das faturas. A Turma decidiu afastar a pena de multa quanto ao crime de quadrilha, pois o art. 288 do Código Penal não a prevê, e considerar indevida a aplicação da agravante da pena, pois não há provas nos autos de que os réus induziram ou incentivaram outros à prática material da fraude.
Nº do Processo: 0001072-52.2004.4.01.3901
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região
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