Começou na manhã de segunda-feira (29), na Sala de Conferências do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o seminário A Reforma do Código de Processo Penal. A proposta do evento, idealizado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura – que compõe a Sexta Turma, especializada em matéria criminal –, é aperfeiçoar os servidores da Casa e demais participantes nas novas diretrizes do CPP, refletindo, de forma profunda, sobre seus pontos mais polêmicos.
Maria Thereza de Assis Moura abriu os trabalhos saudando a jurista Ada Pellegrini Grinover, que foi convidada para dar uma visão panorâmica dos principais pontos da reforma à plateia formada pelos ministros Og Fernandes, Laurita Vaz, Isabel Gallotti, Sebastião Reis Júnior, Humberto Martins e Adilson Macabu (desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), além de outros magistrados, servidores e advogados. “É uma honra receber a professora Ada, que dispensa qualquer apresentação, pois ela é nossa professora sempre, além de ser considerada a mãe da reforma do CPP”, afirmou a ministra.
Ada Pellegrini definiu sua palestra como aula inaugural e, desse modo, fez uma recapitulação de todas as etapas envolvidas no projeto da reforma do CPP. “A reforma remonta ao ano de 2000, quando o ministro da Justiça José Carlos Dias convidou o Instituto Brasileiro de Direito Processual a apresentar propostas de alteração do código para posterior encaminhamento ao Congresso Nacional. Desse modo, formamos uma comissão que, depois de seis meses de trabalho, apresentou a redação final de seus sete anteprojetos: Investigação criminal; Procedimentos, suspensão do processo e efeitos da sentença penal condenatória; Provas; Interrogatório do acusado e defesa efetiva; Prisão, medidas cautelares e liberdade; Júri; Recursos e ações de impugnação.”
A professora explicou que a decisão por uma reforma, e não por um código totalmente novo, teria mais chances de obter a aprovação no Legislativo. Entretanto, até o momento, não foram aprovadas as alterações propostas sobre os tópicos Investigação criminal e Recursos e ações de impugnação. “A parte que trata da investigação criminal é a mais polêmica de todas, porque há um embate político entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária sobre quem deve comandar o processo de investigação. O texto propõe que MP e Polícia trabalhem em conjunto, mas as divergências corporativas emperram a aprovação. Vamos ter de encontrar uma solução para esse embate”, ressaltou Pellegrini.
Alforria
A jurista também defendeu a inovação no CPP referente às opções de medidas cautelares em substituição à prisão preventiva: “Equivocadamente, o novo leque de medidas pode ser visto com uma espécie de alforria para os acusados, por ser mais benéfico. Todavia, é uma questão de posição filosófica: não há necessidade de prisão, a não ser quando ela é realmente indispensável. Com a série de medidas cautelares à disposição do juiz, além da revitalização da fiança, ele poderá escolher a mais adequada a cada caso. Se uma medida cautelar mais suave e eficiente já basta, não há motivo para decretar a prisão, que deve continuar como medida extrema. É uma tendência do Direito mundial.”
A jurista defendeu, ainda, a criação de um novo código: “Seria necessária a elaboração de um novo CPP diante da promulgação de toda a legislação reformuladora? Entendo que sim. Seria benéfico, pois essa reforma não tratou especificamente da figura do juiz da sentença. A questão das interceptações telefônicas também me preocupa. Nós temos uma lei sobre o tema que não é cumprida pelo Judiciário. Há problemas de prazo, de fundamentação, de acesso a esse tipo de prova... O tratamento das interceptações e do habeas corpus deveria entrar na reforma do CPP. Afinal, habeas corpus hoje virou panaceia para a defesa das partes. É preciso reduzir o âmbito do HC para o seu fim estrito”, concluiu.
Questionada pela ministra Maria Thereza acerca da existência de dois momentos para o recebimento da denúncia contidos na nova redação do CPP, Pellegrini respondeu: “Formalmente, temos dois momentos, um antes da defesa prévia e outro depois, mas se entendermos que é necessário o segundo momento, para que fazer o primeiro? É preciso interpretar a lei de modo razoável. É completamente inútil o recebimento da denúncia prévia. É suficiente apenas a denúncia posterior. Acredito que essa interpretação valha para todos os procedimentos, pois se trata de um princípio de ordem geral.”
O segundo palestrante da manhã, o advogado e professor da Universidade de São Paulo Maurício Zanóide de Moraes, participou do debate sobre os dois momentos para o recebimento da denúncia e acrescentou que a proposta da reforma era desburocratizar o código, mas o texto foi modificado pelos congressistas: “Agora temos dois recebimentos formais, quando o primeiro seria apenas um recebimento e o segundo uma confirmação do recebimento.” Pensamento corroborado pela ministra: “Nisso é que dá fazer alterações de última hora no processo legislativo. Depois a gente precisa conviver com elas.”
Ranço antigo
Finalizando os trabalhos do dia, o professor Zanóide de Moraes apresentou sua visão sobre “Medidas Cautelares Penais e a Proporcionalidade na Análise Judicial”. De acordo com o palestrante, existe erro de interpretação na aplicação da proporcionalidade no Direito Brasileiro: “A proporcionalidade é aplicada com o intuito de proteger os direitos fundamentais. É uma barreira, um filtro de constitucionalidade para limitar as restrições aos direitos fundamentais. Entretanto, o desvirtuamento da proporcionalidade no Brasil fez o instrumento virar uma chave mágica que dissolve tudo para se adequar ao que é pretendido.”
Debatendo a aplicação da proporcionalidade na prisão em flagrante e na prisão preventiva, os dois momentos que o professor considera “mais tensos” na rotina do juiz, Zanóide de Moraes apontou outro erro do legislador em relação à matéria: “A liberdade não é provisória. Provisória é a prisão. O legislador de 2011 não conseguiu se livrar do ranço de 1941. Chamar a liberdade de provisória é acreditar que a prisão é regra e não exceção. A função da proporcionalidade é depurar as restrições à liberdade, pois é ela quem precisa tutelar o princípio da liberdade”, ponderou.
Os debates sobre a Reforma do Código de Processo Penal continuam na manhã desta quarta-feira (31), com as palestra “Medidas Alternativas e Fiança”, sob a responsabilidade do professor da Universidade de São Paulo Gustavo Henrique Badaró; e na sexta (2), com a exposição do também professor da Universidade de São Paulo Antonio Scarance Fernandes, sobre “Modalidades de Prisão e a Reforma do Código de Processo Penal”.
Maria Thereza de Assis Moura abriu os trabalhos saudando a jurista Ada Pellegrini Grinover, que foi convidada para dar uma visão panorâmica dos principais pontos da reforma à plateia formada pelos ministros Og Fernandes, Laurita Vaz, Isabel Gallotti, Sebastião Reis Júnior, Humberto Martins e Adilson Macabu (desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), além de outros magistrados, servidores e advogados. “É uma honra receber a professora Ada, que dispensa qualquer apresentação, pois ela é nossa professora sempre, além de ser considerada a mãe da reforma do CPP”, afirmou a ministra.
Ada Pellegrini definiu sua palestra como aula inaugural e, desse modo, fez uma recapitulação de todas as etapas envolvidas no projeto da reforma do CPP. “A reforma remonta ao ano de 2000, quando o ministro da Justiça José Carlos Dias convidou o Instituto Brasileiro de Direito Processual a apresentar propostas de alteração do código para posterior encaminhamento ao Congresso Nacional. Desse modo, formamos uma comissão que, depois de seis meses de trabalho, apresentou a redação final de seus sete anteprojetos: Investigação criminal; Procedimentos, suspensão do processo e efeitos da sentença penal condenatória; Provas; Interrogatório do acusado e defesa efetiva; Prisão, medidas cautelares e liberdade; Júri; Recursos e ações de impugnação.”
A professora explicou que a decisão por uma reforma, e não por um código totalmente novo, teria mais chances de obter a aprovação no Legislativo. Entretanto, até o momento, não foram aprovadas as alterações propostas sobre os tópicos Investigação criminal e Recursos e ações de impugnação. “A parte que trata da investigação criminal é a mais polêmica de todas, porque há um embate político entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária sobre quem deve comandar o processo de investigação. O texto propõe que MP e Polícia trabalhem em conjunto, mas as divergências corporativas emperram a aprovação. Vamos ter de encontrar uma solução para esse embate”, ressaltou Pellegrini.
Alforria
A jurista também defendeu a inovação no CPP referente às opções de medidas cautelares em substituição à prisão preventiva: “Equivocadamente, o novo leque de medidas pode ser visto com uma espécie de alforria para os acusados, por ser mais benéfico. Todavia, é uma questão de posição filosófica: não há necessidade de prisão, a não ser quando ela é realmente indispensável. Com a série de medidas cautelares à disposição do juiz, além da revitalização da fiança, ele poderá escolher a mais adequada a cada caso. Se uma medida cautelar mais suave e eficiente já basta, não há motivo para decretar a prisão, que deve continuar como medida extrema. É uma tendência do Direito mundial.”
A jurista defendeu, ainda, a criação de um novo código: “Seria necessária a elaboração de um novo CPP diante da promulgação de toda a legislação reformuladora? Entendo que sim. Seria benéfico, pois essa reforma não tratou especificamente da figura do juiz da sentença. A questão das interceptações telefônicas também me preocupa. Nós temos uma lei sobre o tema que não é cumprida pelo Judiciário. Há problemas de prazo, de fundamentação, de acesso a esse tipo de prova... O tratamento das interceptações e do habeas corpus deveria entrar na reforma do CPP. Afinal, habeas corpus hoje virou panaceia para a defesa das partes. É preciso reduzir o âmbito do HC para o seu fim estrito”, concluiu.
Questionada pela ministra Maria Thereza acerca da existência de dois momentos para o recebimento da denúncia contidos na nova redação do CPP, Pellegrini respondeu: “Formalmente, temos dois momentos, um antes da defesa prévia e outro depois, mas se entendermos que é necessário o segundo momento, para que fazer o primeiro? É preciso interpretar a lei de modo razoável. É completamente inútil o recebimento da denúncia prévia. É suficiente apenas a denúncia posterior. Acredito que essa interpretação valha para todos os procedimentos, pois se trata de um princípio de ordem geral.”
O segundo palestrante da manhã, o advogado e professor da Universidade de São Paulo Maurício Zanóide de Moraes, participou do debate sobre os dois momentos para o recebimento da denúncia e acrescentou que a proposta da reforma era desburocratizar o código, mas o texto foi modificado pelos congressistas: “Agora temos dois recebimentos formais, quando o primeiro seria apenas um recebimento e o segundo uma confirmação do recebimento.” Pensamento corroborado pela ministra: “Nisso é que dá fazer alterações de última hora no processo legislativo. Depois a gente precisa conviver com elas.”
Ranço antigo
Finalizando os trabalhos do dia, o professor Zanóide de Moraes apresentou sua visão sobre “Medidas Cautelares Penais e a Proporcionalidade na Análise Judicial”. De acordo com o palestrante, existe erro de interpretação na aplicação da proporcionalidade no Direito Brasileiro: “A proporcionalidade é aplicada com o intuito de proteger os direitos fundamentais. É uma barreira, um filtro de constitucionalidade para limitar as restrições aos direitos fundamentais. Entretanto, o desvirtuamento da proporcionalidade no Brasil fez o instrumento virar uma chave mágica que dissolve tudo para se adequar ao que é pretendido.”
Debatendo a aplicação da proporcionalidade na prisão em flagrante e na prisão preventiva, os dois momentos que o professor considera “mais tensos” na rotina do juiz, Zanóide de Moraes apontou outro erro do legislador em relação à matéria: “A liberdade não é provisória. Provisória é a prisão. O legislador de 2011 não conseguiu se livrar do ranço de 1941. Chamar a liberdade de provisória é acreditar que a prisão é regra e não exceção. A função da proporcionalidade é depurar as restrições à liberdade, pois é ela quem precisa tutelar o princípio da liberdade”, ponderou.
Os debates sobre a Reforma do Código de Processo Penal continuam na manhã desta quarta-feira (31), com as palestra “Medidas Alternativas e Fiança”, sob a responsabilidade do professor da Universidade de São Paulo Gustavo Henrique Badaró; e na sexta (2), com a exposição do também professor da Universidade de São Paulo Antonio Scarance Fernandes, sobre “Modalidades de Prisão e a Reforma do Código de Processo Penal”.
Fonte: Site do STJ
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