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sexta-feira, novembro 4

Estudo mostra que projetos sobre penas mais duras geram distorções



Para relator, propostas em análise na Câmara sobre segurança pública criam uma desproporção: crimes leves são punidos de forma muito severa, enquanto as condutas graves implicam sanções mais brandas.

Estudo aponta que propostas sobre segurança pública em tramitação na Câmara buscam penas mais rigorosas para crimes. Elaborado pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Ministério da Justiça, o trabalho “Análise das justificativas para a produção de normas penais” pesquisou 100 projetos de lei entre 1988 e 2006 e identificou que a maioria tipifica novos crimes e endurece as sanções. No total, são 837 propostas de alterações legais – só quatro delas foram na direção oposta, de diminuir penas ou descriminalizar condutas.

O documento foi apresentado à Subcomissão Especial de Crimes e Penas. O objetivo é contribuir com o trabalho do grupo que discute a proporcionalidade das sanções no Código Penal (Decreto-lei 2.848/40). Segundo Luiz Antônio Bressane, que coordenou o estudo do ministério para ajudar nos debates do Legislativo, a percepção de impunidade por parte da sociedade muitas vezes leva os deputados a propor um endurecimento das penas, o que pode gerar distorções.

Sanções desproporcionais

O relator da subcomissão, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), avalia que o documento demostra que o Parlamento realmente tem tratado a questão penal de forma equivocada. A reforma pontual, agravando a pena de um único crime, piora o sistema penal brasileiro na opinião do relator, porque cria uma desproporção: crimes leves com penas duras, e crimes gravíssimos com sanções leves.

“Isso tem que acabar. A cada crime de grande repercussão na imprensa, um parlamentar aumenta a pena desse ou daquele crime. Por isso, queremos olhar para o Código Penal como um sistema e adequar as punições à gravidade das condutas”, explicou.

Entre os exemplos citados de crimes cujas penas são desproporcionais, está o de falsificação de remédios ou cosméticos, que pode levar de 10 a 15 anos de prisão, enquanto o homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos de cadeia.

Penas alternativas

Outro ponto levantado pelo estudo é o de que a pena proposta nos projetos é sempre a prisão. Molon defende penas alternativas para algumas condutas. Em sua opinião, é preciso estabelecer uma relação entre o crime praticado, o dano causado à sociedade, e a pena alternativa a que a pessoa será condenada. "No caso de um indivíduo que destrói o patrimônio público, mais interessante do que prendê-lo, é obrigá-lo a restituir o erário. Obrigá-lo a consertar, varrer uma rua, pintar uma escola, servir num hospital, trabalhar como voluntário no resgate de pessoas que sofreram acidentes”, disse.

Molon deve apresentar seu relatório sobre a proporcionalidade das penas no fim do ano. Antes disso, a subcomissão vai promover três seminários para debater o tema. Na segunda-feira (7), em Recife; no dia 21, em Curitiba; e no dia 12 de dezembro, em Brasília.

Insignificância

Outro estudo foi apresentado à subcomissão pela pesquisadora Ana Carolina Oliveira, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). É possível que o colegiado estabeleça no Código Penal o princípio da insignificância – medida defendida pela estudiosa. Na opinião de alguns juristas, certos crimes praticados são de tão baixo potencial ofensivo ou sem nenhuma periculosidade que não deveriam iniciar um processo.

É o caso de furtos de valores muito pequenos, de comida, produtos de higiene ou ferramentas de trabalho. Segundo Ana Carolina, casos famosos como o de uma pessoa presa por dois anos pelo furto de R$ 7 enquanto aguarda julgamento ensejam habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), e têm entrado para a jurisprudência, que apoia a insignificância de alguns crimes.

De acordo com a pesquisadora, outro parâmetro é a Lei 11.033/04, que estabeleceu que a execução fiscal de débitos da dívida ativa com a União só serão levados à Justiça a partir do valor de R$ 10 mil. “Se uma lei admite que é mais caro processar do que perseguir uma sonegação, devemos levar em conta se a perseguição de um crime vale à sociedade o quanto se procura reparar”, afirmou.

Relatório sobre crimes e penas será analisado por comissão de juristas

Os projetos de lei a serem propostos pela Subcomissão Especial de Crimes e Penas também serão analisados pelo grupo de juristas do Senado que discute a reforma do Código Penal (Decreto-lei 2.848/40). A informação é do relator da subcomissão, deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Ele participou da reunião dos juristas desta sexta-feira (4) e avaliou que a parceria entre Câmara e Senado vai dar agilidade à tramitação das propostas.

“Tudo o que for proposto na Câmara será revisto no Senado e vice-versa. Então, para evitar que a gente perca tempo, por que não dialogar antes da apresentação dos projetos, ganhar tempo e, portanto, fazer mais justiça?”, declarou Molon.

O presidente da comissão de juristas, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assegurou que o trabalho conjunto também ajudará na revisão do Código Penal. “Evidentemente que o grupo de juristas tem uma amplitude maior do que a subcomissão, mas se tivermos o entrosamento entre as duas, certamente o processo legislativo será facilitado”, disse o ministro.

A subcomissão de crimes e penas, que integra a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, discute desde agosto a criação de uma proposta que diminua a distorção existente na lei penal atual, que prevê penas muito duras para crimes leves e punição branda para infrações hoje consideradas graves. “Não é razoável, por exemplo, que quem falsifique cosmético receba uma pena mínima de dez anos, se a pena mínima de homicídio é de seis anos. Não pode ser mais grave falsificar um cosmético do que matar uma pessoa”, criticou Molon.

Comoção

O relator da subcomissão avaliou que as distorções entre as penas previstas na legislação penal foram criadas por leis aprovadas para dar resposta à comoção social em relação a algum crime de grande repercussão, sem que isso seja de fato eficiente.

Molon citou que, entre os 350 projetos em análise pela subcomissão, está um que pretende aumentar a pena de quem sequestrar uma criança para criar como sua, apresentado como resposta a um episódio famoso em 2002 - o sequestro do menino Pedrinho, em Brasília. Mas, segundo o deputado, a proposta, se aprovada, tornaria a pena desse caso maior do que a aplicada para quem tenta vender uma criança.

“A história tem mostrado que a legislação sob emoção tem feito muito mal para o Brasil. Simplesmente aumentar as penas dos crimes após uma grande repercussão desequilibra a proporção que deve existir no Código Penal”, destacou. Por isso, ele defendeu que a mudança nos crimes e penas só seja possível por meio de lei complementar, que requer maioria absoluta dos deputados e senadores. Essa proposta também tem o apoio do jurista Rene Dotti, integrante da comissão do Senado. “Hoje, temos uma legislação fragmentada, por conta do Direito Penal de ocasião”, disse.

A subcomissão de crimes e penas ainda vai realizar quatro seminários antes da apresentação do relatório final. Já estão previstos eventos em Recife, Curitiba e Brasília.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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