Matéria da colunista da Folha de São Paulo, Cláudia Antunes, noticia que uma pessoa em cada grupo de 262 adultos está presa no Brasil.
Em 1995, essa proporção era de 1 para 627.
Em São Paulo, com um quinto da população brasileira e um terço dos presos, um em 171 está na cadeia.
Entre 1995 e junho de 2011, a taxa de encarceramento (número de presos para cada cem mil habitantes) brasileira quase triplicou. É a terceira maior entre os dez países mais populosos e põe em questão custos e benefícios de ter tantos presidiários.
A polêmica é semelhante à travada nos EUA, recordista em presos e onde a tese dominante de que só a prisão de todos os infratores habituais leva à redução de crimes é cada vez mais questionada.
O início da onda de encarceramento no Brasil foi uma reação ao aumento da violência urbana. A taxa de homicídios passou de menos de 15 por 100 mil pessoas em 1980 para quase 25 em 1990, chegando a 30 em 2003.
Hoje, estudiosos como Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, e Pedro Abramovay, da FGV-RJ, apontam a contribuição desproporcional de acusados de tráfico para o crescimento da população carcerária. Segundo eles, é uma consequência da aplicação equivocada da Lei de Drogas de 2006. A lei livrou usuários de prisão e estabeleceu pena mínima de cinco anos para traficantes, sem direito à liberdade provisória.
O resultado foi oposto ao esperado, e “uma massa que fica na fronteira entre o tráfico e o uso” lota as cadeias, diz Abramovay. Os presos por tráfico quadruplicaram em seis anos, para 117 mil, 40% deles em São Paulo.
“A polícia tem recursos finitos, e os usa para prender pessoas não violentas que serão violentas quando saírem da prisão”, afirma ele.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, presidente da comissão de reforma do Código Penal do Senado, diz que há uma combinação de “cultura da prisão” com deficiência das defensorias públicas estaduais.
Com um presidiário típico jovem e pobre, isso resulta em muitos detentos sem julgamento (cerca de 40%, contra 21% nos EUA) e acusados de furto, estes em número maior do que os que respondem por assassinato.
Em mutirão recém realizado pelo Conselho Nacional de Justiça em 25 Estados, só a revisão administrativa de processos, sem mudar sentenças, beneficiou 72,6 mil presos -36,8 mil libertados. “Furto não é caso de prisão”, diz Dipp, para quem só crimes “gravíssimos” ou violentos merecem cadeia.
Especialistas divergem sobre eficácia da prisão
Não há consenso sobre o efeito do encarceramento na criminalidade. O estudo mais conhecido, feito nos EUA pelo economista Steven Levitt, diz que, para cada ponto de variação na população carcerária, o impacto na criminalidade é de 0,147 ponto.
O aprisionamento é uma de sete variáveis que, segundo Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), explicam 70% da incidência de homicídios no Brasil -as outras são renda, desigualdade, efetivo policial, proporção de jovens na população, disponibilidade de armas de fogo e de drogas.
Mas é difícil isolar o efeito do encarceramento, porque quanto maior o volume de crimes, maior a quantidade de presos. Não há coerência entre os Estados. O Paraná, por exemplo, tem taxas altas de encarceramento e homicídios, enquanto São Paulo reduziu a taxa de homicídios em mais de 60% na última década.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança, diz que essa queda em São Paulo foi efeito direto do aumento de prisões, mesmo que só 9,28% dos presos no Estado respondam por assassinato.
Luciana Guimarães, do Instituto Sou da Paz, aponta outras causas: o sucesso do desarmamento, depois do estatuto de 2003, e o combate aos grupos de extermínio.
Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça, cita o investimento em informação e o fato de um só grupo, o PCC, controlar o narcotráfico.
Desde os anos 90, houve duas leis principais para tentar conter a expansão carcerária. A 9.714, de 98, ampliou as punições alternativas. Antes, só penas de até um ano de prisão podiam ser substituídas por multa, serviço comunitário etc. A substituição passou a ser possível em penas de até quatro anos.
Desde então, estima-se que mais de 700 mil penas alternativas tenham sido adotadas, sem o efeito pretendido.
O juiz Luciano Losekann, coordenador do mutirão carcerário do CNJ, diz que ocorreu uma ampliação da “malha penal” -pequenos delitos passaram a ser tratados na esfera criminal. Ele atribui o fenômeno ao conservadorismo do Judiciário e à falta de estrutura nos Estados para fiscalizar o cumprimento das penas.
Os dois fatores podem comprometer também a eficácia da lei 12.403, de 2011. Ela permitia a troca da prisão provisória (quando o acusado espera julgamento) por nove medidas cautelares, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica.
Fonte: Folha de São Paulo
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