A comissão que elabora o anteprojeto do novo Código Penal
aprovou nesta sexta-feira (11) proposta que cria a responsabilização penal da
pessoa jurídica por atos praticados contra a ordem econômica e financeira e
contra a economia popular, bem como pelas condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente e à administração pública. Atualmente, não há
responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil, exceto em relação ao meio
ambiente.
A mudança foi saudada como uma grande inovação pelo
presidente da comissão. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson
Dipp acredita que, com isso, será preenchido um vácuo na legislação. “Quando se
sabe que é uma infração à norma penal, e não apenas administrativa, existe um
peso, um estigma, um caráter único e maior, diferente do civil. Isso
repercutirá junto às empresas e aos seus dirigentes pelas consequências que
tem”, comentou.
As penas preveem multa, restrição de direitos, prestação de
serviços à comunidade e perda de bens e valores. Entre as penas restritivas de
direito, estão previstas a suspensão parcial ou total de atividades; a
interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; a proibição de
contratar com o poder público e de obter subsídios, subvenções ou doações, bem
como de contratar com instituições financeiras oficiais.
Outra inovação aprovada é a possibilidade de responsabilizar
a pessoa jurídica independentemente da responsabilização das pessoas físicas –
o que a jurisprudência atual não reconhece.
O relator do anteprojeto, procurador-regional da República
Luiz Carlos Gonçalves, explicou que, pela proposta, uma empresa que comande a
prática de atos de corrupção receberá também sanções penais compatíveis com a
sua natureza. “Há esse sentimento de que muitas vezes a pessoa jurídica se vale
de funcionários como ‘laranjas’, que depois até são responsabilizados, mas a
pessoa jurídica sai ilesa”, comentou.
A norma teve a seguinte redação: “As pessoas jurídicas de
direito privado ou empresas públicas que intervém no domínio econômico serão
responsabilizadas pelos atos praticados contra a administração púbica, a ordem
econômica e financeira, contra a economia popular, bem como pelas condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, nos casos em que a infração
seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”
Milícia
Outra grande inovação foi a aprovação de um tipo penal que
caracteriza as milícias como modalidade de organização criminosa. O ministro
Dipp recordou a reunião que a comissão de juristas teve com secretários de
segurança pública, em fevereiro, em que eles reivindicaram de forma unânime a
tipificação da prática de milícias. “É um avanço, porque são condutas que não
existiam antes e que apenas nos dias de hoje vemos a necessidade de que sejam
configuradas no Código Penal”, afirmou.
Foi tipificada a conduta de “exercer, mediante violência ou
grave ameaça, domínio ilegítimo sobre espaço territorial determinado,
especialmente sobre os atos da comunidade ou moradores, mediante a exigência de
entrega de bem móvel ou imóvel a qualquer titulo ou valor monetário periódico.”
O tipo vale para os casos em que policiais exigem vantagens
pela “prestação de serviço de segurança privada, transporte alternativo,
fornecimento de água, energia elétrica, sinal de televisão, internet, venda de
gás liquefeito de petróleo, ou qualquer outro serviço ou atividade não
instituída ou autorizada pelo poder público”.
A pena será de quatro a 12 anos de prisão – maior que a pena
prevista para organização criminosa, de três a dez anos. O procurador Gonçalves
disse que “a milícia se caracteriza pelo domínio territorial ilegítimo de um
lugar. Ela domina aquele lugar, como se fosse o poder público, e acaba
constrangendo as pessoas mediante violência”, explicou.
Crime continuado
A comissão aprovou mudança no artigo 71 do CP, que trata do
crime continuado. Pela regra atual, quando a pessoa pratica vários crimes da
mesma espécie, no mesmo local, com as mesmas condições, a pena do mais grave é
triplicada, o que por vezes era benéfico, como nos casos de chacina. Pela
sugestão dos juristas, essa fórmula não se aplicará aos casos de crimes dolosos
que causem morte ou aos crimes de estupro contra vítimas diferentes. Nesses
casos, as penas serão somadas.
Tempo máximo
O limite máximo de cumprimento de pena ficou mantido em 30
anos. Nesse ponto houve grande debate e os juristas levaram em conta argumentos
como o aumento da expectativa de vida da população brasileira desde 1940, ano
do Código Pena atual, e a falta de estrutura carcerária brasileira.
No entanto, a comissão aprovou alteração para o caso de o
preso, já no cumprimento da pena, cometer novo crime. Nesse caso, a unificação
de pena seguirá a seguinte norma: “Sobrevindo condenação por fato posterior ao
início do cumprimento da pena, ao restante da pena ainda por executar
somar-se-á pena imposta pelo novo crime, limitada a unificação em 40 anos.”
O procurador Gonçalves contou que o crime organizado
utiliza-se do mecanismo atual para cooptar presos que já estão cumprindo a pena
máxima (30 anos). “Como está hoje, se o preso praticasse um novo crime no
primeiro dia de cumprimento de pena, apenas um dia seria acrescido na pena
desses detentos. Isso faz com que o crime organizado alicie esses presos até
mesmo para assumir autorias de crimes”, revelou o relator do anteprojeto. Com a
mudança, a nova pena será somada à anterior, respeitado o limite de 40 anos
para cumprimento.
Livramento condicional
Ainda na parte de cumprimento de pena, a comissão aprovou a
revogação do livramento condicional, porque entendeu que estava concorrendo com
a progressão de regime. Porém, incluiu na proposta do novo Código Penal uma
determinação de que, se por culpa do poder público, não se assegurar ao apenado
o direito a cumprir pena no regime semiaberto, ele progredirá diretamente ao
regime aberto.
“O poder público tem que construir os estabelecimentos
adequados ao cumprimento da pena. E se não age nesse sentido, e o preso tiver
direito, irá para o regime menos gravoso”, explicou o procurador Gonçalves.
Indígena
Os juristas decidiram também aplicar aos indígenas as
disposições do erro sobre a ilicitude do fato. A regra será válida quando o
índio pratica o ato de acordo com as crenças, tradições ou costumes de seu
povo. Nesses casos, o cumprimento da pena, quando possível, se dará em
semiliberdade ou regime mais favorável, no local de funcionamento da Funai mais
próximo à aldeia.
A comissão aprovou também a obrigatoriedade do laudo
antropológico para auxiliar o juiz no julgamento. Na medida em que for
compatível com a proteção dos direitos humanos, o indígena deverá ser
penalizado segundo as tradições de sua cultura.
Relações de consumo
Um novo título foi criado na proposta do Código Penal para
abrigar 17 artigos sobre crimes contra as relações de consumo. Os juristas
compilaram sete leis que trazem, atualmente, condutas lesivas aos consumidores,
especialmente à saúde. Entre os tipos está, por exemplo, o emprego na reparação
de produto de peça ou componente usado, sem autorização do consumidor, tornando
o produto nocivo ou perigoso. A pena será de seis meses a dois anos de prisão.
Favorecer ou preferir, sem justa causa, algum comprador
também renderá pena idêntica – no máximo dois anos de prisão. O procurador
Gonçalves explicou que a pena não deverá ultrapassar esse teto, nos crimes
contra as relações de consumo, para que as ações possam ser decididas nos
Juizados Especiais Criminais.
Próximas reuniões
A comissão, formada por 15 juristas, volta a se reunir no
Senado no dia 21 de maio, às 10h. Também estão previstos encontros nos dia 25 e
28 deste mês. O texto do anteprojeto do novo Código Penal será entregue à
presidência do Senado no final do mês de junho.
Fonte: Site do STJ
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