Sempre é bom ver políticos defendendo uma ideia. Ainda que
seja só uma e de natureza conservadora. Mas poderíamos combinar algumas coisas.
Primeiro: sempre que alguém fizer afirmação sobre relações causais, deve
indicar sua fonte.
Desta forma, é possível checar os dados, avaliar a
metodologia empregada e saber até que ponto as conclusões agregam consenso
científico. Se não for assim, só o que se estimula é o medo e o preconceito, o
que termina por interditar o debate, em vez de promovê-lo.
O “Manifesto contra a descriminalização das drogas”,
divulgado esta semana e assinado por políticos, entidades médicas e religiosas
é – independentemente da intenção de seus autores – uma peça em favor da
interdição do debate e em nenhum momento um convite à reflexão. Ele faz muitas
afirmações, mas não indica uma só referência.
Diz, por exemplo, que a experiência de Portugal – que
descriminalizou a posse de drogas em 2001 – é um fracasso. Talvez seja. Mas
aquele que é, possivelmente, o mais amplo estudo sobre esta experiência, o
Relatório do Cato Institute, dos EUA – Drug Decriminalization in Portugal:
Lessons for Creating Fair and Successful Drug Policies, disponível em
http://migre.me/a41Z3, sustenta precisamente o contrário. Em 2001, a direita
portuguesa afirmava que a descriminalização iria abrir as portas para o
“narcoturismo” e que o consumo aumentaria (na linha do que dizem hoje, por
exemplo, sábios como Reynaldo Azevedo).
O relatório Cato revelou que, nos primeiros cinco anos após
a descriminalização, o uso de drogas ilícitas entre adolescentes em Portugal
diminuiu, as taxas de infecções por HIV causadas por compartilhamento de
seringas caíram, enquanto o número de pessoas em tratamento para dependência
mais do que duplicou.
Neste ponto, o Manifesto critica Portugal por ter mais
dependentes em tratamento do que os demais países europeus, sem se dar conta de
que, quando não há o crime de uso de drogas, os usuários se aproximam muito
mais do sistema de saúde. Aliás, os recursos poupados com as sanções aos
usuários em Portugal permitiram financiar mais programas de tratamento aos
dependentes.
O que – segundo matéria de Maia Szalavitz na Time Science –
Drugs in Portugal: Did Decriminalization Work?, disponível em http://migre.me/a41Ho
– foi reconhecido pelo “Czar das drogas” em Portugal, João Castel-Branco
Goulão, presidente do Instituto da Droga e Dependência Química, para quem “a
polícia está agora em condições de focar suas ações no monitoramento de
traficantes”.
O Manifesto afirma, também, que “boa parte” (sic) dos
acidentes no trânsito é produzida por pessoas “sob o efeito de maconha,
cocaína” etc. Novamente, não há referência e nem ficamos sabendo o quanto é uma
“boa parte”.
Uau! E eu que achava que a esmagadora maioria dos acidentes
era causada por motoristas alcoolizados. Este deve ser o meu problema: por
ingenuidade, sigo achando que o álcool é problema mais sério do que todas as
drogas ilegais juntas e que deveríamos já, há muito, ter proibido a propaganda
de bebidas alcoólicas no Brasil. Bem, mas para uma medida simples assim, talvez
nos faltem senadores e deputados e sobrem financiadores de campanha.
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