Maioria rejeitou
'tabela' reduzida de Marco Aurélio, baseada na tese do "crime
continuado"
Na 50ª sessão de julgamento da ação penal do mensalão, na
quarta-feira (05), o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por 7 votos
a 2, manter as penas severas já cominadas aos condenados, e rejeitou a revisão
proposta pelo ministro Marco Aurélio com base na tese do “crime continuado” e
não do “concurso formal”.
Enquanto o ministro-relator, Joaquim Barbosa, defendeu a
manutenção das penas já fixadas pela maioria no decorrer do julgamento, o
ministro Marco Aurélio apresentou uma nova “tabela” de penas – na linha da
continuidade delitiva – pela qual Marcos Valério teria a pena reduzida de 40
anos, 2 meses e 10 dias para 10 anos e 10 meses; o deputado-federal João Paulo Cunha (PT-SP)
de 9 anos e 4 meses para 3 anos e 10 meses.
Caso a maioria viesse a adotar a tabela apresentada por
Marco Aurélio, João Paulo Cunha teria direito ao regime aberto. Outros sete
réus poderiam começar a cumprir a pena (pena superior a 4 anos, mas inferior a
8 anos). A proposta mantinha, somente, as penas de José Dirceu (10 anos e 10
meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses),
que não foram punidos por lavagem de dinheiro.
Mas Marco Aurélio foi acompanhado, apenas, pelo ministro
Ricardo Lewandowski (revisor) Marco Aurélio defendeu, num voto de mais de uma
hora, o ponto de vista – contrário ao do relator e da maioria formada na fase
final da dosimetria - de que 16 dos 25 condenados praticaram os crimes de que
foram acusados em “continuidade delitiva”. Ou seja, as penas dos crimes (como
quadrilha, corrupção ativa ou passiva, peculato, lavagem de dinheiro, etc) não
deveriam ser englobadas com fundamento no artigo 70 do Código Penal.
Já o relator Joaquim Barbosa defendeu a aplicação deste
artigo como fundamento para a fixação das penas finais, conforme a
jurisprudência do STF, por ele citada em vários precedentes, inclusive no
julgamento de habeas corpus nas turmas.
A proposta de Marco Aurélio foi acompanhada pelo
ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, segundo o qual “não estamos jungidos a
precedentes desta Corte vinculados a crimes comuns”. Ele disse logo que não se
sentia “vinculado” aos votos que já havia proferido na Turma, tendo em vista
que o julgamento da ação penal do mensalão era muito mais complexo. Também
criticou a “inaudita severidade das penas corporais aplicadas aos réus”. O ministro
Dias Toffoli – que votou com o revisor na maioria dos casos – desta vez seguiu
a maioria.
Os artigos
Os dois artigos do Código Penal em discussão foram os
seguintes:
Art. 70 (Concurso formal) – “Quando o agente, mediante uma
só ação, pratica dois ou mais crimes idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais
grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em
qualquer caso de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto,
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos”.
Art. 71 (Crime continuado)- “Quando o agente, mediante mais
de uma ação, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de
tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes
ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer
caso, de um sexto a dois terços”.
Voto de Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio fez, inicialmente, um levantamento
das penas cominadas aos réus condenados da Ação Penal 470; considerou
“estratosférica” a pena de 40 anos, 2
meses e 10 dias aplicada a Marcos Valério (corrupção ativa, quadrilha,
peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas); e ressaltou que, na
dosimetria das penas de 25 condenados, chegou-se ao total de 280 anos e 4 dias,
sendo a pena média de 11 anos de reclusão. Ressaltou que algumas penas
“chegaram a quantitativos similares aos de homicídio ou latrocínio”.
Manteve as penas de formação de quadrilha, mas diminuiu
radicalmente todas as outras penas corporais (reclusão), com base na tese do
crime continuado. Para o ministro, em crimes que se interligam, e são
subsequentes, deve-se seguir o artigo 71 do CP, e aplicar a pena do mais grave,
com aumento de um sexto. Segundo ele, a continuidade delitiva pode ser
observada até nos crimes dolosos com violência ou grave ameaça à pessoa.
Destacou que crimes da mesma espécie são aqueles que ofendem
o mesmo bem jurídico tutelado, no caso, por exemplo, o sistema financeiro
nacional e os crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de
divisas. E acrescentou que peculato,
corrupção, lavagem, gestão fraudulenta não estão versados num só tipo
penal. Podem ser crimes da mesma espécie
a teor do artigo 71 do CP. Deve-se considerar que o objeto protegido, no caso
de corrupção e peculato, é a administração pública. Deu o exemplo da invasão de
domicílio para a consumação de roubo, que é tipicamente um crime continuado.
Voto de Joaquim Joaquim Barbosa defendeu com ênfase as penas
já fixadas, com base no “concurso formal” de crimes, citando ampla
jurisprudência do próprio STF, e citou precedentes do próprio ministro
Lewandowski em seus votos na 2ª Turma da Corte. O reator assentou que a continuidade
delitiva exige que o tipo penal seja o mesmo. As condutas têm de ser idênticas.
Para que se reconheça o nexo de continuidade é
imprescindível que os delitos sejam da mesma espécie. Roubo e extorsão são da
mesma natureza, mas não da mesma espécie. E frisou que o concurso material de
delitos não pode ser confundido com crime continuado. “Não se pode falar de
continuidade delitiva em estupro e atentado violento ao pudor, por exemplo,
ainda que perpetrado contra a mesma vítima. Não se trata, nesse caso, de
‘prelúdio do coito’.
No caso, não há entre
os crimes de corrupção ativa e peculato qualquer nexo de continuidade. Condutas
são inteiramente distintas e conduzem para resultados distintos. Nas turmas
temos decidido que não basta similitude em termos de tempo, lugar e espécie de
crime. É preciso que os crimes posteriores sejam continuação do primeiro crime.
Não basta que haja similitude entre as condições objetivas (tempo, lugar), mas
é preciso que os crimes subsequentes sejam continuação do primeiro”, afirmou
Barbosa.
O ministro-relator afirmou ainda – em resposta às afirmações
do revisor – que as penas que já haviam sido atribuídas aos condenados pela
maioria do tribunal não eram “inusitadas”, mas “inusitadas” as formas e a
gravidade dos diversos crimes praticados pelos réus.
O voto de Barbosa foi seguido pelos ministros Rosa Weber,
Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Gilmar Mendes frisou no seu voto que se o STF fosse levar em
conta a tese de Marco Aurélio sobre a “continuidade delitiva” dos crimes do
mensalão deixaria de levar em conta a Lei de Lavagem de Dinheiro, que prevê
penas de 3 a 10 anos de reclusão, e que pesou muito nas punições aplicadas a 21
dos 25 condenados. “Estamos querendo abandonar uma lei que nasceu de tratado
internacional. O crime antecedente não pode presidir a continuidade delitiva”,
afirmou.
Celso de Mello disse que a ação penal do mensalão era mesmo
“singular”, mas por que envolveu um grande número de agentes públicos e
empresários que agiram com “ousadia” nunca vista. E ressaltou: “A resposta
penal do Estado mostrou-se proporcional, adequada, razoável e plenamente
compatível com a extrema agressividade dos réus”.
Penas mantidas
Assim, são as seguintes as penas (mantidas) dos réus
condenados:
Marcos Valério (publicitário): 40 anos, 2 meses e 10 dias
Ramon Hollerbach (publicitário): 29 anos, 7 meses e 20 dias
Cristiano Paz (publicitário): 25 anos, 11 meses e 20 dias
Simone Vasconcelos (ex-diretora da SMP&B): 12 anos, 7
meses e 20 dias
Rogério Tolentino (advogado ligado a Valério): 8 anos e 11
meses
José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil): 10 anos e 10 meses
José Genoino (ex-presidente do PT): 6 anos e 11 meses
Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT): 8 anos e 11 meses
Kátia Rabello (ex-presidenta do Banco Rural): 16 anos e 8
meses
José Roberto Salgado (ex-vice-presidente do Banco Rural): 16
anos e 8 meses
Vinícius Samarane (ex-diretor do Banco Rural): 8 anos, 9
meses e 10 dias
Breno Fischberg (sócio da corretora Bônus Banval): 5 anos e
10 meses
Enivaldo Quadrado (sócio da corretora Bônus Banval): 9 anos
e 20 dias
João Cláudio Genu (ex-assessor parlamentar do PP): 7 anos e
3 meses
Jacinto Lamas (ex-secretário do PL, atual PR): 5 anos
Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil): 12 anos
e 7 meses
João Paulo Cunha (ex-presidente da Câmara dos Deputados): 9
anos e 4 meses
Romeu Queiroz (ex-deputado): 6 anos e 6 meses
José Borba (ex-deputado): 2 anos e 6 meses
Valdemar Costa Neto (deputado federal): 7 anos e 10 meses
Pedro Henry (deputado federal): 7 anos e 2 meses
Bispo Rodrigues (ex-deputado): 6 anos e 3 meses
Pedro Corrêa (ex-deputado): 9 anos e 5 meses
Emerson Palmieri (assessor do PTB): 4 anos
Roberto Jefferson (ex-deputado): 7 anos e 14 dias.
Fonte: Site Jornal do Brasil
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