Por Marcelo Oliveira de
Moura(*)
Inicialmente, importante destacar que esta reflexão não tem
qualquer objetivo de criar polêmica acerca do equívoco ou acerto das duas ações
policiais que mencionarei abaixo.
Hoje durante a manhã, pela internet, tomei conhecimento dos
dois fatos lamentáveis envolvendo agentes das policias militar e civil do
Estado do Rio Grande do Sul.
Um primeiro caso, de um policial civil que reagiu a um
assalto em um estabelecimento comercial na cidade de Porto Alegre e acabou,
assim como sua mãe que o acompanhava, morto em troca de tiros com os
assaltantes. (http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2013/01/mae-e-filho-policial-sao-mortos-a-tiros-em-porto-alegre-4018689.html)
No segundo caso, também na capital gaúcha, um agente da
Brigada Militar, no interior de um trem (Trensurb), buscando dar conta de um
“tumulto” causado por um homem que portava uma faca e ameaçava os passageiros,
dispara contra o abdômen do mesmo, sendo que o projétil transpassa o corpo
lesionandoa perna de um passageiro do coletivo.
(http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/policial-atira-em-suspeito-que-ameacava-passageiros-com-uma-faca-no-trensurb-4018879.html)
Os dois episódios encontram, por óbvio, inúmeras conexões.
No entanto, gostaria de destacar um aspecto relacionado com um debate que me
parece abandonado (ou ocultado) no âmbito das nossas discussões (especialmente
acadêmicas) e que encontrei, pela primeira vez, sugerido no capítulo quarto do
livro clássico “Em busca das penas perdidas” do jurista latino-americano
Eugenio Raúl Zaffaroni, cuja denominação utilizo na primeira parte do título:
as agências executivas como máquinas de policiar!
Neste livro, cuja primeira edição nos remete para o início
dos anos 90, Zaffaroni já alertava: Tem se falado bastante, nos últimos anos,
no processo de criminalização, mas tem-se falado muito pouco no processo de policização,
igualmente deteriorante... (p. 138). Resumidamente, ele representa um processo
de deterioração daqueles que se incorporam às chamadas agências militarizadas
do sistema penal (destaca-se aqui as polícias militares e civis, sendo estas
últimas também consideradas militarizadas em sua estruturação e regulação) e
que promove o esfacelamento da identidade original e substituição por uma
identidade artificial, funcional ao exercício do poder da agência (p. 141).
Tal processo é, sem dúvida, de caráter complexo e
multifacetado e a apreciação aprofundada dele não cabe neste pequeno texto.
Apenas gostaria de destacar aquilo que, desde meu ponto de
vista, está relacionado com a produção dos “estereótipos do policial e sua
profecia auto-realizadora” como “herói”, “justiceiro”, uma espécie de “Stallone
Cobra” (o crime é a doença eu sou a cura). Aquele que na “guerra contra o
inimigo”, na “luta contra o crime”, é empurrado a comportar-se ora como
homicida, ora como suicida.
Aqui se começa a perceber o liame olvidado entre os dois
casos: indiferença em relação à morte alheia e coragem nos limites suicidas,
que são produzidos por discursos moralizantes das próprias instituições
policiais e potencializados pela mídia.
Parece-me que se revelam aqui dimensões importantes no que
diz respeito à “socialização policial violenta” do agente de polícia, o que,
resgatando a segunda parte do título, nos mostra: tratando-se de sistema penal
todos os policiais são vítimas!
(*) Professor do Curso de Direito da Universidade Católica de Pelotas
Nenhum comentário:
Postar um comentário