Gerente de laboratório rebate uso da droga para anular álcool no sangue
Em 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
aprovou o uso e a venda do Metadoxil. É um medicamento derivado da vitamina B6,
indicado para tratar as sequelas do fígado de consumidores abusivos de álcool,
mas que ganhou a fama de ser capaz de enganar os agentes de trânsito e o
bafômetro.
Isso porque, no mesmo ano do lançamento do produto, o
governo federal promulgou uma legislação que endurecia a pena e a multa para
quem fosse flagrado dirigindo após consumir, ainda que moderadamente, bebidas
alcóolicas.
Já naquela época, informações controversas sobre o Metadoxil
começaram a pipocar na internet, nos bares e nas casas noturnas. As notícias
davam conta de que um comprimido da caixinha seria capaz de anular, em 60
minutos, a presença de álcool no organismo e assim permitir que motoristas
alcoolizados burlassem a fiscalização da lei.
Quase cinco anos se passaram e a fama do remédio voltou à
tona com a decisão federal deendurecer ainda mais o rigor da Lei Seca. O iG
Saúde entrevistou o gerente médico do laboratório Baldacci, fabricante do
Metadoxil, para entender se a droga – que só pode ser vendida mediante
apresentação de receita médica – de fato
coloca em xeque as informações do bafômetro. "Não", responde o
cardiologista Paulo Roberto Chizzola, há um ano à frente da farmacêutica.
Ele rebate veementemente o mau uso da medicação, decidiu
alertar sobre a utilização inadequada da medicação nas redes sociais e já
começou uma campanha contra a fama conquistada pelo remédio. Na entrevista, ele
diz que “não existe medicamento para burlar a Lei Seca e que não há remédio
para álcool e direção”. Segundo ele, o resultado da mistura é a morte. “É o que
eu vejo, infelizmente, todos os dias”, lamenta.
Leia a entrevista
iG Saúde: A fama de que o Metadoxil pode burlar a lei seca é
prejudicial?
Chiazzola : Sim. Nossas evidências científicas mostram que é um
excelente medicamento, com ação farmacológica, utilizado como parte do
tratamento do alcoolismo, uma doença séria. O mau uso da droga é muito ruim
para o laboratório e também para quem precisa usar a medicação. Parece que a
única finalidade dos comprimidos é essa (burlar a lei seca), quando sabemos que
o objetivo é outro. Todas as drogas existentes são mau utilizadas. Só para
citar um exemplo, temos o Viagra, voltado para homens que têm um problema sério
de disfunção erétil mas também é usada por jovens sem queixa que só querem
potência sexual a qualquer custo. A população acaba com acesso indevido aos
medicamentos, o que é muito ruim. O Metadoxil não está isento de efeitos
adversos se for usado inadequadamente (taquicardia e comprometimento do fígado
são alguns). Ele age no sistema nervoso central e tem ação no fígado. O
propósito é acelerar a função hepática no processo de metabolizar o álcool e
outras substâncias tóxicas, indicado para quem já tem lesões no órgão ou está
profundamente intoxicado pela bebida alcóolica. Por ter este fim, surgiu esta
associação de que ele seria capaz de burlar a Lei Seca.
iG Saúde: O laboratório, além do público consumidor, também prepara uma
carta de esclarecimento para os médicos. Por que decidiram alertar também os
profissionais?
Chiazzola : Se o médico não tem uma boa orientação em relação aos
medicamentos, após a primeira notícia da imprensa leiga, ele passa a
desconsiderar a droga para o tratamento do alcoolismo. O profissional pode
acreditar que é uma ‘medicação do bafômetro’, como tem sido chamada, e isso não
existe, não há medicamento capaz de burlar a Lei Seca. O uso pode até acelerar
a metabolização do álcool mas não faz da pessoa um não infrator da legislação.
A recomendação dos policiais, inclusive, é que o motorista espere 12 horas para
dirigir, caso tenha bebido. Não há mágica.
iG Saúde: E vocês conseguiram identificar como foi a origem desta
divulgação de que é um remédio para a Lei Seca? Em alguns relatos, os usuários
dizem que a indicação, não oficial, partiu de médicos e farmacêuticos
Chiazzola: Não sabemos de onde surgiu esta fama. Não posso negar que a
utilização acelera a metabolização do álcool, mas isso não indica que a pessoa
pode continuar bebendo. A abstinência é uma condição para os efeitos positivos
do medicamento. Estou no laboratório há um ano, não fiz parte do lançamento,
mas quando cheguei ao laboratório fiz reuniões para que relançássemos o produto
para afastar essa associação de enganação da lei seca. As evidências
científicas mais sólidas que temos mostram que a droga melhora doenças
hepáticas já instaladas. Já temos dados também que ela pode ser uma ferramenta
para diminuir a vontade de beber, pois atua no cérebro junto aos receptores cerebrais.
Mas tudo isso dentro de um tratamento médico, com orientações especializadas.
iG Saúde: O tratamento do alcoolismo é complexo, multifatorial, e os
especialistas reclamam que ainda são restritas as opções terapêuticas e quase
sempre são exigidas ações diversas. O medicamento de vocês trata o alcoolismo?
Chiazzola : O alcoolismo tem alguns estágios de evolução. O que temos
na prática diária é um uso crescente do álcool e uma sociedade que negligencia
o consumo abusivo e deletério quando ele não está em uma fase de dependência
crônica. Mas antes de chegar ao alcoolismo crônico, já são muitas sequelas
importantes. Existe uma propaganda intensa que incentiva o uso de álcool. Os
jovens se divertem, confinados em quartinhos, só consumido bebida. As complicações
cardíacas e hepáticas resultantes desse uso abusivo são desconsideradas até
mesmo pelos médicos. Dificilmente, os clínicos perguntam aos seus pacientes
sobre o histórico de uso de bebida. Pois bem, primeiro precisamos alertar que o
consumo deletério de álcool é nocivo em qualquer fase e causa dano. O Metadoxil
é uma excelente ferramenta indicada, por médicos, para situações em que é
constatado um consumo elevado de álcool, em uma fase em que os danos sociais,
como desestrutura familiar, ainda não apareceram, mas já há sinais de
comprometimentos físicos na função hepática.
iG Saúde: Nesta campanha, vocês pretendem acionar a Anvisa e o Conselho
de Farmácia para coibir a venda sem prescrição e o mau uso?
Chiazzola: Não elaboramos nenhuma ação direcionada, mas esperamos que a
fiscalização sanitária e os farmacêuticos cumpram seu papel. Não há remédio
para álcool e direção. Não é proibido beber, mas é proibido beber e dirigir. A
mistura de direção e álcool resulta em morte. É o que eu vejo infelizmente todos
os dias. Jovens que não chegam em casa porque morreram no caminho. Por
isso, somos favoráveis a Lei Seca rígida.
Fonte: Site Tribuna Hoje, Portal R7
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