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segunda-feira, fevereiro 4

O Direito Penal e a tragédia


DAVID MEDINA DA SILVA*
Em Zero Hora, edição de 04 de fevereiro de 2013

Os seres humanos são dotados de razão e capacidade de ponderar as consequências de seus atos. Diante disso, a teoria finalista da ação, estruturada por Hans Welzel e adotada pelo Código Penal brasileiro desde 1984, adota o "princípio da excepcionalidade do crime culposo", dizendo que ninguém será punido por culpa, salvo expressa disposição legal. Assim, no Direito brasileiro, o crime doloso (intencional) é a regra, enquanto o crime culposo (não intencional, praticado por descuido ou erro) é exceção.

Portanto, diante de um quadro urgente e que exija pronta atuação, nenhum profissional do Direito minimamente informado pode trabalhar com base na culpa, que é uma figura excepcional, pois é o conceito de dolo que deve nortear os primeiros passos da análise técnico-jurídica, conforme estabelece o paradigma finalista, exceto se a culpa for desde logo evidente.

No trágico episódio de Santa Maria, com centenas de mortes ocorridas num ambiente totalmente desprovido de segurança em relação às práticas incendiárias, está correta a atuação preliminar dos profissionais tratando o fato como doloso. Não há nisso qualquer prejulgamento, mas um critério técnico baseado na teoria que orienta a aplicação da lei brasileira e na jurisprudência do STF e do STJ, segundo a qual o dolo deve ser verificado a partir das circunstâncias do fato. Os dados objetivos até agora apurados trazem circunstâncias indicativas de que o risco de incêndio existia e, mesmo não tendo sido desejado, pode ter sido aceito pelos responsáveis, o que conforta a tese de dolo eventual, embora não tenha, por ora, caráter definitivo.

Tampouco se deve, nesta oportunidade, aprofundar a costumeira discussão sobre as espécies de dolo e culpa, já que o consagrado princípio "in dubio pro reo" não se aplica a esta fase de investigação. Neste momento inicial, vige o princípio "in dubio pro societate", ou seja, as incertezas operam em favor da sociedade, em especial das vítimas e daqueles que pranteiam seus entes queridos repentinamente arrancados da vida.

*Promotor de Justiça e professor de Direito
Publicado em Zero Hora, edição de 04 de fevereiro de 2013

2 comentários:

Júlia Farias disse...

Sempre que vejo situações como esta, fico pensando no "efeito rebote", pois o MP - e até os Magistrados, muitas vezes -, tentando "mostrar serviço", acabam buscando aplicar penas desproporcionais ou fazer tipificações malucas. Estas atitudes permitem - até obrigam - que os advogados recorram a todas as instâncias para fazer com que o Direito seja aplicado de forma correta e isso, inevitavelmente, acarreta numa morosidade na prestação estatal e/ou numa forma pro reo da decisão. Por tudo isso, sempre percebo que, para a sociedade, pode parecer: o Direito não funciona!

The Doctor disse...

Mesmo alegando o "in dubio pro societate", as razões dos sócios e os músicos da banda serem mantidos presos é apenas, como disse a Júlia, para mostrar serviço.
A população merece sim uma resposta, mas que ela seja amparada nas leis.