(*) José Theodoro Corrêa de Carvalho – Promotor de Justiça do MPDFT, doutor em Direito pela Univesidad Complutense de Madrid, conselheiro do CONEN/DF, professor de Direito Processual Penal. Publicado no Suplemento Direito & Justiça, Correio Braziliense, 11 de março de 2013
Está na pauta do plenário do STF (HC 110884/MS, REL.
Min. Ricardo Lewandowski) um pedido absurdo e despropositado: que a
primeira condenação por tráfico de drogas não seja considerada como crime
hediondo. Ou seja, apenas quando o traficante for reincidente seria possível
aplicar as regras mais rigorosas dos crimes hediondos.
O requerente do caso citado foi condenado por
tráfico internacional de drogas e
pleiteia o benefício do indulto, ao argumento de que a Lei 8072/90 prevê apenas
o tráfico de drogas como hediondo, mas não prevê o chamado tráfico
privilegiado, que é a hipótese em
que o traficante tem a pena reduzida em
até dois terços, se for primário e de bons antecedentes (Lei 11343/06, artigo
33, parágrafo quarto).
O que define a hediondez de um delito é o
horror da conduta e de seu resultado e
não o fato daquela conduta ter sido praticada uma ou duas vezes. Uma conduta é
hedionda, mesmo que praticada uma única vez. Não é possível considerar que o
crime seja hediondo apenas quando reiterada a prática.
Apesar da doutrina ter usado a expressão ‘tráfico
privilegiado’ para a causa de diminuição da pena do artigo 33, parágrafo quarto
da Lei 11.343/06, não se trata de um crime novo ou diferente do tráfico
propriamente dito, mas apenas hipótese em que a primariedade e bons
antecedentes, além de outros requisitos, permitem a redução de pena. A conduta
é exatamente aquela prevista no tipo base do tráfico (artigo 33, caput, da Lei
11343/06).
A Constituição Federal garante que todo e qualquer
tráfico seja punido de forma mais rigorosa, pois o legislador constituinte, ao
delegar ao legislador ordinário quais seriam os crimes hediondos, deixou claro
que pelo menos três deles deveriam ser considerados como delitos merecedores de
repulsa especial: tráfico de drogas, terrorismo e tortura (CF, artigo 5°
XLIII). Resta claro, portanto, que vender drogas na porta da escola deve ser
considerado hediondo tanto na primeira, quanto na segunda vez em que for
praticado.
Vários julgados do Superior Tribunal de Justiça chegara à mesma conclusão: a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo quarto do artigo
33 da Lei 11343/06 não é suficiente para provocar o afastamento da equiparação existente entre o delito de tráfico ilícito de drogas e os
crimes hediondos, dado que não a constituição de novo tipo penal, distinto da
figura descrita no caput do mesmo artigo, não sendo, portanto, o ‘tráfico
privilegiado’ tipo autônomo (HC 149942/MG; HC 143361/SP; HC 197.387/MS e HC
219.960/MS, entre outros).
Retirar sua natureza hedionda resulta em estímulo à
traficância. Apesar do crime de tráfico estar sujeito à pena de 5 a 15 anos de prisão,
são tantos os benefícios possíveis que é quase certo que, em pouco tempo, o
traficante estará novamente nas ruas. Como os traficantes costumam conhecer a
legislação e utilizá-la a seu favor, a maioria deles tenta simular a condição
de usuário e trazer consigo pequena quantidade de drogas, o que resulta na
invariável aplicação da pena mínima de 5 anos, permitindo-se a redução de até
2/3 se forem primários, o que resulta em uma condenação de apenas 1 ano e 8
meses. Se o STF aceitar o pedido de não consideração da hediondez e o regime
fechado for aplicado, os traficantes teriam direito a progressão de regime
depois de cumpridos 1/6 da pena, ou seja, estariam nas ruas em apenas 3 meses e
10 dias. Mas a situação ainda é mais vantajosa, porque poderia ser aplicado o regime aberto e a
substituição por penas alternativas para o exemplo citado.
Importante observar que o pequeno traficante também
faz parte do grande esquema de distribuição de drogas. Acreditar que ele é
inofensivo é um equívoco. Em carta enviada à revista Veja (Ed. 2294,
novembro/2012, p. 44), o leitor carioca Ruy Mozzato lembra que ‘quem pode
entrar em sua casa para oferecer o primeiro baseado a seu filho não é o grande
traficante...o pequeno traficante é o grande inimigo’.
Existe uma tentativa forçada de algumas pessoas de
reduzir as penas para esvaziar os presídios. Com uma punição de apenas três
meses, os presídios realmente ficarão vazios, mas as ruas estarão cheias de
traficantes.
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