O Ministério Público denunciou o
Tenente-Coronel da Brigada Militar Moisés da Silva Fuchs (ex-Comandante do 4º
Comando Regional de Bombeiros), o Tenente-Coronel da Reserva da BM Daniel da
Silva Adriano e o Capitão da BM Alex da Rocha Camillo (ex-Chefes da Seção de
Prevenção a Incêndios) pelo artigo 312 do Código Penal Militar – inserir
declaração falsa com o fim de alterar a verdade em documento público. Fuchs
incorreu nas sanções desse artigo duas vezes.
As conclusões foram apresentadas em coletiva de imprensa na sede do MP
em Santa Maria pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos
Institucionais, Marcelo Lemos Dornelles, e pelos Promotores de Justiça que
assinam a denúncia Joel Oliveira Dutra e César Augusto Pivetta Carlan. Na
entrevista, Marcelo Dornelles fez um reconhecimento especial ao trabalho
desempenhado pelos Promotores, incluindo os colegas Maurício Trevisan, Waleska
Agostini e Ivanise Jann de Jesus, que atuaram nas esferas criminal e cível do caso.
“Destacamos a seriedade e transparência com que trabalharam os Promotores. Este
é só o começo, manteremos a firmeza no andamento dos processos para que haja o
cumprimento das requisições feitas”, frisou o Subprocurador-Geral
Institucional.
Em 28 de agosto de 2009,
Moisés da Silva Fuchs e Daniel da Silva Adriano expediram o primeiro alvará dos
sistemas de prevenção e proteção contra incêndio da boate Kiss. Eles fizeram
constar no alvará que os sistemas de prevenção e proteção contra incêndios do
estabelecimento foram inspecionados e aprovados ‘de acordo com a legislação
vigente’.
No entanto, a legislação – municipal e estadual –, deliberadamente,
não foi observada. Isso porque o 4º Comando Regional de Bombeiros utilizou o
SIGPI (Sistema Integrado de Gestão de Prevenção contra Incêndio), software que
gera uma listagem automática de itens a serem executados no prédio a título de
PPCI e dispensaram, entre outros itens exigidos legalmente, a anotação de
responsabilidade técnicas de profissional habilitado, não contemplando todo o
regramento estadual e municipal sobre prevenção e proteção contra
incêndios.
“Não se tratou de um mero
descuido com a legislação, foi um descumprimento deliberado em nome de uma
suposta celeridade, que privilegiou a arrecadação de taxas para o Corpo de
Bombeiros”, conclui César Augusto Carlan.
Segundo a denúncia, as seguintes normas não foram respeitadas: - Portaria nº 064/EMBM/99, que disciplina os
Planos de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), em especial os artigos
que tratam da exigência de plantas baixas, memoriais e responsabilidade técnica
e o que determina consideração suplementar da legislação municipal e suas
peculiaridades (Lei Municipal nº 3301/1991).
- Lei Municipal nº 3301/1991, no que tange à exigência de apresentação
dos projetos das instalações arquitetônicos e ART ou RRT, conforme aprovados
pelo Município, da assinatura de responsável técnico e do proprietário do
imóvel, e da obrigatoriedade de alarme de incêndio em “estabelecimentos de
reuniões de público como (...) boates”.
- Decretos Estaduais nº 37380/1997 e nº 38273/1998, no que se refere à
iluminação e sinalização, que estavam em desconformidade com normas técnicas da
ABNT. Em 11 de agosto de 2011, Moisés da
Silva Fuchs e Alex da Rocha Camillo, inseriram declaração falsa ou diversa da
que devia ser escrita no segundo alvará dos sistemas de prevenção e proteção
contra incêndio expedido à boate Kiss.
O documento foi expedido nos mesmos
moldes do primeiro – apenas com as exigências do SIGPI - além de não obedecer a
Resolução técnica nº 14/BM-CCB/2009, que exigia prévio certificado de
treinamento de pessoal para a liberação do alvará.
REQUISIÇÃO À BRIGADA MILITAR
Para apurar possíveis outras irregularidades
em relação à expedição dos alvarás de proteção e combate a incêndios, e também
a noticiada penúria em equipamentos do Corpo de Bombeiros de Santa Maria (em
que pese a expressiva arrecadação de recursos pelo FUNREBOM), os Promotores
encaminharam uma requisição ao Comandante-Geral da BM, Coronel Fábio Duarte
Fernandes, para que sejam instaurados Inquéritos Policiais Militares: um para
apurar as falsidades ideológicas inseridas nos alvarás expedidos em
desconformidade com a legislação vigente no que tange ao PPCI completo,
abrangidos pela área de atuação do 4º Comando Regional de Bombeiros, desde sua
implantação em 2007; e outro para averiguar uma possível omissão de eficiência
de força (artigo 198 do Código Penal Militar), também pelo 4º CRB.
Ainda,
requisitaram a revisão de todos os PPCIs aprovados desde dezembro de 2007 até o
dia 28 de janeiro de 2013, que deveriam obedecer a Portaria 064/EBMB/99 e as
legislações e normatização correlatas, também no âmbito de atuação do 4º
CRB. “O MP está dizendo que, desde 2007,
todos os alvarás que não obedeceram à legislação vigente são falsos”, reforçou
na coletiva Joel Dutra. Para o Promotor, “muito provavelmente vários prédios
tenham necessidade de novas inspeções, desta vez acatando as leis municipais e
estaduais”.
INVESTIGAÇÕES DERIVADAS
Durante as investigações, o Inquérito
Policial Militar apurou que os Soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães
Coelho e Marcos Vinicius Lopes Bastide, além do Sargento Renan Severo Berleze e
do Aluno Sargento Sergio Roberto Oliveira de Andrades incorreram nas sanções do
artigo 324 do Código Penal Militar (descumprimento de lei, regulamento ou
instrução), porque nas inspeções feitas na boate Kiss em 2011 registraram a
necessidade da troca de mangueiras do gás, mas não mencionaram a necessidade de
instalação de uma central de GLP. Assim, eles deixaram de observar normas da
ABNT e o Decreto Estadual 37.380/1997.
O
Tenente-Coronel Moisés da Silva Fuchs foi denunciado, ainda, pelo crime militar
descrito pelo artigo 319, prevaricação, pois deixou de punir ou de instaurar
Conselho de Disciplina para possível exclusão do Sargento Roberto Flávio da
Silveira e Souza por ser sócio/administrador da empresa Hidramix. A prática foi
considerada incompatível com a condição de militar estadual do Corpo de
Bombeiros. Os autos a respeito das possíveis infrações cometidas pelo Sargento
- exercício ilegal da profissão e falsidade ideológica - serão remetidos à
Justiça comum, por não se tratarem de crime de natureza militar (praticados
fora da função).
ARQUIVAMENTO
O MP também promoveu o arquivamento em
relação às condutas dos Bombeiros Vágner Guimarães Coelho e Gílson Martins
Dias. A argumentação dos Promotores é que não se pode imputar a eles a prática
de homicídio culposo porque as causas determinantes diretas para a tragédia
foram o uso de artefato pirotécnico e a presença de espuma poliuretano,
conforme laudo pericial. A espuma foi colocada em momento posterior às
inspeções feitas pelos Bombeiros, a realização de ‘show pirotécnico’ em momento
algum foi comunicada por quaisquer dos responsáveis (donos da boate e músicos)
à autoridade competente para a liberação ou não do espetáculo, no caso, o
próprio Corpo de Bombeiros.
Os
Promotores também pedem o arquivamento quanto à questão de eventual homicídio
culposo por suposta omissão dos Bombeiros no salvamento das vítimas na data da
tragédia. No entendimento do MP, “mesmo sem solicitação, alguns civis
iniciariam a ajudar no resgate e, diante da excepcionalidade das circunstâncias
naquela ocasião, na qual existiam inúmeras pessoas em franco desespero na
procura de seus entes queridos e amigos, estavam todos determinados a ingressar
voluntariamente na boate”.
Ainda, os
Promotores ressaltam que não há como imputar aos servidores militares a prática
de homicídio culposo porque não é possível aferir culpa diante da situação
excepcional e atípica vivenciada na tragédia. Além disso, porque não há
indícios suficientes de que os Bombeiros tenham ordenado ou solicitado o
auxílio de civis que faleceram no salvamento e porque não há nos autos
elementos para a individualização da conduta de cada Bombeiro no que tange ao
suposto ato de incentivo à entrada dos civis para salvamento das demais
vítimas.
Fonte: Ministério Público do Rio Grande do Sul
Nenhum comentário:
Postar um comentário