Depois de quase quatro
décadas na cadeia, Camilo da Silva Melo trabalha para edificar a Justiça
Foto de Lauro Alves - Agência RBS |
Depois de 37 anos preso, o homem
que passou mais tempo no sistema prisional gaúcho se esforça para protagonizar
um novo marco. Empregado com carteira assinada, o detento que chegou a acumular
108 anos de pena por afrontar a lei agora trabalha para edificá-la, ao participar
da construção do prédio anexo do Tribunal de Justiça do Estado.
A sonhada liberdade condicional
chegou no início deste mês para Camilo da Silva Melo, 54 anos, encerrando um
ciclo em que dividiu espaço com alguns dos mais conhecidos criminosos do Rio Grande
do Sul nas últimas décadas, como o assaltante de bancos Dilonei Melara e o
traficante Carioca (Humberto Luceno Brás de Souza). As mãos que antes
empunhavam revólveres calibre 38 hoje passam os dias amarrando arames com
ferramenta turquesa, conferindo medidas com uma trena no canteiro de obras da
empresa Engefort, na Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, na Capital. Aquele
que antes só entrava em bancos para assaltar hoje pisa em agências para sacar
salário — aproximadamente R$ 800. E se orgulha de já ter recebido até proposta
de empréstimo do gerente. Coincidência ou não, em uma agência que ele já tinha
assaltado.
— Agora minhas armas são essas
aqui — orgulha-se, apontando para as ferramentas do primeiro emprego formal de
sua vida.
Nem ele mesmo acreditava que
conseguiria mudar o destino ao qual parecia condenado desde a infância. A
primeira privação de liberdade chegou aos 12 anos, quando roubava tomates dos
caminhões da Ceasa. Depois de mais de 20 fugas na antiga Febem e roubos cada
vez mais ousados, foi levado para o Presídio Central antes mesmo de completar
17 anos, numa época em que o debate sobre direitos humanos ainda engatinhava.
Ao chegar, viu pelo chão das galerias o sangue escorrendo de dois corpos
esquartejados em uma guerra de grupos rivais. Camilo descobria, precocemente, a
lei que impera nas cadeias.
— Me ensinaram muitas coisas,
diziam que roubar tomate e assaltar banco dava no mesmo, então era melhor
assaltar um banco porque dava mais dinheiro e ajudava a pagar o advogado pra
sair da cadeia. Mas nunca matei ninguém — diz.
A partir dali, a carreira no
crime só se agravou. Condenado a seis anos por um assalto a joalheria, ganhou
mais 40 anos de pena por participar de um motim com mais de 30 reféns em 1987,
que resultou na morte de um policial e de um detento. Acredita que esse foi seu
grande erro, mas o arrependimento foi tardio. De tanto apanhar na prisão nos
anos seguintes, perdeu todos os dentes. Achava que não tinha mais nada e perder
e se entregou de vez no crime. Com outras fugas e novos assaltos a banco nas
décadas seguintes, viu sua pena se multiplicar até chegar a um ponto em que
pensava que nunca mais conseguiria sair. Até o dia em que viu o juiz de
fiscalização de presídios, Sidinei Brzuska, e começou a gritar das galerias. Implorava
por uma nova chance.
Camilo, retratado por Sidinei Brzuska |
O juiz perguntou quem era o homem
e um mês depois o chamou para uma audiência. Na frente do magistrado, Camilo
garantiu que queria mudar de vida. Ganhou um voto de confiança e foi para o
semiaberto em 2011, pelo bom comportamento que demonstrava nos anos anteriores,
quando trabalhava na faxina da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas.
Transferido para a Fundação
Patronato Lima Drummond, começou a cumprir a promessa. Disposto a aprender uma
profissão, foi matriculado em um curso de pedreiro. E se emocionou ao receber o
perdão da refém que havia aprisionado durante o antigo motim do Central, Maria
Lúcia Médici, que atualmente é vice-presidente da instituição.
— Ela disse que me perdoava, e
isso mexeu muito comigo. Se as pessoas me perdoam, tenho mais motivos para
seguir em frente — reflete.
"Sonho em ficar livre para
sempre porque o crime não compensa"
Apesar da alegria de poder vez e
ver a neta de seis meses crescer, admite que já pensou em desistir. Voltar pra
casa é também reencontrar as goteiras de uma peça, os furos no cimento da
parede, do piso. Por falta de roupeiro, as roupas dele e da mulher, que vende
pastéis, ficam jogadas pela casa. E convites não faltaram para que regressasse
à criminalidade.
— O caminho do crime seria muito
mais fácil, mas meu sonho é ficar livre para sempre. O crime não compensa —
conclui sorridente, exibindo a prótese dentária que conseguiu comprar com seu
suor, para substituir os dentes perdidos na prisão.
A torcida para que ele persista é
grande na empresa onde trabalha há um ano e cinco meses. A engenheira civil
Elise Peruzzo, responsável pela obra, lamenta que outros tenham desistido
depois de ganharem a liberdade condicional. Dos quase 30 presos que começaram a
trabalhar na Engefort, quase metade debandou.
— A gente não pode retirar das
pessoas a oportunidade de mudar. Nunca alguém ficou tanto tempo no nosso
sistema, não podemos perdê-lo — analisa o juiz Brzuska, que faz questão de
acompanhar os passos de Camilo, e até registra em fotos momentos marcantes de
seu caminho de volta.
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Comentário meu: Esse é um dos casos de dignidade resgatada. É sempre indicado arriscar, tentar, dar uma chance...Todas as pessoas devem ter esse direito!
Comentário meu: Esse é um dos casos de dignidade resgatada. É sempre indicado arriscar, tentar, dar uma chance...Todas as pessoas devem ter esse direito!
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