Carolina Cunha,
Para o Blog
A sistemática processual penal determina que, tendo sido
ofertada a denúncia pelo Ministério Público, o Juiz deve, de pronto, avaliar se
estão presentes os requisitos formais previstos em lei (se não estiverem,
haverá inépcia), se há todos os pressupostos processuais e as condições da ação
e, ainda, se existe justa causa para o exercício da ação penal.
Concluída esta análise, se juízo for positivo, o Magistrado
deve receber a denúncia – instaurando-se, assim, o processo penal – e
determinar a citação do réu para, no prazo de 10 dias, responder à acusação.
Caso contrário, deverá rejeitar a denúncia.
A seguir, tendo o réu ofertado resposta à acusação, abre-se,
ao Juiz, oportunidade para que profira absolvição sumária, desde que convencido
da existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; da existência
manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo
inimputabilidade; de que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou de
que extinta a punibilidade do agente.
Diante desta sistemática, logo após o advento da reforma
processual de 2008, a doutrina chegou a dividir opinião sobre qual destes
juízos deveria ser considerado como o recebimento da denúncia (início do
processo penal) e muitos, até, afirmavam que havia dois recebimentos. No
entanto, vem prevalecendo que, se o Juiz não rejeita a denúncia, está iniciado
o processo penal, processo este que poderá vir a ser extinto posteriormente,
com juízo de mérito, neste segundo momento, o final da fase de absolvição
sumária.
Contudo, parece que o ato de recebimento da denúncia vem
cada vez perdendo mais força/importância na lida forense. É possível que este
fato advenha do acúmulo de processos e a elevada carga de trabalho, mas a
verdade é que muitos Magistrados recebem as denúncias através de um despacho
padrão e, não raro “deixam passar” denúncias ineptas.
Diante disso, surge a dúvida: o Juiz pode rejeitar a
denúncia depois de já tê-la recebido? E explica-se o porquê da indagação.
De todos os elementos a serem sopesados por ocasião do
recebimento da denúncia, o mais técnico deles é a “justa causa” para
propositura da ação penal. Este conceito não é algo estanque, mas, em linhas
gerais, pode-se definir como uma “primeira impressão” de que a acusação não é
temerária ou leviana e isto só é possível se presentes indicativos de prova da
autoria, a existência material de conduta típica e forte indicativo (provas) de
que a conduta é antijurídica e culpável. Assim, a ausência de justa causa
costuma ser o argumento mais aventado em ações de habeas corpus para
trancamento da ação penal e, também, integrar a petição de resposta do acusado.
É importante, que se diga, no entanto, que outros requisitos
como pressupostos da ação (legitimidade de parte, etc.), requistos formais
(individualização da conduta, liame subjetivo, etc.) também passam, por vezes,
despercebidos.
E, então, se isto ocorre, a defesa deve ficar inerte e
deixar de aventar estas falhas?
Nesta perspectiva, em homenagem à mais ampla defesa, tem-se
que as questões preliminares podem – e devem – ser aventadas pela defesa, por
ocasião da resposta á acusação, e o Magistrado não pode deixar de ponderá-las,
podendo até, se for o caso, desconstituir a decisão anterior (recebimento da
denúncia), rejeitando a denúncia, evitando assim um processo natimorto.
Neste sentido: PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE
RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A DEFESA PRÉVIA DO
RÉU. O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o juízo de primeiro
grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts.
396 e 396-A do CPP, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça
acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos
do art. 395 do CPP, suscitada pela defesa. Nos termos do art. 396, se não for
verificada de plano a ocorrência de alguma das hipóteses do art. 395, a peça
acusatória deve ser recebida e determinada a citação do acusado para responder
por escrito à acusação. Em seguida, na apreciação da defesa preliminar, segundo
o art. 397, o juiz deve absolver sumariamente o acusado quando verificar uma
das quatro hipóteses descritas no dispositivo. Contudo, nessa fase, a cognição
não pode ficar limitada às hipóteses mencionadas, pois a melhor interpretação
do art. 397, considerando a reforma feita pela Lei 11.719/2008, leva à
possibilidade não apenas de o juiz absolver sumariamente o acusado, mas também
de fazer novo juízo de recebimento da peça acusatória. Isso porque, se a parte
pode arguir questões preliminares na defesa prévia, cai por terra o argumento
de que o anterior recebimento da denúncia tornaria sua análise preclusa para o Juiz
de primeiro grau. Ademais, não há porque dar início à instrução processual, se
o magistrado verifica que não lhe será possível analisar o mérito da ação
penal, em razão de defeito que macula o processo. Além de ser desarrazoada essa
solução, ela também não se coaduna com os princípios da economia e celeridade
processuais. Sob outro aspecto, se é admitido o afastamento das questões
preliminares suscitadas na defesa prévia, no momento processual definido no
art. 397 do CPP, também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com
a extinção do processo sem julgamento do mérito por aplicação analógica do art.
267, § 3º, CPC. Precedentes citados: HC 150.925-PE, Quinta Turma, DJe
17/5/2010; HC 232.842-RJ, Sexta Turma, DJe 30/10/2012. REsp 1.318.180-DF, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/5/2013.”
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