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terça-feira, agosto 6

Pode o juiz ‘voltar atrás’ – rejeitar a denúncia - depois de havê-la recebido?


Carolina Cunha,
Para o Blog

A sistemática processual penal determina que, tendo sido ofertada a denúncia pelo Ministério Público, o Juiz deve, de pronto, avaliar se estão presentes os requisitos formais previstos em lei (se não estiverem, haverá inépcia), se há todos os pressupostos processuais e as condições da ação e, ainda, se existe justa causa para o exercício da ação penal.

Concluída esta análise, se juízo for positivo, o Magistrado deve receber a denúncia – instaurando-se, assim, o processo penal – e determinar a citação do réu para, no prazo de 10 dias, responder à acusação. Caso contrário, deverá rejeitar a denúncia.

A seguir, tendo o réu ofertado resposta à acusação, abre-se, ao Juiz, oportunidade para que profira absolvição sumária, desde que convencido da existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; da existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; de que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou de que extinta a punibilidade do agente.

Diante desta sistemática, logo após o advento da reforma processual de 2008, a doutrina chegou a dividir opinião sobre qual destes juízos deveria ser considerado como o recebimento da denúncia (início do processo penal) e muitos, até, afirmavam que havia dois recebimentos. No entanto, vem prevalecendo que, se o Juiz não rejeita a denúncia, está iniciado o processo penal, processo este que poderá vir a ser extinto posteriormente, com juízo de mérito, neste segundo momento, o final da fase de absolvição sumária.
Contudo, parece que o ato de recebimento da denúncia vem cada vez perdendo mais força/importância na lida forense. É possível que este fato advenha do acúmulo de processos e a elevada carga de trabalho, mas a verdade é que muitos Magistrados recebem as denúncias através de um despacho padrão e, não raro “deixam passar” denúncias ineptas.

Diante disso, surge a dúvida: o Juiz pode rejeitar a denúncia depois de já tê-la recebido? E explica-se o porquê da indagação.

De todos os elementos a serem sopesados por ocasião do recebimento da denúncia, o mais técnico deles é a “justa causa” para propositura da ação penal. Este conceito não é algo estanque, mas, em linhas gerais, pode-se definir como uma “primeira impressão” de que a acusação não é temerária ou leviana e isto só é possível se presentes indicativos de prova da autoria, a existência material de conduta típica e forte indicativo (provas) de que a conduta é antijurídica e culpável. Assim, a ausência de justa causa costuma ser o argumento mais aventado em ações de habeas corpus para trancamento da ação penal e, também, integrar a petição de resposta do acusado.

É importante, que se diga, no entanto, que outros requisitos como pressupostos da ação (legitimidade de parte, etc.), requistos formais (individualização da conduta, liame subjetivo, etc.) também passam, por vezes, despercebidos.

E, então, se isto ocorre, a defesa deve ficar inerte e deixar de aventar estas falhas?

Nesta perspectiva, em homenagem à mais ampla defesa, tem-se que as questões preliminares podem – e devem – ser aventadas pela defesa, por ocasião da resposta á acusação, e o Magistrado não pode deixar de ponderá-las, podendo até, se for o caso, desconstituir a decisão anterior (recebimento da denúncia), rejeitando a denúncia, evitando assim um processo natimorto.

Neste sentido: PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A DEFESA PRÉVIA DO RÉU. O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do CPP, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do CPP, suscitada pela defesa. Nos termos do art. 396, se não for verificada de plano a ocorrência de alguma das hipóteses do art. 395, a peça acusatória deve ser recebida e determinada a citação do acusado para responder por escrito à acusação. Em seguida, na apreciação da defesa preliminar, segundo o art. 397, o juiz deve absolver sumariamente o acusado quando verificar uma das quatro hipóteses descritas no dispositivo. Contudo, nessa fase, a cognição não pode ficar limitada às hipóteses mencionadas, pois a melhor interpretação do art. 397, considerando a reforma feita pela Lei 11.719/2008, leva à possibilidade não apenas de o juiz absolver sumariamente o acusado, mas também de fazer novo juízo de recebimento da peça acusatória. Isso porque, se a parte pode arguir questões preliminares na defesa prévia, cai por terra o argumento de que o anterior recebimento da denúncia tornaria sua análise preclusa para o Juiz de primeiro grau. Ademais, não há porque dar início à instrução processual, se o magistrado verifica que não lhe será possível analisar o mérito da ação penal, em razão de defeito que macula o processo. Além de ser desarrazoada essa solução, ela também não se coaduna com os princípios da economia e celeridade processuais. Sob outro aspecto, se é admitido o afastamento das questões preliminares suscitadas na defesa prévia, no momento processual definido no art. 397 do CPP, também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com a extinção do processo sem julgamento do mérito por aplicação analógica do art. 267, § 3º, CPC. Precedentes citados: HC 150.925-PE, Quinta Turma, DJe 17/5/2010; HC 232.842-RJ, Sexta Turma, DJe 30/10/2012. REsp 1.318.180-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/5/2013.”




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