Na quinta-feira da semana passada um grupo de alunos aproveitou minha aula de Direito Penal V (noite) para dialogar sobre a sua experiência em audiências criminais, que haviam assistido naquela mesma tarde.
Sala de reconhecimento Imagem ilustrativa |
Chamou-lhes especial atenção um processo cuja denúncia era por roubo majorado pelo emprego de arma e, as vítimas – um casal, marido e esposa – procedeu no reconhecimento do acusado em audiência, com um inusitado: a mulher fez o reconhecimento e apontou o acusado como o homem que lhes havia assaltado; o homem, ao contrário, disse não ter dúvidas de que aquele indivíduo não era a pessoa que lhes havia roubado.
Pois ontem recebi uma notícia publicada no Jornal New York times, sobre a quantidade de testemunhos que identificam, equivocadamente, pessoas suspeitas de haverem praticado crimes. E, para piorar a situação, muitas dessas identificações acabam levando a condenações injustas.
Muitas dessas identificações equivocadas estão documentadas no livro de um professor de Direito da Universidade do Estado da Virgínia, intitulado “Convicting the Innocent” - numa tradução livre, “Condenando Inocentes”.
Nos Estados Unidos, anualmente, mais de 75.000 testemunhas realizam a identificação de suspeitos, e estudos apontam que um terço delas são imprecisas. Há quem faça afirmações semelhantes a da senhora da audiência assistida pelos meus alunos: não tenho nenhuma dúvida; essa é uma ‘cara’ que eu não esqueci, mas, na verdade, o apontado não é verdadeiramente o responsável pelo fato criminoso.
Essas imprecisões são objeto de pesquisas, levadas a efeito pelas ciências sociais - mais de 2000 estudos procuram auxiliar nessa questão legal, qual seja reconhecimento de pessoas por testemunhas oculares de crimes – tentando mostrar que é arriscado basear-se o julgamento a partir da convicção pessoal da testemunha na identificação ou reconhecimento do acusado. Segundo os estudiosos, a memória não é uma ‘fita de video’, ‘é frágil na melhor das hipóteses’ e, ainda pior, ‘em situações em que o sujeito está sob estresse’, podendo ter uma visão ‘distorcida e contaminada’ acerca da pessoa.
Mas, ao mesmo tempo em que a confiabilidade da identificação dos criminosos, realizada pela testemunha é relativa, não há nada mais convincente do que apontar o dedo para alguém e dizer: esse é o cara.
A Associação Americana de Psicologia, em um julgamento da Suprema Corte, atuando como amicus curiae (*) afirmou que os jurados tendem a acreditar de maneira mais veemente nos depoimentos das testemunhas oculares.
Um especialista americano, citado na matéria, sugere que a memória seja tratada como uma ‘forma de evidência residual’, como um fragmento coletado na cena do crime; com uma mancha de impressão digital ou de sangue, cuja credibilidade deva ser monitorada.
Os próprios juizes, segundo a matéria, também poderia emprestar colaboração instruindo os jurados sobre as limitações do depoimento das testemunhas oculares, chamando atenção sobre a natureza da memória, de modo a relativar a ‘força’ deste tipo de testemunho.
A notícia também refere sobre o uso do DNA como um instrumento útil a provar a inocência de pessoas eventualmente apontadas como culpados, a partir de depoimentos de testemunhas oculares. Para isso, dizem os especialistas, haveria necessidade de previsão legal em sede de legislativo estadual.
É que os americanos relutam em criar mecanismos constitucionais, através da criação de regras para a manipulação de DNA. Nesse sentido, inclusive, a Suprema Corte decidiu, anteriormente, em julgamento de 2009, que os condenados não têm direito – amparados pelo princípio do devido processo legal – de utilizarem o DNA para provarem sua inocência.
Pois em novembro a Suprema Corte americana deverá realizar discussão sobre o que a Constituição americana tem a dizer sobre o uso de provas obtidas a partir do depoimento de testemunhas oculares, já que a última vez que o Tribunal tratou sobre o tema data de 1977. Há muitos especialistas satisfeitos em ver a Suprema Corte colocando em evidência, novamente, o depoimento das testemunhas oculares no contexto do sistema de justiça criminal.
Leia a matéria completa no New York Times.
(*) Amicus Curiae - é uma expressão latina que significa 'amigo da corte'. Uma espécie particular de intervenção de terceiros em processos pelos tribunais superiores, a fim de oportunizar a que uma pessoa, entidade, ou orgão, com profundo interesse na questão jurídica posta em julgamento, intervenha para, como parte neutra, servir como fonte de conhecimentos em assuntos controvertidos e/ou inéditos, ampliando a discussão antes de o Tribunal dar sua decisão final. É recurso muito utilizado pela justiça americana.
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