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sábado, fevereiro 18

Caso Eloá: comentários sobre a execução da sentença condenatória de Lindemberg


Depois da divulgação da sentença de Lindemberg Fernandes – condenação pelos crimes cometidos no Caso Eloá – muitos alunos me pediram explicações sobre as condições da execução da pena imposta ao condenado.

Assim, publico abaixo a sentença, na íntegra, e logo a seguir alguns comentários rápidos, tendentes aos esclarecimentos que me foram solicitados.

Colaborou, na pesquisa minha colega Carolina Cunha.


Sentença:

"Vistos.

                  Dispensado o relatório, nos termos do artigo 492, do Código de Processo Penal.
Submetido a julgamento nesta data, o Colendo Conselho de Sentença reconheceu que o réu LINDEMBERG ALVES FERNANDES praticou o crime de homicídio qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (vítima Eloá Cristina Pimentel da Silva), o crime de homicídio tentado qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima ( vítima Nayara Rodrigues da Silva), o crime de homicídio qualificado tentado ( vítima Atos Antonio Valeriano), cinco crimes de cárcere privado e quatro crimes de disparo de arma de fogo.

Passo a dosar a pena:

                 O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade todos os elementos que dizem respeito ao fato e ao criminoso, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no artigo 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e equilibrada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para a reprovação do crime.

               Deve o Magistrado, atrelado a regras de majoração da pena, aumentá-la até o montante que considerar correto, tendo em vista as circunstâncias peculiares de cada caso, desde que o faça fundamentadamente e dentro dos parâmetros legais.
              A sociedade, atualmente, espera que o juiz se liberte do fetichismo da pena mínima, de modo a ajustar o quantum da sanção e a sua modalidade de acordo com a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias do crime, bem como o comportamento da vítima.

      Pois bem.

             Todas as condutas incriminadas, atribuídas ao réu e reconhecidas pelo Egrégio Conselho de Sentença incidem no mesmo juízo de reprovabilidade. Portanto, impõe-se uma única apreciação sobre as circunstâncias judiciais enunciadas no artigo 59 do Código Penal, evitando-se assim, repetições desnecessárias.
As circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, não são totalmente favoráveis ao acusado, razão pela qual a pena base de cada crime será fixada acima do mínimo legal.

          Com efeito, a personalidade e conduta social apresentadas pelo acusado, bem como as circunstâncias e consequências dos crimes demonstram conduta que extrapola o dolo normal previsto nos tipos penais, diferenciando-se dos demais casos similares, o que reclama reação severa, proporcional e seguramente eficaz. (STF - RT 741/534).
Esta aferição encontra guarida no princípio da individualização da pena e deve ser realizada em cada caso concreto (CF/ 88, art.5º XLVI).

            Os crimes praticados atingiram o grau máximo de censurabilidade que a violação da lei penal pode atingir.

             Na hipótese vertente, as circunstâncias delineadas nos autos demonstram que o réu agiu com frieza, premeditadamente, em razão de orgulho e egoísmo, sob a premissa de que Eloá não poderia, por vontade própria, terminar o relacionamento amoroso. Tal estado de espírito do agente constituiu a força que determinou a sua ação.
E, nesse contexto, envolveu não apenas tal vítima, mas também Nayara, Iago e Vitor, amigos que a acompanhavam na data em que o acusado invadiu o apartamento. Durante o cárcere privado, as vítimas, desarmadas e indefesas, permaneceram subjugadas pelo agente, sob intensa pressão psicológica, a par de agressões físicas contra todos perpetradas.

           Durante a barbárie, o réu deu-se ao trabalho de, por telefone, dar entrevistas a apresentadores de televisão, reforçando, assim, seu comportamento audacioso e frieza assustadores. Lindenberg Alves Fernandes chegou a pendurar uma camiseta de time de futebol na janela da residência invadida.

         Não posso olvidar, nesse contexto, as consequências no tocante aos familiares das vítimas.

         Durante o cárcere privado, a angústia dos familiares, mormente de Eloá e Nayara, que por mais tempo permaneceram subjugadas pelo réu, que demonstrava constante oscilação emocional, agressividade, atingiu patamar insuportável diante da iminência de morte, tendo por ápice os disparos que foram a causa da morte de Eloá e das lesões sofridas por Nayara.
        E depois dos fatos, as vítimas Nayara, Victor e Yago sofreram alterações nas atividades rotineiras, além de terem de se submeter a tratamentos psicológicos e psiquiátricos.
Ainda, além de eliminar a vida de uma jovem de 15 anos de idade e de quase matar Nayara e o bravo policial militar Atos Antonio Valeriano, o réu causou enorme transtorno para a comunidade e para o próprio Estado, que mobilizou grande aparato policial para tentar demovê-lo de sua bárbara e cruel intenção criminosa.

       Os crimes tiveram enorme repercussão social e causaram grande comoção na população, estarrecida pelos dias de horror e pânico que o réu propiciou às indefesas vítimas.

      Em suma, a culpabilidade, a personalidade do réu, seus egoísticos e abjetos motivos, as circunstâncias e nefastas consequências do crime impõem a esta a Julgadora, para a correta reprovação e prevenção de outros crimes, a fixação da pena, na primeira fase de aplicação, em seu patamar máximo cominada para cada delito, ou seja, 30 anos de reclusão para o crime de homicídio qualificado praticado contra Eloá; 30 anos para o crime de tentativa de homicídio qualificado praticado contra Nayara; 30 anos para o crime de tentativa de homicídio perpetrado contra a vítima Atos; 05 anos de reclusão para cada crime de cárcere privado (contra Iago, Vitor, Eloá e Nayara, por duas vezes) e de 04 anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta dias multa) para cada crime de disparo de arma de fogo (quatro vezes).

       Na segunda fase, não incidem agravantes. Presente a atenuante da confissão espontânea em relação aos crimes de disparo de arma de fogo descritos nas nona e décima séries e cárcere privado da vítima Eloá, reduzo as reprimendas em 1/6, o que perfaz 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses para o crime de cárcere privado e 03 anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 300 dias multa, para cada um dos crimes de disparo de arma de fogo.

          Não incidem causas de aumento de pena.

          Reconhecida a tentativa de homicídio contra Nayara, reduzo a pena no patamar mínimo de 1/3, tendo em vista o laudo pericial juntado a fls. 678/679 e necessidade de futura intervenção cirúrgica para reconstrução dos ossos da face, concretizando-a em 20 (vinte) anos de reclusão.
          Em relação à tentativa de homicídio contra o policial militar Atos, aplico a redução máxima de 2/3, uma vez que a vítima não sofreu lesão corporal, o que perfaz 10 ( dez) anos de reclusão.

         Os crimes foram praticados nos moldes do artigo 69, do Código Penal.
Constatado que o réu agiu com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os resultados, voltados individual e autonomamente contra cada vítima, afasta-se qualquer das figuras aglutinadoras das penas (artigos 70 e 71 do Código Penal) e reconhecendo-se o concurso material de crimes, previsto no artigo 69, do Código Penal.
Somadas, as penas totalizam 98 anos e 10 meses de reclusão e pagamento de 1320 dias – multa, o unitário no mínimo legal.
  
        Para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade, fixo o regime inicialmente fechado. Incidem os artigos 33, §2º, “a”, do Código Penal, artigos 1º, inciso I, e 2º, §1º, ambos da Lei nº 8.072/90, em relação aos crimes dolosos contra a vida.

       É, ademais, o único adequado à consecução das finalidades da sanção penal, consideradas as circunstâncias em que os crimes foram praticados, que bem demonstraram ousadia, periculosidade do agente e personalidade inteiramente avessa aos preceitos que presidem a convivência social, bem como as consequências de suas condutas.

      As ações, nos moldes em que reconhecidas pelo Conselho de Sentença, denotam personalidade agressiva, menosprezo pela integridade corporal, psicológica e pela própria vida das vítimas, o que exige pronta resposta penal. Como fundamentado na primeira etapa da dosimetria da pena, as circunstâncias judiciais são totalmente desfavoráveis ao réu (§3º do artigo 33, do Código Penal).
    
     E por tais razões não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou a concessão de sursis, diante do quantum fixado e da ausência dos requisitos subjetivos previstos nos incisos III, do art. 44 e II, do art. 77, ambos do Código Penal.

     Saliento, ainda, a vedação prevista no artigo 69, parágrafo primeiro, do Código Penal, bem como que as benesses implicariam incentivo à reiteração das condutas e impunidade.

     Em face da decisão resultante da vontade soberana dos Senhores Jurados, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, para condenar LINDEMBERG ALVES FERNANDES, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV (vítima Eloá), artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, c.c. artigo 14, inciso II (vítima Nayara), artigo 121, parágrafo 2º, inciso V, c.c. artigo 14, inciso II, (vítima Atos), artigo 148, parágrafo 1º, inciso IV, por cinco vezes, (vítimas Eloá, Victor, Iago e Nayara, esta por duas vezes), todos do Código Penal, e artigo 15, caput, da Lei nº 10.826/03, por quatro vezes, à pena de 98 (anos) e 10 (meses) de reclusão e pagamento de 1320 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

     O réu foi preso em flagrante encontrando-se detido até então. Nenhum sentido faria, pois, que após a condenação, viesse a ser solto, sobretudo quando os motivos que ensejaram o decreto da custódia cautelar (CPP, art.312), foram ainda mais reforçados pelo Tribunal do Júri, cuja decisão é soberana.

        Denego a ele, assim, o direito de apelar em liberdade.
       Recomende-se o réu na prisão em que se encontra recolhido.

       Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol de culpados.
     No mais, tendo em vista a exibição em sessão plenária de colete à prova de balas, fato consignado em ata, artefato sujeito à regulamentação legal e específica e em não sendo exibida documentação relativa a tal instrumento, remeta-se cópia da ata da sessão plenária ao Ministério Público para ciência quanto ao ocorrido.

      Ainda, também durante os debates, na presença de todas as partes e do público, a Defensora do réu Dra. Ana Lúcia Assad, de forma jocosa, irônica e desrespeitosa, aconselhou um membro do Poder Judiciário a “voltar a estudar”, fato exaustivamente divulgado pelos meios de comunicação.

    Nestes termos, considerando a prática, em tese, de crime contra a honra e o disposto no parágrafo único do artigo 145, do Código Penal, determino a extração de cópia da presente decisão e remessa ao Ministério Público local, para providências eventualmente cabíveis à espécie.

     Decisão publicada hoje, neste Plenário do Tribunal do Júri desta cidade, às 19: 52 horas, saindo os presentes intimados.

    Custas na forma da lei.

    Registre-se, cumpra-se e comunique-se.

   Santo André, 16 de fevereiro de 2012.

   MILENA DIAS

   Juíza de Direito"


Comentários:


Observa-se que de acordo com o artigo 75, do Código Penal Brasileiro, o condenado não cumprirá mais do que 30 anos de pena.

No entanto, é de lembrar-se que, conforme jurisprudência dominante, o total da pena imposta na sentença (98 anos e 10 meses de reclusão) deverá ser  considerada para fins de cálculo dos benefícios da execução penal.

Atente-se que a sentença versa sobre três crimes hediondos e outros nove crimes ‘comuns’. Desse modo, o total da condenação deve ser dividido, individualizado, em duas categorias:

- Crimes Hediondos: 60 anos de reclusão (30 anos do homicídio praticado contra Eloá e 20 e 10 anos, respectivamente,  para as tentativas contra Nayara e o policial);

- Crimes não Hediondos: 38 anos e 10 meses de reclusão; (crimes de cárcere e os disparos de arma de fogo).

Assim, por ser o réu primário, para adimplir o prazo - requisito objetivo - para progressão de regime,  precisará cumprir 2/5 de 60 anos (cerca de 24 anos), relativos aos crimes hediondos e 1/6 de 38 anos e 10 meses (aproximadamente 6 anos e três meses), relativos aos crimes comuns.

Esses dois prazos devem ser somados.

Assim, para progredir de regime o sentenciado precisará cumprir cerca de 30 anos e três meses de reclusão.

Cumpre observar, no entanto, que o réu está preso, preventivamente, desde a época do fato (aproximadamente 4 anos ) e esse período deverá ser detraído da condenação.

Do mesmo modo, não se pode esquecer que o réu poderá se valer os benefícios da remição pelo trabalho e pelo estudo, o que poderá se constituir em fator importante na antecipação da progressão de regime.

Um comentário:

Renê B. Johann Jr. disse...

Gostei da parte do "fetichismo da pena mínima".

Concordando-se ou não, achei legal que a juíza aproveitou a "oportunidade" da gravidade do caso e da mídia sobre ele para que seja repensada essa cultura da pena mínima mal individualizada, chegando sempre, no máximo, ao termo-médio.

Vamos ver o que dirá o Tribunal sobre isso.

Aliás, temos o número do processo?

Abraço,
Renê