A reforma do Código Penal é a mais importante das leis
apresentadas à sociedade brasileira nos últimos três anos. A avaliação é do
ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar nesta
sexta-feira (20), no XXVII Encontro do Colégio de Presidentes de Escolas
Estaduais da Magistratura (Copedem), as milhares de sugestões já encaminhadas à
comissão de reforma do Código Penal, instituída a pedido do presidente do
Senado, José Sarney, em outubro de 2011.
Vice-diretor da Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e presidente da comissão de reforma da
legislação penal, o ministro informou que dificilmente o grupo de 15 juristas
cumprirá o prazo estabelecido para conclusão dos trabalhos.
“Nossa data limite é 28 de maio. Mas, em decorrência do
volume de proposições, certamente precisaremos de mais dez ou 15 dias para
concluir nossa tarefa”, salientou. Sugeriu aos integrantes do Copedem
aproveitarem esse novo prazo para também apresentarem sugestões à comissão, que
debate alterações no texto do código, datado de 1940, portanto com 72 anos de
vigência. O projeto revisado pelos juristas será transformado em anteprojeto
para análise do Congresso Nacional. O relator da proposta é o procurador Luiz
Carlos Gonçalves.
Conforme o ministro, o Brasil necessita de um Código Penal
moderno, voltado para o presente, mas sem perder de vista o futuro.
‘‘Finalmente, o código será adaptado à Constituição de 1988 e aos tratados e
convenções internacionais subscritos pelo Brasil em matéria criminal. Enfim, um
código de condutas que se aplique tanto ao executivo da avenida Paulista como
ao ribeirinho do Amazonas. Em resumo, significará a interferência do estado na
vida e na segurança do cidadão”, salientou Gilson Dipp.
Ele explicou que a comissão também defende a tipificação do
crime de enriquecimento ilícito para os funcionários públicos que não
justificarem a incompatibilidade entre patrimônio e renda. Segundo Gilson Dipp,
ao longo dos anos a legislação brasileira preocupou-se muito com o patrimônio
particular, esquecendo-se do público. “Nossa legislação está defasada. Por
isso, vamos aperfeiçoar os já existentes e criar tipos novos. Pensamos incluir
certas condutas atualmente previstas na Lei de Improbidade
Administrativa", afirmou.
Para Gilson Dipp, o grupo está preocupado com as competições
esportivas internacionais previstas para os próximos anos no Brasil. Por isso,
aprovou proposta que torna crime a revenda de ingressos por preço maior, como a
praticada por cambistas, e tipifica a fraude de resultado de competição esportiva.
A revenda de ingressos por valor maior poderá render ao infrator pena de até
dois anos. Já a fraude de resultado terá pena de dois a cinco anos de reclusão.
“Esses atos no novo CP certamente trarão mais segurança aos
eventos”, avaliou o presidente da comissão. O novo código trará, ainda, a
distinção de associação criminosa e organização criminosa. O CP atual fala
apenas de formação de quadrilha ou bando.
Lesividade maior
Gilson Dipp chamou a atenção para a importância da mudança,
que equipara a legislação brasileira ao que estabelece a convenção das Nações
Unidas sobre o tema. “É preciso haver tratamento diferente para grandes
organizações, que têm lesividade social muito maior do que criminosos que
eventualmente se associam para praticar um crime”, explicou.
Observou que o posicionamento da comissão é no sentido de
que o objetivo da organização criminosa não precisa ser, necessariamente, uma
vantagem econômica, mas de qualquer natureza. A pena para essa conduta será de
três a dez anos. Por enquanto, as poucas divergências são referentes à
possibilidade de agravamento da pena para o consumidor de drogas.
A proposta analisada sugere prisão para o consumidor, em
substituição às penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e
medida educativa, constantes da legislação atual. Alguns profissionais da área
defendem o mesmo tipo penal para tráfico e consumo.
O grupo também já tratou dos crimes cibernéticos, de
terrorismo e de trânsito. De acordo com o ministro, uma das alterações
aprovadas resolve definitivamente os equívocos legislativos quanto ao crime de
embriaguez ao volante. Com o novo texto, o polêmico índice de alcoolemia
previsto na Lei Seca – de seis decigramas de álcool por litro de sangue – deixa
de existir, bastando que o motorista esteja dirigindo sob efeito de álcool e
expondo a dano potencial a segurança viária.
A comprovação, segundo a proposta, pode se dar por qualquer
meio de prova que não seja ilícito, incluindo a possibilidade de testemunhas
comprovarem a embriaguez de um motorista ao volante.
Outro tema relevante trata da mudança de tipificação do jogo
do bicho, de contravenção penal para crime. A proposta é extinguir a Lei de Contravenções
Penais e transformar todas as práticas descritas nela em crimes. A intenção é
que a prática do jogo seja levada mais a sério pelas autoridades por estar
ligada a outros crimes mais graves, como tráfico de drogas e homicídio.
Gilson Dipp entende que, se antes esse tipo de contravenção
não causava grandes distúrbios sociais, hoje ele é comandado por
"máfias" que brigam por território. Ele lembrou que também já foi
aprovado o aumento da pena mínima para o tráfico internacional de armas de
fogo. Atualmente, o Estatuto do Desarmamento prevê reclusão de quatro a oito
anos. O novo intervalo poderá ser de cinco a oito anos.
Dados apresentados pelo ministro aos membros do Copedem
indicam que 90% das sugestões apresentadas à comissão pela sociedade são
relativas ao endurecimento das leis. “Isso reflete o pensamento da sociedade
sobre a segurança pública no Brasil”, assinalou Gilson Dipp.
Ele vê na impunidade a causa desse sentimento social, mas
ressalva que o endurecimento da lei não significará a diminuição da
criminalidade. “Uma boa lei penal, condizente com a realidade do Brasil atual,
é o ponto de partida, a base, a plataforma para que as entidades envolvidas na
segurança pública, no sistema de prevenção e no sistema de penalização possam
trabalhar adequadamente. Mas só a lei não basta”, afirmou, destacando a
necessidade de uma mudança de mentalidade, maiores investimentos em polícia
técnica, em remuneração e no combate à corrupção nos órgãos públicos.
“Precisamos de um Ministério Público dedicado e aparelhado
e, sobretudo, de um Judiciário engajado e envolvido em decisões justas e em
tempo hábil”, argumentou o presidente da comissão.
O vice-diretor da Enfam garantiu que toda sugestão enviada é
apreciada pela comissão, e serve de parâmetro para que os membros da comissão
saibam como pensa a sociedade. Lembrou que na manhã desta sexta-feira os
juristas debateram a possibilidade de ampliação do aborto legal para os casos
específicos de perigo à saúde da gestante. “O código está sendo feito nos dias de
hoje, mas projetado para o futuro. Pensamos entregar uma lei clara objetiva e,
principalmente, capaz de materializar um país plural como é o Brasil”, concluiu
o ministro Gilson Dipp.
Fonte: Site do STJ
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