Copiar de um autor é plágio; copiar de vários é pesquisa,
criticou uma vez o cronista e dramaturgo estadunidense Wilson Mizner. Roubar
uma ideia é como roubar um bem e o novo Código Penal (CP), em discussão no
Congresso Nacional, deve endurecer as punições contra ofensas ao direito autoral,
inclusive criando um tipo penal para o plágio.
O ministro Gilson Dipp, presidente da comissão que elaborou
a proposta do novo código, afirmou que o objetivo é evitar a utilização
indevida de obra intelectual de outro para induzir terceiros a erro e gerar
danos. “O direito autoral estará melhor protegido com esses novos tipos penais
e com a nova redação do que está hoje na lei vigente”, avaliou. O novo tipo
define o delito como “apresentar, utilizar ou reivindicar publicamente, como
própria, obra ou trabalho intelectual de outrem, no todo ou em parte”.
Atualmente, a legislação não oferece critérios específicos
para definir juridicamente o plágio, e sua caracterização varia conforme a obra
– músicas, literatura, trabalhos científicos etc. O tema é tratado
principalmente na esfera civil ou enquadrado como crime contra o direito
autoral, como descrito no artigo 184 do Código Penal, alterado pela Lei
10.695/03.
O professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde e presidente da Comissão de Integridade e Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destaca que a própria definição do plágio tem mudado ao longo da história, confundindo-se com a inspiração.
O professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde e presidente da Comissão de Integridade e Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destaca que a própria definição do plágio tem mudado ao longo da história, confundindo-se com a inspiração.
“Por exemplo, o dramaturgo inglês Willian Shakespeare foi
acusado de ter plagiado Romeu e Julieta de outro autor. Na verdade, na época,
haveria cinco versões diferentes do drama, com pequenas alterações e novos
personagens, sendo uma prática comum na época”, contou. Outro escritor
clássico, o espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote de La Mancha,
chegou a escrever ao rei da Espanha contra as cópias e versões que sua obra
sofria.
Segundo o professor, se o caso de Shakespeare ocorresse nos
dias de hoje, provavelmente acabaria nos tribunais.
Música
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem tratado dessa
temática em alguns julgamentos que envolvem personalidades artísticas
conhecidas. É o caso do Agravo de Instrumento (Ag) 503.774, no qual foi mantida
a condenação de Roberto Carlos e Erasmo Carlos por plágio de obra do compositor
Sebastião Braga. A Justiça fluminense considerou que a música O Careta,
supostamente composta pela dupla da Jovem Guarda, repetiria os dez primeiros
compassos da canção Loucura de Amor, de Braga, evidenciando a cópia. A decisão
foi mantida, em 2003, pelo ministro Ruy Rosado, então integrante da Quarta
Turma do STJ.
Já o Recurso Especial (REsp) 732.482 dizia respeito a
processo em que o cantor cearense Fagner foi condenado a indenizar os filhos do
compositor Hekel Tavares, criador da música Você. Fagner adaptou a obra,
denominando-a Penas do Tié, porém não citou a autoria. No recurso ao STJ,
julgado em 2006, a defesa do cantor afirmou que não havia mais possibilidade de
processá-lo, pois o prazo para ajuizamento da ação já estaria prescrito, e
alegou que o plágio da música não foi comprovado.
Porém, a Quarta Turma entendeu, em decisão unânime, que o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que examinou as provas do
processo, tratou exaustivamente da questão da autoria, constatando a semelhança
da letra e musicalidade, devendo Fagner indenizar os herdeiros do autor. A
Turma determinou apenas que o TJRJ definisse os parâmetros da indenização.
Televisão
Empresas também disputam a exclusividade de produções
televisivas, como na querela entre a TV Globo, detentora dos direitos do Big
Brother Brasil, e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), responsável pelo
programa Casa dos Artistas. A Globo acusou o SBT de plágio, alegando que tinha
a exclusividade no Brasil do formato do programa criado pelo grupo Edemol
Entertainment International.
Em primeira instância, conseguiu antecipação de tutela para
suspender a transmissão da segunda temporada de Casa dos Artistas, mas o SBT
apelou e a decisão foi cassada. Em 2002, a Globo recorreu ao STJ com uma medida
cautelar (MC 4.592) para tentar evitar a apresentação.
Porém, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo,
considerou que a verificação de ocorrência de plágio e de quebra de contrato de
exclusividade esbarram nas Súmulas 5 e 7 do STJ, que impedem a interpretação de
cláusula de contrato e a reanálise de prova já tratadas pela primeira e segunda
instâncias. Não haveria, ainda, fatos novos que justificassem a interrupção do
programa, que já estava no ar havia dois meses.
Coincidência criativa
No mundo da publicidade há vários casos em que a semelhança
entre anúncios é grande, especialmente se o produto é o mesmo. Todavia, no caso
do REsp 655.035, a Justiça considerou que houve uma clara apropriação de ideia
pela cervejaria Kaiser e sua agência de publicidade. No caso, em 1999, a
empresa lançou a campanha “Kaiser, A Cerveja Nota 10”, com o número formado
pela garrafa e pela tampinha.
Porém, ideia muito semelhante foi elaborada e registrada no
INPI, três anos antes, por um publicitário paranaense, que nada recebeu da
agência ou da Kaiser por sua criação. Em primeira instância, as empresas foram
condenadas a indenizar pelo plágio da obra inédita, mas o Tribunal de Justiça
do Paraná reformou a sentença por entender que não haveria prova do
conhecimento da existência da obra anterior e, portanto, do plágio.
O publicitário paranaense recorreu ao SJT. O caso foi
julgado em 2007. O ministro Humberto Gomes de Barros (falecido recentemente),
relator do processo, entendeu que, mesmo que fosse mera coincidência criativa,
a empresa, após ser informada da existência de campanha registrada
anteriormente, deveria ter entrado em contato com o publicitário para obter sua
autorização. Para o relator, a empresa assumiu o risco de criar uma campanha
idêntica se já sabia da existência de uma campanha com o mesmo tema. A indenização
foi fixada em R$ 38 mil.
Texto técnico
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará
(OAB-CE) e presidente da Comissão de Direitos Culturais da entidade, Ricardo
Bacelar Paiva, destaca que ainda há muitos temas relacionados ao plágio não
tratados judicialmente. Ele avalia que o STJ tem tido um papel importante na
fixação de jurisprudência sobre a matéria. E cita o caso do REsp 351.358,
julgado em 2002, em que se discutiu se havia plágio na cópia de uma petição
inicial.
A questão foi analisada sob a vigência da Lei 5.988/73. Essa
lei definia como obra intelectual, além de livros etc., também "outros
escritos”. O relator do processo, ministro Ruy Rosado, agora aposentado,
considerou que o plágio ocorreria em textos literários, artísticos ou
científicos, com caráter nitidamente inovador. A petição judicial seria um
texto técnico e utilitário, restringindo a possibilidade de reconhecer a
criação literária.
O ministro destacou que a regra da lei antiga apenas
protegia os pareceres judiciais (e neles incluindo a petição inicial e outros
arrazoados), "desde que, pelos critérios de seleção e organização,
constituam criação intelectual". Para o ministro, havia, portanto, uma
condicionante. “Não basta a existência do texto, é indispensável que se
constitua em obra literária”, afirmou.
Ricardo Bacelar, recentemente, enviou uma proposta de
combate ao plágio à OAB nacional, com diretrizes que já foram adotadas por
várias instituições, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). Ele afirma que há um “comércio subterrâneo na internet”, que
negocia trabalhos escolares e universitários. O advogado também elogiou as
propostas de reforma do CP sobre o assunto, afirmando que, se aprovadas,
transformarão a legislação brasileira em uma das mais duras contra o plágio.
Outro entendimento do STJ sobre o plágio foi fixado no REsp
1.168.336. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, entendeu que o prazo
de prescrição em ação por plágio conta da data em que se deu a violação, não a
do conhecimento da infração. No caso, foi considerado prescrito o direito de um
autor acionar uma editora que reproduziu diversos trechos de seus livros em
apostilas publicadas pela empresa. Alegando divergência com julgados da Quarta
Turma, o autor levou a questão à Segunda Seção do STJ, mas o caso ainda está
pendente de julgamento (EREsp 1.168.336).
Academia
No meio acadêmico, o plágio tem se tornado um problema cada
vez maior. O professor Paulo Sérgio Beirão diz que, quando o CNPq detecta ou recebe
alguma denúncia de fraude, há uma imediata investigação que pode levar ao corte
de bolsas e patrocínios. Também há um reflexo muito negativo para a carreira do
pesquisador.
“Deve haver muito cuidado para diferenciar a cópia e o
plágio do senso comum. Por exemplo num trabalho sobre malária é senso comum
dizer que ela é uma doença tropical grave com tais e tais sintomas”, destacou.
Outro problema que ele vê ocorrer na academia é o uso indevido de material
didático alheio.
Isso ocorreu no caso do REsp 1.201.340. Um professor teve
seu material didático indevidamente publicado na internet. Ele havia emprestado
sua apostila para um colega de outra instituição de ensino e o material foi
divulgado na página dessa instituição, sem mencionar a autoria. O professor
afirmou que tinha a intenção de publicar o material posteriormente e lucrar com
as vendas. Pediu indenização por danos materiais e morais.
A magistrada responsável pelo recurso, ministra Isabel
Gallotti, entendeu que, mesmo se a escola tivesse agido de boa-fé e não
soubesse da autoria, ela teve benefício com a publicação do material didático.
A responsabilidade da empresa nasceria da conduta lesiva de seu empregado,
sendo o suficiente para justificar a indenização.
Em outro exemplo de plágio acadêmico, o ministro Arnaldo
Esteves Lima, no Conflito de Competência (CC) 101.592, decidiu qual esfera da
Justiça – estadual ou federal – tem competência para tratar do delito cometido
em universidade federal. Um estudante da Universidade Federal de Pelotas
apresentou como seu trabalho de conclusão de curso um texto de outro autor,
apenas alterando o título. O ministro Esteves Lima concluiu que, como não houve
prejuízo à União ou uma de suas entidades ou empresas públicas, e sim interesse
de pessoa privada, ou seja, o autor do texto, a competência para julgar a ação
era estadual.
Além dos simples prejuízos financeiros, muitos veem
consequências ainda mais sérias no plágio. Para Ricardo Bacelar, a prática do
plágio pode ser prejudicial até para a estruturação da personalidade e conduta
ética e moral. “Diante de uma tarefa de pesquisa, não leem sobre o assunto, não
raciocinam, não exercitam a formação de uma ideia. Não sabem escrever, pensar e
desenvolver o senso crítico. Absorvem o comportamento deplorável de pegar para
si o que não lhes pertence”, destacou.
O advogado admitiu a importância da inspiração e até o uso
de trechos de outros trabalhos para a produção de conhecimento novo, mas isso
não justifica o roubo de ideias. Como disse outro americano, o cientista e
político Benjamin Franklin, há muita diferença entre imitar um bom homem e
falsificá-lo.
Fonte:Site do STJ
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