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sexta-feira, agosto 17

Mensalão: relator lê primeira parte do voto e conclui com condenações



O relator da Ação Penal (AP) 470, ministro Joaquim Barbosa, disse, nesta quinta-feira (16), na primeira parte da leitura do seu voto, que estão “claramente caracterizados” os crimes de corrupção ativa e peculato por parte do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e de seus sócios na SMP&B, Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach Cardoso, e de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, por parte do ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP).

Em seu voto, o relator afirmou que o grupo de Marcos Valério encaminhou, em 4 de setembro de 2003, dia seguinte a um encontro que teve com o então presidente da Câmara, a importância de R$ 50 mil em espécie para João Paulo Cunha, valor este sacado, na mesma data, na agência do Banco Rural no Brasília Shopping, na capital federal, pela esposa de João Paulo.

Ainda segundo o ministro, 11 dias depois disso, João Paulo, então presidente da Câmara, assinou edital de abertura de licitação para contratação de empresa de publicidade para cuidar do marketing da Câmara e, em seguida, nomeado uma comissão especial de licitação  para escolher a vencedora. Tal comissão teria beneficiado a SMP&B, embora a empresa não atendesse aos principais requisitos do edital e não comprovasse ter a mesma qualificação das concorrentes, o que, segundo o ministro, teria sido admitido por membros da própria comissão de licitação, conforme consta nos autos.

Posteriormente, ainda segundo o ministro-relator, João Paulo Cunha teria acompanhado pessoalmente a execução do contrato com a SMP&B, efetuando a liberação de um total de R$ 10,745 milhões, embora a empresa de Marcos Valério somente tivesse executado serviços equivalentes a R$ 17.091,00. Isso porque a empresa teria subcontratado toda a parte restante dos serviços.

Segundo o ministro-relator, não procede a explicação dada por João Paulo Cunha de que o dinheiro seria oriundo da tesouraria do PT, por ordem do então tesoureiro do partido Delúbio Soares, e se destinaria a custear a campanha eleitoral em Osasco (SP), área de atuação de João Paulo Cunha. Isso porque os recursos foram transferidos um ano antes das eleições. “O emprego do dinheiro é mero exaurimento da corrupção passiva”, afirmou o relator.

Além disso, segundo ele, a alegação não se coaduna com a prática de Delúbio, que costumava repassar verba de campanha diretamente para os diretórios do PT.

Tampouco, segundo o ministro, convence-o o argumento de que João Paulo Cunha desconhecia a origem do dinheiro. E isso teria ficado comprovado pela tentativa do deputado de esconder o episódio, negando inicialmente o recebimento. Depois, quando ficou claro que sua esposa estivera no Banco Rural na data do saque, disse que ela tinha ido resolver um problema relacionado à cobrança de assinatura de TV a cabo. E que o saque teria sido registrado em nome da SMP&B, e não no seu.

Posteriormente, no entanto, ainda segundo o relator, uma investigação, feita a partir de quebras do sigilo bancário do deputado e das empresas de Marcos Valério, comprovou que houve uma mensagem interna do Banco Rural a sua agência de Brasília, informando que o dinheiro deveria ser entregue à esposa de João Paulo Cunha. E as investigações mostraram, segundo o ministro, que ela assinou um recibo, no qual consta a origem do dinheiro.

Corrupção ativa

O ministro afirmou que ficou caracterizado que os sócios de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, praticaram o crime de corrupção ativa, e citou uma série de depoimentos mostrando a participação deles em reuniões com dirigentes do PT e com João Paulo Cunha para tratar dos contratos de publicidade com a Câmara e órgãos do governo. Ele afastou, com isso, alegação do advogado de Hollerbach de que ele seria um homem dedicado a trabalhos internos na agência de publicidade, nada tendo a ver com contatos externos. Entre outros, conforme afirmou, Ramon Hollerbach se encontrou com o então chefe da Secretaria de Comunicação  Social (Secom) da Câmara dos Deputados, Márcio Marques de Araújo, para tratar do contrato com as agências do grupo de Marcos Valério.

Lavagem de dinheiro

Quanto à acusação de lavagem de dinheiro (artigo 1º da Lei 9.613/98) imputada ao então presidente da Câmara João Paulo Cunha pelo procurador-geral da República, o ministro Joaquim Barbosa considerou caracterizada a prática do ilícito pelo réu. O relator descreveu a forma como a SMP&B transferiu recursos de sua conta na agência do Banco Rural em Belo Horizonte (MG) para a de Brasília (DF) para que o saque de R$ 50 mil pudesse ser feito sem que o real beneficiário fosse identificado, consumando, desta forma, a lavagem de dinheiro.

O relator explicou que a SMP&B emitiu cheque nominal a ela própria, com o respectivo endosso. A agência do Banco Rural em Belo Horizonte enviou fax à agência de Brasília confirmando a posse do cheque e autorizando o levantamento dos valores pela pessoa indicada informalmente no fax – no caso, a esposa de João Paulo Cunha. Com isso, embora o banco tivesse conhecimento da identidade do verdadeiro sacador, não registrava a retirada do dinheiro em seu nome, permitindo que a própria SMP&B aparecesse como sacadora, com a justificativa de que os valores se destinavam ao pagamento de fornecedores.

“Essa informação falsa alimentava a base de dados do Banco Central e do COAF”, afirmou o relator. “Com esses mecanismos, o verdadeiro portador dos recursos em espécie permaneceu oculto, bem como se dissimularam a origem, a natureza, a localização, a movimentação e propriedade do dinheiro recebido, que era fruto de crime contra a Administração Pública. Por esse mecanismo, que por sua eficácia permitiu que os fatos permanecessem encobertos por quase dois anos, até mesmo se o próprio João Paulo Cunha tivesse se dirigido à agência do Banco Rural em Brasília, teria praticado o crime de lavagem de dinheiro, ele próprio”, explicou o relator.

O ministro rechaçou o argumento da defesa de que se João Paulo Cunha soubesse que se tratava de recurso ilícito, não teria enviado a própria esposa para sacá-lo no dia 4 de setembro de 2003. “O réu tinha tanta certeza de que o saque não fora formalizado que apresentou uma versão diferente para a presença de sua esposa na agência do Banco Rural em Brasília, descoberta pela CPMI dos Correios: a de que ela teria ido ao banco pagar uma fatura de TV a cabo”, afirmou o ministro Joaquim Barbosa.

Primeiro peculato

Prosseguindo em seu voto, o relator relacionou o pagamento da vantagem indevida de R$ 50 mil a João Paulo Cunha à contratação da agência SMP&B para supostamente prestar serviços à Câmara dos Deputados, no valor de R$ 10.745.902,00. Segundo o ministro, João Paulo Cunha assinou cerca de 50 autorizações para subcontratações, o que resultou na terceirização de 99,9% do contrato, embora houvesse cláusula dispondo que a contratada poderia subcontratar outras empresas para execução parcial do objeto da concorrência, “desde que mantida a preponderância da atuação da contratada na execução do objeto”.

Segundo o relator, a cláusula se justificava porque a licitação foi feita pela modalidade “melhor técnica”, logo, não fazia sentido subcontratar terceiros. Mas, de acordo com as provas, embora tenha recebido o valor integral do contrato, os serviços executados diretamente pela SMP&B corresponderam a apenas 0,01% do contrato. Para o relator, “o crime de peculato se consumou porque o papel da SMP&B durante a execução do contrato foi, em essência, o de mera recebedora de honorários”.

A execução do contrato demonstrou, segundo o relator, que houve desvio de finalidade do seu objeto para permitir a “ilícita remuneração” da SMP&B, sob a contratação de terceiros, com ônus para a Câmara dos Deputados. O ministro Joaquim Barbosa afirmou que a SMP&B recebia honorários de 5% sobre o valor das subcontratações, ou seja, recebia dinheiro público para, basicamente, contratar serviços de terceiros. Além disso, houve, segundo o relator, desvios como a subcontratação de serviços de engenharia e arquitetura e pagamento de honorários à SMP&B mesmo quando os serviços eram executados por servidores da Câmara dos Deputados.

Segundo peculato

O ministro-relator afirmou que, a partir das provas dos autos, o ex-deputado João Paulo Cunha obteve benefício em proveito próprio por meio da contratação da contratação da empresa IFT – Ideias, Fatos e Textos – de propriedade de Luís Costa Pinto. De acordo com o voto do ministro, a contratação da IFT por meio de empresas prestadoras de serviço para a Câmara dos Deputados teria sido uma forma de Cunha continuar a se beneficiar da assessoria pessoal prestada por Costa Pinto sem pagar por ela.

Costa Pinto trabalhou com Paulo Cunha em sua campanha para a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, realizada entre o final de 2002 e o início de 2003, e passou a prestar serviços para o órgão por meio da empresa IFT, subcontratada em junho de 2003 pela agência Denison Brasil Propaganda, mediante autorização de Paulo Cunha, para prestar serviços de assessoria de comunicação, pelo período de seis meses. Findo o prazo, o deputado autorizou novamente a contratação da IFT, no dia 30 de janeiro de 2004, por mais seis meses, dessa vez como subcontratada da agência SMP&B, que havia sucedido a Denison Brasil Propaganda. O valor dos dois contratos totalizou R$ 252 mil.

Segundo documentos produzidos por equipes de auditoria, relatou o ministro, o trabalho desempenhado por Costa Pinto naquele período foi de assessorar pessoalmente Paulo Cunha, e mesmo os depoimentos das testemunhas de defesa indicam que os serviços eram de natureza pessoal, prestados ao deputado. O relator acrescentou que a secretaria de controle interno da Câmara constatou uma série de irregularidades na contratação da IFT, concluindo que não houve prestação de serviços pela empresa.

Concluiu o relator pela existência da prática de peculato na contratação da IFT, destacando os seguintes pontos: a Câmara dos Deputados já dispunha de uma secretaria de comunicação, seu presidente dispõe de uma assessora de imprensa, e até a gestão de Paulo Cunha não havia a contratação de assessoria de comunicação por meio de agência de publicidade – foi necessária alteração no edital de licitação, promovida pelo diretor da secretaria de comunicação, para inserir essa possibilidade no contrato da SMP&B. O ministro Joaquim Barbosa afirmou também que a IFT foi subcontratada mediante autorização direta de Paulo Cunha, e que não foi encontrada nenhuma materialização do serviço prestado pela IFT pelos serviços de fiscalização e auditoria.

Para o ministro Joaquim Barbosa, houve dolo na contratação da IFT, pois não há como afastar a contratação da empresa de Costa Pinto do benefício pessoal de Paulo Cunha. Por meio da contratação, Paulo Cunha manteve os serviços que Costa Pinto vinha lhe prestando desde 2002.

Fonte: Site do STF

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