Aury Lopes Jr. |
(*) Aury Lopes Jr.
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MUDEM OU MANTENHAM OS INQUISIDORES, O PROBLEMA ESTÁ NA FORMA
DA INQUISIÇÃO! A FOGUEIRA, SEGUIRÁ ACESA...
Muito me perguntam: então profe, qual é a sua posição sobre a
PEC?
A questão é bem complexa e me é muito cara, pois minha tese
de doutorado em 1996-1999 foi sobre 'los sistemas de investigación preliminar
en el proceso penal', que posteriormente foi resumida no livro (agora
intitulado) 'Investigação Preliminar no processo penal'.
Desde logo destaco que não sou um defensor ferrenho do
'promotor investigador', senão que após uma longa e exaustiva análise dos
argumentos contrários e favoráveis aos modelos de promotor investigador, juiz
instrutor e investigação policial, conclui que o modelo é o 'menos
problemático' e, por isso, é uma tendência mundial, pois mais facilmente
contornáveis seus inconvenientes. No modelo brasileiro (e nesse espaço
obviamente não consigo externar, mas está na obra 'Investigação preliminar"
), eu afirmo que percebo uma tendência nessa linha e afirmo a crise do
inquérito policial.
Não sou, portanto, um defensor do promotor investigador, mas
me parece um absurdo jurídico total proibir o MP de investigar. É um
contra-senso, um grave retrocesso.
O ponto crucial é compreender a importância da possibilidade
da coexistência: podemos ter uma investigação policial em que excepcionalmente
se admita o promotor investigador. Isso não significa o ‘fim do delegado de
polícia’, como apressadamente (e reducionistamente) alguns gritarão. Nada
disso! A polícia judiciária (desde que a serviço do poder judiciário...) é
absolutamente imprescindível e nenhum país do mundo (independente do sistema de
investigação adotado) jamais dela prescindiu!!
MAS O PONTO NEVRÁLGICO É: MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE
DEFINIR QUEM INVESTIGA, É DEFINIR COMO SERÁ A INVESTIGAÇÃO!!
Ora, é disso que se ocupa a obra “Investigação Preliminar no
Processo Penal”, em mostrar a necessidade de superar o reducionismo em torno da
epidérmica discussão do sujeito ativo. O problema é muito mais complexo!!
Acabo de encontrar um texto muito breve e enxuto (volto a
remeter ao livro, antes que alguém critique) publicado em 2004 (sim, há 9 anos
atrás, no boletim do IBCCrim), onde sintetizo ao máximo essa premissa.
O texto é antigo, mas o tema também...e a minha posição
segue igual.
Tudo é presentificável, portanto!
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A OPACIDADE DA DISCUSSÃO EM TORNO DO PROMOTOR INVESTIGADOR
(MUDEM OS INQUISIDORES, MAS A FOGUEIRA CONTINUARÁ ACESA)
Assistimos ultimamente a uma ferrenha polêmica em torno da
possibilidade ou não de o Ministério Público realizar a investigação
preliminar. A questão não é nova e dela já nos ocupamos há algum tempo e em
algumas oportunidades, especialmente na obra “Sistemas de Investigação
Preliminar no Processo Penal”
O que sim nos causa muito espanto e preocupação, é a
dimensão que a discussão tomou: de um reducionismo sem igual. Ficou limitada a
uma questão pontual (e que não é a mais relevante!!): Ministério Público ou
Polícia? Pode o Ministério Público investigar ou não?
Talvez parte da opacidade da discussão derive da velocidade
e da urgência, marcas indeléveis das sociedades (complexas) contemporâneas e
que também afetam os juristas e o direito, na medida em que o presenteísmo e a
cultura da urgência fazem com que (até inconscientemente) não queiramos
“perder” tempo com longas e profundas análises (verdadeira anamnese). A
ditadura da urgência é terreno fértil para discussões superficiais,
reducionistas e soluções epidérmicas e sedantes.
Mas uma coisa é certa: não se estrutura nenhuma modificação
legislativa sólida e progressista sem uma discussão séria, profunda e que
transcenda questões pontuais. Basta de reformas pontuais e visões minimalistas.
Partindo da categoria “órgão encarregado”, encontramos
atualmente três sistemas de investigação preliminar: investigação policial,
juiz instrutor ou promotor investigador. Está mais do que constatada a falência
do inquérito policial e do sistema de investigação a cargo da polícia. O
próprio exemplo brasileiro é uma demonstração inequívoca disso.
Quanto ao juiz instrutor, a situação é ainda mais grave. Se
o modelo policial agoniza, o juiz de instrução já está morto. Há séculos.
Ressuscitá-lo hoje seria um imenso retrocesso. Recordemos que esse é um erro
histórico no qual não podemos voltar a incidir. Basta lembrar da barbárie
iniciada no século XII, quando começou a transferência de poderes instrutórios
para o juiz e que culminou na inquisição e toda uma era de escuridão jurídica.
Ainda que se diga que a situação seria diferente – talvez
porque as fogueiras seriam simbólicas...- na essência o problema permaneceria:
a falha está na estrutura do sistema. Mudem os nomes, as aparências, mas o
cerne continua igualmente ruim. Que o digam os mais de vinte anos de
jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos... ou os quadros mentais
paranóicos dos juízes com poderes investigatórios/instrutórios, tão bem
descritos por CORDERO ao apontar para o predomínio das hipóteses sobre os
fatos.
Sobra então – literalmente - a figura do promotor
investigador. Sempre dissemos que essa era a opção “menos problemática”,
principalmente quando comparada com as demais (policial e judicial). Basta
analisar as vantagens e inconvenientes de sua estrutura, bem como o
funcionamento em sistemas concretos (Itália, Alemanha, Portugal e os híbridos
Espanha e França), para concluir que a investigação a cargo do Ministério
Público é aquela em que os inconvenientes (igualmente existentes) são mais
facilmente contornáveis e passíveis de superação.
Mas isso não significa que sejamos defensores ferrenhos do
promotor investigador, como interpretaram alguns leitores apressados. Estamos
muito longe disso, e sempre tivemos uma posição de desconfiança em relação ao
acusador oficial, até porque ele não passa disso: uma parte acusadora, cuja tal
imparcialidade só é alardeada por quem não sabe o que fala. Por quem não sabe o
que é imparcialidade e desconhece a origem do Ministério Público (que nasce
como contraditor natural do imputado e imposição do sistema acusatório). Nessa
matéria estamos com GUARNIERI, quando afirma que acreditar na imparcialidade do
Ministério Público é uma ilusão. A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor
defesa do cordeiro...
No campo da patologia, é elementar que elas existem, como em
toda e qualquer atividade. Ninguém nega a existência (e a gravidade) de alguns
bizarros espetáculos levados a cabo por promotores e procuradores autoritários
e prepotentes, verdadeiros justiceiros da (sua) ideologia de “lei e ordem”.
Também existem os amantes do holofote, adeptos da maior eficiência da imputação
midiática. Mas tudo isso também ocorre, nessa mesma dimensão patológica é
claro, na investigação policial. E, não raro, tem-se notícia de que a polícia
foi ainda mais longe nos abusos, alcançando terrenos ainda não galgados pelo MP
(e espera-se que nunca cheguem lá). Ora, ainda que a discussão equivocadamente
seja reduzida ao campo da patologia, também nisso a investigação policial é
mais fértil a práticas abusivas.
Não obstante, desde que desveladas algumas hipocrisias e
falácias discursivas, a investigação a cargo do Ministério Público é o caminho
natural diante do fracasso dos demais sistemas. Mas isso está ainda muito longe
de qualquer evolução significativa, pois o problema não se encerra no órgão
encarregado. Vai muito além.
Aqui reside nossa inconformidade: muito mais importante do
que decidir quem vai fazer a inquisição (MP ou Polícia), está em definir como
será a inquisição, sempre mantendo o juiz – obviamente - bem longe de qualquer
iniciativa investigatória.
A discussão em torno da autoridade encarregada é
reducionista e minimalista, pois deixa de lado aspectos verdadeiramente
fundamentais, tais como:
1. Definir a função do juiz na investigação, bem como sua
esfera de atuação. Deverá ter uma postura ativa, mas não como inquisidor (ou
investigador, o que significa a mesma coisa), mas sim como garantidor da máxima
eficácia dos direitos fundamentais do imputado, sempre pronto para, mediante
invocação da defesa, fazer cessar ou impor limites ao (ab)uso do poder
investigatório do Ministério Público (ou da polícia).
2. Repensar a prevenção, pois é óbvio que ela deve ser uma
causa de exclusão da competência (e não de fixação como temos hoje), pois em
nenhum caso esse juiz da fase pré-processual poderá ser o mesmo que irá
instruir e julgar o processo. Juiz prevento é juiz contaminado e, pois, jamais poderá
julgar. Essa é a lição de mais de 20 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu
de Direitos Humanos.
3. Definir claramente o controle externo da atividade
policial (talvez através das instruções gerais e específicas), que continua um
ilustre desconhecido no Brasil (que policia judiciária é essa que não está
subordinada ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público?).
4. Jamais poderá se admitir que medidas restritivas de
direitos fundamentais (prisões cautelares, busca e apreensão, interceptações
telefônicas, etc.) sejam empregadas pelo investigador sem prévia autorização
judicial. Tampouco é admissível, à luz do constitucional sistema acusatório,
que o juiz o faça de ofício.
5. É fundamental definir o objeto da investigação preliminar
e os limites da cognição, para termos uma fase pré-processual verdadeiramente
sumária (e jamais plenária, como se converteu na prática).
6. Definir o prazo máximo da investigação preliminar
adotando uma resolução ficta quando superado o limite (CPP paraguaio) ou uma
pena de inutilidade (inutilizzabilità do sistema italiano) dos atos praticados
após o término do prazo legal. Nessa matéria, de nada serve a definição de um
prazo sem a correspondente sanção processual pela violação.
7. Determinar a situação jurídica do sujeito passivo, bem
como a necessária incidência do contraditório e do direito de defesa, diante da
inafastável aplicação do art. 5°, LV da Constituição na investigação
preliminar. É imprescindível responder aos seguintes questionamentos: A partir
de que momento alguém deve ser considerado como sujeito passivo? Que
circunstâncias devem concorrer para que se produza a situação de imputado? De
que forma se deve formalizar essa situação? Que conseqüências
endoprocedimentais produz o indiciamento? Que cargas assume o sujeito passivo?
Que direitos lhe correspondem?
8. Adotar o sistema de exclusão física dos autos da
investigação de dentro do processo, excetuando-se as provas técnicas e aquelas
produzidas no respectivo incidente judicializado de produção antecipada de provas.
Isso significa fortalecer a sumariedade da cognição (limitada ao fumus commissi
delicti) e a função endoprocedimental dos atos de investigação. Mas,
principalmente, acaba com o absurdo das sentenças condenatórias baseadas no
“cotejo” como os elementos do inquérito. Ainda que a sentença não indique, é
inegável a contaminação do julgador por esses elementos colhidos na fase
inquisitorial. Sem mencionar o Tribunal do Júri, onde os leigos julgam de capa
a capa (e mesmo fora da capa...) e sem fundamentar.
9. Definir o alcance do segredo (interno e externo) da
investigação, bem como sua duração e requisitos para decretação. O art. 20 do
CPP não regula absolutamente nada e, o pouco que diz, não resiste a uma
filtragem constitucional. A questão assume uma relevância ainda maior na medida
em que alguns tribunais, equivocadamente, estão vedando o acesso de advogados
aos autos de inquérito policial, em flagrante violação ao disposto na Lei 8906
e no art. 5°, LV da Constituição.
10. Prever os requisitos e a forma como será realizado o
incidente de produção antecipada de provas, respeitando as categorias jurídicas
próprias do processo penal (diante da evidente inadequação das analogias com o
processo civil).
Essas são questões muito mais relevantes e que deixam em segundo
plano a rasteira discussão em torno da autoridade encarregada da investigação.
Diante delas, por exemplo, pouco importa ou nada importa o que diga o STF sobre
a possibilidade de o MP investigar ou não. Problemas muito mais graves
permanecerão intocados.
Inclusive, se o STF entender que os atos investigatórios
levados a cabo pelo MP são ilegais, terá de ser reconhecida a nulidade de toda
a investigação e do processo (contaminação por derivação).
Ou será que continuarão fechando os olhos para a
contaminação (consciente ou inconsciente) do julgador pela prova ilícita e, com
isso, avalizando as ilegalidades cometidas pelo Estado e repetindo o superado
discurso da “não contaminação do processo pelas irregularidades do inquérito”?
Enfim, é preocupante o reducionismo da discussão, que deixa
de lado questões muito mais graves do que definir quem será o inquisidor.
O problema está na própria inquisição. Mudem ou mantenham os
inquisidores, pois a fogueira continuará acesa.
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