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segunda-feira, novembro 25

De quem depende a escolha (sobre a redução da maioridade penal)


Por Cintia Piégas
Diário Popular

Pelotas prepara-se para debater o polêmico assunto da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos

Cinco jovens deixam uma festa, embarcam no carro e são surpreendidas por dois menores. O líder do assalto tinha apenas 13 anos.

O fato real que ocorreu em Pelotas evidencia uma situação cada vez mais comum: a criminalidade infantil. No Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça no Brasil (CNJ), mais de 17 mil jovens infratores atualmente estão cumprindo medidas socioeducativas. 

A reboque das estatísticas está o debate sobre a maioridade penal. Alvo de várias tentativas de emendas ao longo de 20 anos, a diminuição da idade penal mobiliza defensores ferrenhos. Muitos preferem a manutenção. Mas o tema é amplo e será motivo para debate no dia 4 de dezembro, em Pelotas.

Conforme matéria publicada no dia 20 deste mês no site da Câmara dos Deputados, os partidos do governo federal são contra a proposta de plebiscito - Projeto de Decreto Legislativo 1002/03 - que deixaria claro a vontade do povo. Enquanto a redução de 18 para 16 anos parece se tornar inviável - artigo que trata da infância é cláusula pétrea -, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, sugeriu em abril deste ano - após o assassinato de um jovem por uma adolescente - o aumento de três para oito anos de permanência dos internos nos Cases. Mas, será que isso é viável?

Para o diretor administrativo do Case Pelotas, Tiago Fernandes, não. Em menos de um ano - após passar por uma interdição e duas rebeliões - a unidade reduziu de 60 para 37 internos. Desses, dez cumprem medida socioeducativa pelo crime de homicídio. Os demais estão ligados à prática de roubo e ao tráfico de drogas. “É muito cômodo reduzir a maioridade penal. Isso só jogaria a culpa para o outro lado. A Fundação de Atendimento Socioeducativo é a UTI do Estado”, disparou o diretor.

Na opinião do diretor, os governos precisariam agir na base e na prevenção e não aumentar o tempo de permanência na unidade. “O Centro não tem como manter adolescentes por oito anos, uma vez que atua diretamente com a justiça restaurativa e com a recuperação de valores", opina Fernandes. Para o diretor, é preciso analisar as condições anteriores desse jovem antes de chegar à prática infracional, ou seja, se ele teve e tem uma base estruturada familiar, educação de acordo com os valores e princípios de uma sociedade.
A cientista social, mestre em Ciências Sociais e professora dos cursos de Sociologia e de Serviço Social da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Carla Silva de Ávila, reforça as considerações do diretor da unidade. Para a especialista, grande parte do problema está no sistema funcional, sendo que a violência é uma questão histórica e está atrelada ao modo de produção capitalista, ou seja, desigual. "A maioria dos menores envolvidos em atos infracionais está ligada a roubos e tráfico de drogas, ou seja, dinheiro", diz Carla ao ressaltar que dados apontam para uma menor reincidência entre adolescentes infratores que presidiários. "A sociedade precisa se responsabilizar por esses menores, uma vez que é grande a vulnerabilidade social. A sociedade precisa entender o socioeducativo e sair em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente."

Estatísticas

O coordenador do Setor de Repressão Qualificada dos Homicídios de Pelotas, delegado Félix Rafanhim, também considera o envolvimento de menores no crime com uma questão social. Em quase 11 meses, jovens menores de 18 anos estiveram envolvidos em 16 crimes, sendo um homicídio consumado e 15 tentados. "Ao todo são 19 menores, ou seja, um evento teve mais de um adolescente participando. Dois são reincidentes", disse Félix. Entre as motivações, as que mais prevalecem são envolvimento com drogas (dois casos) e vingança.

Do outro lado da história, estão os menores vítimas da violência. Até o dia 17 deste mês, Pelotas registrou seis menores assassinados, todos na faixa etária entre 15 e 17 anos.

Mudança de endereço

Para a secretária adjunta da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, Maria Celeste, o tema do rebaixamento da idade penal é recorrente toda vez que ocorre um crime onde há o envolvimento de adolescentes. "Alguns setores da sociedade entendem que o rebaixamento da inimputabilidade seria a resolução do problema e sabemos que isto não é verdadeiro. Estaríamos mudando o endereço de onde será encaminhado o adolescente, ou seja, em vez de ir para a Fase, estaremos enviando-o para o presídio, mas, efetivamente, o que muda?", questiona.

Maria Celeste observa que, na mesma medida estão as tratativas quanto ao debate sobre o aumento de tempo das medidas socioeducativas. "Se um adolescente comete um ato infracional com 16 anos e é sentenciado a três anos de privação de liberdade, isto significa que ele ficará em média 1/5 de tempo da sua vida recluso. Se utilizarmos a mesma conta para uma medida de seis, sete anos, isto significará até 1/3 de tempo da vida do adolescente recluso."

É sabido que o tempo de restrição da liberdade, segundo a secretária, não é tão impactante na vida do adolescente quanto o que se faz com ele com vistas a sua ressocialização. "Isto sim deveria ser o foco da cobrança da sociedade brasileira: que os governos efetivamente cumpram com o papel ressocializador que lhe é imputado pela Constituição e devolva a convivência comunitária aos adolescentes sabedores da sua responsabilidade em relação ao ato infracional, profissionalizando-os e promovendo a vontade de mudar o rumo das suas vidas."

Igreja abre espaço para o debate

No dia 4 de dezembro, uma roda de conversa sobre maioridade penal será realizada pela comissão formada pela 5ª Semana Social Brasileira (SSB) de Pelotas - Cáritas Arquidiocesana de Pelotas, Comitê de Combate à Fome e pela Vida (Coep), Conselho do Ensino Religioso (Coner), Coordenadoria Regional de Educação (5ª CRE), Gabinete do vereador Ivan Duarte (PT), Grupo Autônomo de Mulheres (Gamp), Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Pelotas, Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Pelotas e Universidade Católica de Pelotas (UCPel).

Considerando a Campanha da Fraternidade 2013, com a temática Fraternidade e juventude, o evento surge como uma ação da comissão da 5ª SSB de Pelotas. Com a preocupação de informar, refletir e aprofundar de forma crítica essa questão presente na sociedade, desconstruindo ideias imediatistas principalmente de enquetes propostas por alguns meios de comunicação.

Segundo integrantes da Comissão organizadora do evento, o Brasil vive um momento de preocupação e reflexão em torno da violência, seus problemas e suas causas. Em qualquer meio de comunicação vê-se reportagens de agressões, roubos e assassinatos, ao lado da chamada impunidade e insegurança da população. Com isso, sem negar a problemática, cresce a ideia de que tudo é violência, de que tudo é culpa de governos que sucessivamente não tratam de tão importante questão. "Além do mais, o jovem é um alvo constante deste problema e, ao invés de vítima, é visto como protagonista da violência de uma sociedade doente", assinalou um dos integrantes.

Para o grupo, muitos jovens de camadas populares não têm perspectivas, como oportunidades de trabalho digno, estudo e lazer, o que os impele a opções fáceis pela sobrevivência. A 5ª Semana Social Brasileira é uma promoção da CNBB.

Serviço

O quê: Roda de Conversa
Quando: dia 4 de dezembro, às 19h
Onde: auditório Dom Antônio Zattera (Campus I da UCPel)
Quem participa: Cândida F. Fonseca - Teóloga e agente da Pastoral Carcerária; Ivan Duarte, vereador na cidade de Pelotas; Luana Corrêa, Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Pelotas; Vilson Farias, promotor aposentado e doutor em Direito.

Evento é aberto à comunidade em geral

Alguns dos mais de 30 projetos

Dia 19 de agosto de 1993
Proposta de Emenda à Constituição - PEC 171/1993
Autor: Benedito Domingos (PP/DF) - Altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal (imputabilidade penal do maior de 16 anos). Situação em 13/6/2013: devolvido ao relator.
Dia 22 de maio de 2002
Projeto de Emenda à Constituição - PEC 26/2002
Senador Íris Rezende - Altera o artigo 228 da Constituição Federal, para reduzir a idade prevista para a imputabilidade penal, nas condições que estabelece. (arquivado)
Dia 19 de novembro de 2003
Projeto de Decreto Legislativo de Referendo ou Plebiscito - PDC 1002/2003, apresentado pelo deputado Robson Tuma. Convoca plebiscito para consulta popular da redução ou não da maioridade. Situação em 16 de setembro de 2013 - apresentação do parecer do relator à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), pelo deputado Efraim Filho (DEM-PB).
Dia 24 de abril de 2013
Projeto de Lei - 5.454/2013
Deputada Andreia Zito (PSDB/RJ) - Altera o Código Penal e as leis ECA e do Sinase, estabelecendo como circunstância agravante a participação de menor na realização de crime, aplica o Estatuto do Menor e do Adolescente em casos excepcionais aos maiores até 26 anos de idade, fixa normas para a internação em Regime Especial de Atendimento em estabelecimento educacional com maior contenção com prazo máximo de oito anos. (Sujeita à apreciação)
Fonte: Site da Câmara dos Deputados

Legislação atual

- Constituição Federal de 1988
Artigo 228 - Maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 ano.s
- Código Penal - Lei 2.848 de 1940
Artigo 27 - Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei 8.069 de 1990
Artigo 104 - Da prática do ato infracional: são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei. Artigo 121, parágrafo terceiro: quanto ao adolescente infrator, o período máximo de internação não excederá a três anos.

 Terminações

Os crimes ou as contravenções praticados por adolescentes ou crianças são definidos como "atos infracionais" e seus praticantes como "infratores". As penalidades previstas são chamadas de "medidas socioeducativas" e se restringem apenas aos adolescentes de 12 a 17 anos.

Menores envolvidos com a violência em Pelotas

De janeiro até 17 de novembro de 2013

Menor infrator envolvido em homicídios

- Em 16 casos
- Total de 19 menores
- Um suspeito de ser autor de homicídio consumado (do total
de 53)
- 15 suspeitos de tentativas de homicídio (do total de 130)
- Idade média 14 a 17 anos
- Dois reincidentes
* Motivação
- Dois casos por tráfico de drogas
- Demais: vingança
* Locais
- 1º lugar - Areal (nove casos)
- Três Vendas e Centro
Menores vítimas
Seis adolescentes assassinados
- Idade: 15 a 17 anos
Processos
- 13 estão no Juizado da Infância e Juventude
- Três faltam remeter à Justiça
Fonte: Setor de Repressão Qualificada dos Homicídios

OPINIÃO sobre o rebaixamento da idade para imputabilidade penal

Contra(*)

(*)Ana Cláudia Lucas  - Professora de Direito Penal, Criminologia e Prática Processual Penal da Universidade Católica de Pelotas

As práticas delituosas  engendradas por adolescentes menores de 18 anos de idade têm,desde há muito, ensejado debates acerca da necessidade de diminuição da idade limite para a responsabilidade penal. Como é por demais sabido, a idade para a responsabilidade penal  está legalmente fixada pelo Código Penal Brasileiro, em seu artigo 27 e, também, no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 104. Além disso, é norma constitucional, prevista no artigo 228 da Constituição da República.
Este tema – o da diminuição da idade para a responsabilidade penal – é recorrente no Brasil, e sempre aparece atrelado às discussões sobre o  aprimoramento da segurança pública. Ou seja, de maneira reducionista e popularesca, quando se fala em segurança pública sempre vêm à tona os aspectos do recrudescimento das penas, da necessidade de maior encarceramento e da diminuição da idade para responsabilidade penal.
No Brasil, a discussão sobre o rebaixamento da idade para imputabilidade penal é motivada por uma série de fatores, sendo os principiais,  o crescimento da criminalidade juvenil; o número de adolescentes envolvidos em práticas delituosas graves; a influência de países latino-americanos e/ou europeus que procederam o rebaixamento da idade para a responsabilidade penal, a pretexto de conter a criminalidade dos jovens; aspectos contraditórios na legislação que, ao tempo em que considera irresponsáveis criminalmente os menores de 18 anos, faculta aos mesmos a escolha de seus representantes políticos; a necessidade de diminuir, pela ameaça da pena, e do encarceramento, o número de infrações penais envolvendo adolescentes; a pressão exercida pela mídia que, ao noticiar casos chocantes de infrações penais perpetradas por jovens menores de 18 anos, conduz à ideia da necessidade de adoção de medidas extremas de punição;  o discurso de alguns políticos, em vésperas de eleição, indo de encontro ao desejo do senso comum de punir ‘mais e melhor’ o adolescente infrator; a ideia contida no imaginário, no senso comum, de que não existem respostas jurídico-penais satisfatórias em se tratando de ilícitos penais praticados por adolescentes.
O Brasil optou por adotar políticas de proteção integral à criança e ao adolescente, traduzidas tanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto pelo Estatuto da Juventude e, fundamentalmente, pela Constituição Federal.  Elegeu defender, como prioridades da república, os direitos e garantias fundamentais dessa camada da população brasileira, comprometendo-se a assegurar educação, moradia, saúde, emprego e, principalmente,  um núcleo familiar virtuoso.
Ora, não precisamos ir longe às reflexões para identificar que o Estado fracassa nas políticas de proteção à criança e ao adolescente. E, agora, busca de maneira leviana, na defesa do rebaixamento da idade para responsabilidade penal,   punir de maneira serôdia esses indivíduos que são, em sua maioria, jovens que pertencem às camadas sociais mais desatendidas em seus direitos básicos.
Há inúmeras razões para que se defenda a manutenção da idade para responsabilidade penal aos 18 anos. E elas, salvo melhor juízo, são muito mais consistentes do que àquelas que sustentam o contrário.
É necessário registrar, desde já, que segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011, os casos de criminalidade juvenil apresentaram redução. E, do total de adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas sócio educativas.
Veja-se  que os números do Relatório do Conselho Nacional de Justiça sobre o perfil dos adolescentes em conflito com a lei demonstram que há, sim, punição para os adolescentes infratores no nosso país. A ideia de que com ‘menores não dá nada’ é absolutamente distorcida.  Segundo o CNJ adolescentes de 15 a 17 anos, com famílias desestruturadas, defasagem escolar, envolvidos com drogas, cometeram as principais infrações que são  as patrimonias.  Há, no Brasil, hoje, 17,5 mil jovens infratores cumprindo medidas socioeducativas.  Dentre os que cumprem internação,  muitos são alvos de maus-tratos.  Mais de 10% dos estabelecimentos registram situações de abuso sexual e 5% deles apresentam ocorrências de mortes por homicídio. A metade dos adolescentes é reincidente em prática criminal. E 60% deles possuem entre 15 e 17 anos e mais da metade destes não freqüentava a escola antes de ingressar no cumprimento da medida sócio educativa.
É  para estes que se quer diminuir a idade para a responsabilidade penal.
E, a partir desses dados, especialmente os relativos à reincidência, não é possível acreditar – até porque em nenhum lugar do mundo essa experiência foi exitosa – em políticas criminais que, por punirem antes, punam melhor.  Não se trata, portanto, de indagar-se se um jovem de quatorze, quinze, dezesseis ou dezessete anos tem ou não capacidade de entender o caráter ilícito de seu comportamento, mas de perguntar-se, por outro lado, se a estrutura carcerária tem condições de recepcionar essa parcela da juventude, no mais das vezes atingida pela exclusão social, pela marginalização, pela pobreza, pela desestruturação familiar, pela violência, pela prostituição e dependência da droga, sem que as condições prejudiciais, desconstrutivas e estigmatizantes do cárcere, que todos conhecemos,  possam tornar ainda mais maléficas as suas condições de sobrevivência.
Ora, a desejada contenção da criminalidade juvenil, pela ameaça de sanção penal mais gravosa, também não é perspectiva animadora. Não são contemporâneas as teses que demonstraram, ao longo dos anos, que o agravamento da sanção, seja por sua qualidade ou quantidade, não tem o condão de conter criminalidade, porque não cumprem as propaladas finalidades preventivas da pena.
Por isso, a diminuição pura e simples da idade para imputabilidade penal também não resultará em diminuição do  número de infratores se vier  desacompanhada de políticas públicas efetivas na direção da proteção integral da criança e do jovem.
E, para o fracasso das políticas protetivas, também há números: mais de 8600 crianças assassinadas no Brasil no ano de 2010; mais de 120 mil crianças e adolescentes vítimas de maus tratos e agressões; 68% delas sofreram negligências variadas; 49,20% violência psicológica; 46,70%, violência física; 29,20%, violência sexual e 8,60% exploração de trabalho infantil (Dados da Abrinq) e mais de 3 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil (dados do IBGE).
Afinal, contra o que devemos nos insurgir? Contra a idade fixada para a responsabilidade penal, ou contra essa tirania de parte significativa da sociedade que insiste em punir sempre com maior severidade aqueles que pertencem às camadas mais desprotegidas dela?

A favor (*)(**)

(*)José Fernando Gonzalez, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da UFPel, promotor de Justiça aposentado e advogado.
(**)Texto não disponível no site do jornal Diário Popular


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