O Brasil tem a quarta população carcerária do mundo, com 584
mil presos. Com o foco nessas pessoas e em sua reintegração social, a comissão
de juristas que preparou a reforma da Lei de Execução Penal (LEP) entregará
suas propostas ao Senado Federal nesta quinta-feira (5), em solenidade prevista
para as 12h.
Presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) Sidnei Beneti, a comissão concluiu seus trabalhos na semana passada. O
anteprojeto dá destaque especial ao combate à superpopulação carcerária, à
desburocratização da execução das penas e à efetivação dos direitos dos
presos.
A comissão foi instituída em abril deste ano pela
presidência do Senado, com a missão de propor medidas para a modernização da
Lei 7.210/84. O ministro Beneti esclareceu que, posteriormente, uma comissão de
senadores será designada para examinar o trabalho e oferecer o projeto
definitivo para análise do Legislativo.
“A lei tem 200
artigos, aproximadamente, que foram examinados um a um para concluir o que se
pode oferecer de melhor à sociedade”, afirmou o ministro. Juristas de diferentes regiões do Brasil e
especialistas na área de execução penal participaram dos trabalhos da comissão.
A relatora, Maria Tereza Gomes, secretária da Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos do Paraná, destacou o “brilhantismo” da condução dos trabalhos pelo
ministro Beneti. “Ele conseguiu harmonizar os interesses e recepcionar
sugestões que cada membro da comissão trouxe”, comentou.
O advogado Técio Lins e Silva também elogiou o temperamento
conciliador de Beneti. “Apesar de grandes embates, praticamente resolvemos tudo
no consenso”, comemorou.
Superlotação
A relatora Maria Tereza destacou que a comissão teve coragem
de enfrentar a superlotação carcerária, o que ela qualificou que “grave
violação aos direitos humanos”. O promotor de Justiça Marcellus Ugiette citou
esse ponto como um dos principais avanços do texto proposto, tirando o estado
brasileiro de uma zona de conforto, onde sua atuação tem-se limitado a prender
e encarcerar.
Ugiette conta que também foi tratada a questão da extinção
dos hospitais de custódia para tratamento psiquiátrico, o que retira da área da
segurança pública a questão do louco infrator e a entrega nas mãos da saúde
pública.
O professor Gamil Föppel, da Bahia, diz que o texto proposto
pela comissão torna impossível haver presos em delegacias de polícia: “A LEP
dará um prazo máximo para que os estados se adequem e acabem com essa anomalia
que é haver presos em delegacias de polícia. Sendo levado adiante este projeto,
a sociedade terá uma lei muito mais justa e muito melhor no que diz respeito às
finalidades legítimas e constitucionais atribuídas à pena.”
O advogado Carlos
Pessoa de Aquino, da Paraíba, afirmou que se trata de uma lei que resgatará
pessoas esquecidas. “A sociedade ignora suas entranhas. Temos que resgatar
esses cidadãos para que possam se readequar à sociedade brasileira”, afirmou.
Integração
O ministro Beneti explicou que o anteprojeto da LEP
estabelece uma rede de trabalho nacional em torno da execução penal. Conforme a relatora Maria Tereza, o novo
texto fortalece os órgãos da execução penal, partes estruturais do sistema,
como o Conselho Nacional de Política Penitenciária, o Conselho Nacional de
Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Nacional dos Secretários
de Justiça e Administração Penitenciária.
“Justamente a integração desses órgãos é que permite o
fortalecimento da política e a implantação das ações”, afirmou. “A execução penal vai além de olhar
simplesmente a pessoa do encarcerado”, disse a relatora.
“São várias políticas públicas, de diversos segmentos, que
precisam estar juntas para encontrar soluções para essa problemática”,
acrescentou. Efetividade de direitos O
professor Mauricio Kuehne, do Paraná, destacou que, apesar de ser uma lei
avançada, a atual LEP necessita de adequações à realidade, principalmente no
que diz respeito aos direitos dos presos dentro dos estabelecimentos
prisionais.
Todos os procedimentos da LEP são judicializados, o que
resulta em demora na efetividade desses direitos. Segundo Kuehne, a comissão propôs que algumas
questões sejam resolvidas na esfera administrativa, o que não impede que haja
apreciação judicial, quando for o caso.
Denis Praça, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, acredita que,
apesar de ser uma boa lei, a LEP não tinha mais fôlego para enfrentar os
desafios que a massa carcerária brasileira representa. Por isso, uma das
preocupações da comissão foi com a efetividade da lei.
“A comissão
preocupou-se não só em assegurar direitos, mas em criar mecanismos para que
esses direitos sejam efetivos”, afirmou.
Segundo o defensor, o texto proposto trata de criar
mecanismos para enfrentar o problema da superpopulação carcerária, “para que os
direitos dos presos saiam do papel e venham para o mundo real”. O mesmo se deu
com a questão da saúde e da educação do preso.
Ele acredita que a nova LEP vai conseguir modificar
substancialmente a vida carcerária no Brasil.
Para o professor Roberto Charles, do Maranhão, é importante que haja
critérios objetivos na lei, que se entenda o que a lei quer dizer. “Na lei que
trata dos presos, a preocupação foi esta: dotá-la de critérios objetivos para
que se permita, por exemplo, que o preso, ao entrar no sistema prisional, saiba
exatamente o dia em que ele vai sair, em condições normais”, explicou.
O advogado Luís Alexandre Rassi, de Goiás, disse que um dos
pontos de destaque na proposta de reforma da LEP é a tentativa de eliminar a
“praga” da pena vencida. Foram criados mecanismos para permitir que o preso
saia ou tenha progressão automática, quando transcorrido o prazo previsto.
Mulheres encarceradas
A juíza Nídia Rita
Coltro Sorci, do Tribunal de Justiça de São Paulo, classificou com um grande
avanço o capítulo referente às mulheres encarceradas. Ela é responsável por
quase 5 mil presas em São Paulo. A juíza revelou que a população carcerária
feminina só vem crescendo - triplicou nos últimos dez anos. “Em 2000, existiam
4 mil presas em regime fechado no Brasil. É quase o que eu tenho hoje em São
Paulo”, comparou.
Nídia Rita disse que a criminalidade aumentou e a população
carcerária feminina é espelho disso. Para ela, esse aumento tem reflexos
sociais muito graves. “Estima-se que 90% dos filhos de presos fiquem com as
companheiras, enquanto nem 10% dos filhos de presas ficam com os companheiros”,
revelou.
A juíza contou que o novo texto da LEP trata desse assunto
também. “Não há recrudescimento, nem abrandamento; há adequação, com bom
senso”, declarou. Lei moderna O sub-relator, promotor Augusto Rossini,
diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), revelou que a comissão
foi inspirada pelo desejo sincero de melhorar as coisas numa área que é
frequentemente esquecida.
“Temos a preocupação
de não revogar a lei, mas de fazer com que seja melhorada. Houve avanços
consideráveis”, avaliou. O advogado
Técio Lins e Silva disse que a comissão aproveitou a LEP e respeitou sua
estrutura: “Procuramos torná-la contemporânea aos dias de hoje.” Ele advertiu
que é necessário, a partir de agora, que o Legislativo não modifique por
completo o trabalho apresentado.
“Espero que o Senado
tenha o máximo respeito por esse esforço e mantenha suas linhas mestras, que
são generosas, consentâneas com seu tempo, que visam sobretudo trabalhar com a
realidade dura e dramática do sistema penitenciário nacional”, concluiu.
Edemundo Dias,
presidente da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal, advertiu que esta é
a hora de o Brasil definitivamente tentar resolver os problemas nessa área. “Os
diagnósticos estão aí, mas o Brasil sempre virou as costas para esse submundo
imerso e esquecido. A constituição desta comissão pode ter representado um
divisor de águas”, comentou.
Segundo Dias, com a proposta do novo texto da LEP, a
comissão está dizendo ao Brasil, por exemplo, que não podem ser colocados
presos nas unidades além da sua capacidade. “Temos um déficit carcerário de 273
mil vagas no Brasil.
São presos que cumprem pena não se sabe como. Precisamos
resolver esse problema.”
Fonte: Superior
Tribunal de Justiça
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