Se você resolveu enveredar pelos caminhos da advocacia
criminal, com certeza já foi chamado de “advogado de porta de cadeia”. Afinal
de contas, esse tipo de ofensa é a mais gasta de todas. Você com certeza foi
vítima de expressões depreciativas do tipo “é bandido igual ao cliente…” ou
“ele é vagabundo que ganha dinheiro defendendo estuprador e assassino…”.
Ou ainda teve de o desprazer de ouvir alguns comentários nem
um pouco sutis como “não sei como ele tem coragem de defender um cara desses…”
ou “se eu fosse advogado jamais defenderia um canalha que cometeu um crime tão
bárbaro…”. E por aí vai…
Tudo certo, ninguém nos disse que seria fácil.
Advogados criminalistas
Ser advogado criminalista é muitas vezes brandir a espada
contra o mundo em favor da lei. E não se faça de rogado: eu disse “lei”, que
isso fique bem claro. É importante que evitemos cair no senso comum e pensarmos
que defendemos o crime. Nada disso. O advogado criminalista talvez seja o
operador do direito que mais defende os ditames legais em quaisquer
circunstâncias, com coragem e enlevo, seja contra quem for.
Atualmente, vemos com estarrecimento que as pessoas, de modo
geral, buscam uma justiça customizada, uma justiça que tenha pesos e medidas
diferentes, uma justiça que seja rígida com os outros e branda quando quem
comete o crime for ela própria ou as pessoas que ama.
Prejulgamentos e opiniões completamente fora da realidade
são emitidos sem qualquer tipo de responsabilidade pelos leigos. Colocam-se no
pacote tudo junto: advogado, crime e criminoso, fazendo dessa mistura a criação
de um monstro de três cabeças, uma criatura abominável, um Cérbero fruto de uma
mitologia ignorante e torta.
Tempos perigosos esses nossos.
Nunca na história dessa nação a opinião pública e a justiça
condenaram tanto. Ao arrepio da lei são cometidos excessos cotidianamente,
resultando no encarceramento de pessoas esquecidas pelo Estado em suas
necessidades mais básicas. São esquecidas na origem e, depois, esquecidas nas
prisões.
Nesse limbo do esquecimento, leis distorcidas e autoridades
preferem ignorar que junto ao encarcerado estão também presos seus familiares.
Não existem lenços de seda que enxuguem o rosto de uma mãe que criou o filho
como pode diante de indescritíveis dificuldades e como prêmio teve de assistir
sua caminhada pelas sendas do crime.
Como se não bastasse, ela vê que ele agora, condenado,
transformou-se num espectro perdido nessa espécie de purgatório prisional onde
ela experimenta semanalmente a descida ao “Inferno de Dante” para constatar o
que sobrou do que antigamente ela chamava de filho.
“Prisão perpétua para ele!”, “pena de morte para esse
monstro!…”, mas e se fosse seu filho, mãe, pai ou irmão? A justiça só pode ser
feita quando nos colocamos no lugar de cada uma das figuras envolvidas no drama
dos acontecimentos criminais.
E acompanhando toda essa odisseia estamos nós, os advogados
criminalistas.
Nosso nobilíssimo trabalho consiste em lutar para que o réu
tenha garantido o direito a uma pena justa, sem os excessos que as emoções
trazem. Compreendemos e nos compadecemos com o sofrimento das vítimas, mas
somos os únicos a olhar para o outro lado para ver através do suposto criminoso
a humanidade de quem erra.
Mais que isso até: compreendemos o incompreensível para o
senso comum ao olharmos com isenção para a tenebrosa história de vida que o réu
experimentou. Com parcimônia ligamos os pontos dessa trajetória à transformação
que esse ser humano passou ao longo do tempo, até chegar à escolha nefasta que
decretou seu encarceramento. Sem julgamentos. Sem moralismo.
E a luta não para por aí.
Pelos corredores dos fóruns espalhados por esse gigantesco
país, sofremos desrespeito e preconceito até mesmo por outros profissionais da
justiça. É oportuno fazer a ressalva de que em sua maioria entendem o papel do
advogado – talvez porque no passado tenham estado desse lado do balcão. Não
obstante, muitos ainda tratam o criminalista como um profissional de segunda
categoria e que não merece respeito, assim como seu cliente.
Existem juízes que se apoiam na legalidade, assim como os
que se apoiam em seus preconceitos e estreiteza de visão humanística. Existem
promotores públicos e “acusadores públicos”. Existem delegados de polícia
cientes do seu dever junto à sociedade e outros que usam do cargo para “chutar
cachorro morto”, fazendo de tudo para piorar a situação do indiciado,
obstruindo o trabalho do advogado legitimamente constituído.
Apesar disso tudo, caminhamos de cabeça erguida. Nós,
advogados criminalistas, conhecemos esse tal de “medo” só de ouvir falar.
O genial Francesco Carnelutti dizia:
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta:
permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado.
Pois bem meus caríssimos colegas, diante de todos os
preconceitos, agressões, injustiças e excessos cometidos pelos que estão à
nossa volta, continuamos ombro a ombro todos juntos nesse tal último degrau.
Tudo bem pra mim.
Não há qualquer outro lugar no mundo onde eu queira estar
além desse.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Nenhum comentário:
Postar um comentário