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sábado, setembro 11

A injustificável interpretação do inciso I, parágrafo segundo do artigo 129 do Código Penal Brasileiro.

A legislação penal prevê, dentre as hipóteses de lesão corporal grave aquela na qual resulte para a vítima a incapacidade permanente para o trabalho. O artigo 129, parágrafo segundo, inciso I, assim dispõe:

Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de 3(três) meses a 1(um) ano.
§ 1º...
§ 2º Se resulta:

I – incapacidade permanente para o trabalho;
II- ...
III- ...
IV- ...
V- ...
Pena – reclusão, de 2(dois) a 8(oito) anos.

Por essa incapacidade permanente para o trabalho deve ser compreendida a inaptidão definitiva do sujeito (vítima) para o exercício laboral. Em outras palavras, é a perda da capacidade laboral.

A doutrina penal brasileira tem sido praticamente unânime em defender a tese de que essa incapacidade para o trabalho deve estar dirigida a todo e qualquer tipo de atividade laboratícia, o que muito indicam como sendo o “trabalho genérico’. Significa dizer, de outro modo, que a vítima da lesão corporal deverá resultar incapacitada para a realização de todo e qualquer trabalho e não, apenas, o seu, ou seja, aquele que fosse a sua ocupação atual.

Ao assim pronunciar, a doutrina acaba por esgotar o alcance da figura qualificada da lesão corporal, tornando o tipo penal de aplicação custosa.

Dificilmente uma pessoa, vítima de lesão corporal resultará incapacitada para exercer todo e qualquer tipo de trabalho, eis que sempre haverá uma alternativa laboral para a ela.

Assim, por exemplo, se o sujeito era, ao tempo da lesão corporal sofrida, controlador de voos e perdeu a visão de ambos os olhos, ele não poderá realizar mais essa atividade, mas não estará incapacitado para o exercício de outras atividades que não dependam de acuidade visual.

A jurisprudência tem acompanhado a posição predominante da doutrina, e de forma reiterada surgem decisões dos tribunais deixando de reconhecer a qualificadora sob o argumento de que a vítima não está impedida para exercício de outras atividades profissionais, ainda que não possa empreender outras tarefas semelhantes a que realizava por ocasião da lesão.

EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO. PERDA OU INUTILIZAÇÃO DE MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO. ARTIGO 129, § 2º, INCISOS I E III, DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO IMPOSTA EM PRIMEIRO GRAU. APELO DEFENSIVO VISANDO ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DESCABIMENTO. A materialidade defluiu dos autos de exame de corpo de delito e de exame complementar de lesões corporais I e II, bem como dos documentos referentes à consulta feita pela vítima no Instituto da Visão ¿ IPEPO, em São Paulo. Quanto à autoria, também restou demonstrada pela palavra da vítima e de algumas testemunhas presenciais, que afirmaram terem visualizado o réu desferindo um golpe com uma garrafa no rosto do ofendido, que acabou por acarretar a perda da visão de seu olho esquerdo. LEGÍTIMA DEFESA. INOCORRÊNCIA. Não estão presentes os requisitos para o reconhecimento da legítima defesa ¿ causa excludente da ilicitude, uma vez que exsurge do conjunto probatório carreado ao processo que a alegada injusta agressão já havia cessado quando o imputado reiniciou o conflito corporal com a vítima. Ademais, golpear o ofendido na cabeça com uma garrafa não foi um meio necessário moderado, dado que a vítima sequer possuía objetos que pudessem potencializar a agressão. DESCLASSIFICAÇÃO DO FATO OPERADA, DE OFÍCIO, PARA O CRIME DE LESÃO CORPORAL GRAVE. O fato denunciado não tipifica o delito de lesão corporal gravíssima, mas grave. Com efeito, o douto Promotor de Justiça classificou a conduta denunciada nos incisos I e III do § 2º do art. 129 do Diploma Substantivo Penal. Quanto ao inciso I do § 2º, remete-se ao caso de a lesão sofrida ter causado incapacidade permanente para o trabalho. Na hipótese, o auto de exame complementar de lesões corporais certificou: ¿sim, incapaz de exercer profissões ou funções que requeiram visão binocular, inclusive sua atividade prévia como eletricista da rede pública¿. Desse modo, tendo em vista a existência de inúmeras profissões que podem ser desempenhadas com a visão de apenas um dos olhos, as quais por conseqüência, poderão ser laboradas pela vítima, não incide no caso sub judice a referida qualificadora, que só tem aplicação quando a lesão traz incapacidade perpétua para qualquer atividade profissional remunerada, salvo algumas restrições. No que tange ao inciso III do § 2º, também não incidiu no caso concreto, já que a lesão ocasionou a perda da visão de um dos olhos do ofendido, ou seja, a vítima teve sua função visual permanentemente debilitada, mas não a perdeu. Apelo defensivo improvido, e de ofício, desclassificado o fato denunciado. (Apelação Crime Nº 70025903188, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 03/12/2008)

Ora, se a compreensão da qualificadora não parece adequada nesse sentido, tampouco é razoável estender a aplicação dela para a hipótese na qual tenha o sujeito passivo restado incapacitado apenas para o seu próprio trabalho, se lhe restar a possibilidade de exercício de atividade semelhante.

A melhor interpretação parece-me, seria avaliar se, no caso concreto, a vítima restou incapacitada para o seu trabalho e para outros que lhe sejam equivalentes. Neste caso, uma vez comprovada essa circunstância, a qualificadora deverá ser considerada para fins de aumentar o grau de reprovação da conduta delituosa do agente, reconhecendo-se, pois, a qualificadora.

Esse é critério justo e que salvo melhor juízo, atende aos reclamos sociais. Contudo, nem a jurisprudência nem a doutrina perceberam isso, ao que tudo indica.

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