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segunda-feira, julho 18

A lei deve servir à sociedade, não ao criminoso(*)


(*)Charles Emil Machado Martins e Érico Fernando Barin
Promotores de Justiça do RS



Neste mês de julho entrou em vigor a Lei 12403/2011, reformando substancialmente o Código de Processo Penal no que toca às prisões cautelares, aquelas decretadas durante o curso do processo, antes da sentença penal condenatória.

Não é possível ignorar que a reforma, a despeito de ser propalada como instrumento de avanço na defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos acusados, em verdade visou: a) atenuar o crônico e pouco enfrentado problema da superlotação dos presídios e/ou 2) dificultar, ainda mais, a aplicação das prisões cautelares. De plano, essas pseudometas merecem todas as censuras, pois o Brasil é palco de criminalidade crescente,e, pior, há muito se destaca negativamente pela impunidade  que contempla, em especial, aos criminosos abastados.

Qualquer raso exame das casas prisionais gera a constatação de que são presos cautelarmente, em regra, apenas autores de crimes graves e/ou aqueles que fizeram do crime um meio de vida. Dito de outro modo, ao menos em solo gaúcho, o que se tem visto, em geral, é que a decretação das prisões cautelares tem sido criteriosa e em fiel acato às hipóteses legais, pois, querendo ou não, elas são medidas imprescindíveis para prevenir novos delitos, garantindo o sagrado direito social à segurança e resguardando a credibilidade no sistema de justiça estatal.

A superlotação dos presídios não decorre de excessos ou exageros do Poder Judiciário: decorre, sim, da histórica desídia do Poder Executivo no trato da questão. E isso tem gerado uma relação perversa: enquanto a população honesta cada vez mais necessita permanecer atrás das grades de suas casas, há impunidade e liberdade a uma imensa parcela de criminosos.

É preciso, pois, espancar eventual ambição de que a reforma legal possa servir como solução à falta de vagas no sistema prisional ou como empecilho à decretação de prisões cautelares. E, nessa trilha, o Ministério Público e o Judiciário têm o dever de seguirem  atuando dentro das suas atribuições constitucionais, manejando pedidos e decretos de prisões cautelares nas hipóteses em que se mostrarem necessárias, como sempre fizeram.

A reforma não tornou a prisão cautelar algo como o “pico do Everest’, a ser alcançado mediante trabalho heróico e após superação de diversas etapas: ela seguirá sendo uma medida extrema, é verdade, mas que deve ser utilizada de pronto, quando presentes a contumácia e/ou a barbárie criminosa.

É certo que a Lei 12043/11 traz a vedação de prisão cautelar para os delitos com pena máxima inferior a quatro anos. Mas isso num primeiro momento. Mesmo para estes crimes, se o acusado não obedecer a alguma medida cautelar decretada pelo juiz, poderá ocorrer, sem delongas, a decretação da prisão preventiva.

Além disso, como já aventado, a Lei 12043/11 prevê a possibilidade de aplicação de uma série de medidas cautelares a serem destinadas aos autores de crimes de pequeno e médio potencial ofensivo. Tais instrumentos, se bem utilizados, e desde que o Estado trate de aparelhar-se para fiscalizar as medidas, serão extremamente importantes, sobretudo na prevenção de novos crimes.

O fato é que, antes da reforma legal, a justiça via-se entre duas opções extremas: prender cautelarmente ou deixar totalmente livre o acusado. Agora, naqueles  casos em que outrora a prisão revelava-se exagerada e a liberdade, pura e simples mostrava-se por demais indulgente, poder-se-á aplicar  outras medidas  cautelares, tais como o recolhimento domiciliar e a monitoração eletrônica, sempre havendo a possibilidade, em último caso, da prisão preventiva.

Enfim, é momento de máxima atenção, refutando-se o argumento de que o problema está na lei. A lei deve servir à sociedade, não ao criminoso. E é o operador do direito que vai definir para quem ela se prestará. Não se pode tolerar que o Código de Processo Penal, em vez de instrumento para a aplicação do Direito Penal, passe a servir como ‘salvo conduto’ para criminosos.

O Ministério Público prosseguirá cumprindo seu dever constitucional de defender os interesses da sociedade, postulando a decretação de prisões, quando  adequadas e necessárias. Por outro lado, quando for o caso, vindicará a aplicação de outra medidas cautelares, ou a substituição  destas por prisão preventiva, nas hipóteses de descumprimento, sempre que esta medida revelar-se, igualmente, necessária.

Em um Estado Democrático de Direito, ao lado da proibição de rigores excessivos aos cidadãos acusados, também se deve fornecer, à sociedade em geral, eficiente tutela dos seus direitos fundamentais, entre eles o direito à segurança. 

Um comentário:

Cauê disse...

Tá aí um bom texto que também serve de repúdio àquelas pessoas que para aparecer muito falam e pouco sabem do assunto.