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domingo, julho 10

Programas de arte em prisões americanas perdem expressão

Quinze homens atravessaram a sala, com seus rostos cobertos de maquiagem, recitando falas de 'Tartufo’. O palco era uma sala de recreação de teto baixo e o elenco era formado por um grupo de criminosos que havia acabado de chegar do Centro de Reabilitação da Califórnia.

Durante quatro horas, eles realizaram workshops sob a direção do grupo de Los Angeles Actor’s Gang e liberaram emoções que poderiam ser úteis à farsa de Molière do século 17 – sobre, de forma bastante apropriada, um trapaceiro preparando um golpe.

“Por que vocês estão nervosos?” gritou Sabra Williams, diretora do projeto da prisão, olhando para os atores-presidiários. “Eles me deram uma pena longa demais”, respondeu um dos presos, Ron Reiber, com o rosto vermelho e as veias saltando.

“Agora fiquem felizes!” disse ela. A sala explodiu em sorrisos tolos e braços elásticos, em homens usando macacões da prisão.

Dois anos atrás, a arte em programas correcionais se tornou um pilar em prisões de todo o país, adotada por administradores como maneira de canalizar a agressão, reduzir a barreira racial, ensinar habilidades sociais e preparar os internos para o mundo exterior. Havia um coordenador de artes em cada uma das 33 prisões estaduais da Califórnia, supervisionando uma rica variedade de teatros, pinturas e dança.

Mas esses programas se tornaram uma apagada memória, vítimas da crise orçamentária que atingiu os governos locais e estaduais em todo o país. Em nenhum outro lugar isso é mais real do que aqui, onde as prisões são tão superlotadas que, em maio, a Suprema Corte começou a exigir a soltura de detentos.

“A posição do facilitador de artes foi eliminada”, afirmou Violette Peters, que preencheu o cargo por quatro anos nesta prisão de segurança média no deserto – que, com 4.410 internos, está no dobro de sua capacidade. “Agora sou um analista de casos correcionais. Trabalho no departamento de registros, sem qualquer ligação aos programas de artes”.



Só restaram dois programas prisionais de arte na Califórnia e ambos dependem de voluntários e contribuições privadas. O programa daqui é conduzido pela Actor’s Gang, cujo diretor artístico é o ator Tim Robbins. Na prisão, Robbins se tornou uma figura tão comum quanto o próprio diretor. Caminhando pelas alas, o ator desencadeia uma onda de reconhecimentos entre os internos; eles se lembram de seu papel como prisioneiro, no filme 'Um Sonho de Liberdade’.

Laurie Brooks, diretora executiva da William James Association (que comanda uma oficina de atuação na Prisão Estadual de San Quentin), disse que estes programas foram inicialmente defendidos por Jerry Brown, em 1979, durante um mandato como governador. “Aproveitamos um período bastante rico, quando havia uma explosão no crescimento das prisões”, disse Brooks. “Hoje, já não existe mais um apoio estadual para programas de artes”.



A Actor’s Gang possui, presumivelmente, a vantagem de captação de recursos de sua associação com Robbins e sua atuação em Los Angeles, onde encenou sua própria versão de 'Tartufo’ na primavera. Mas mesmo eles lutaram para conseguir dinheiro. Durante uma pausa numa manhã escaldante, Williams pediu destaque para uma doação de US$ 500 da Mehron Makeup, um ato de bondade que, segundo ela, merecia menção. “As pessoas não dão dinheiro porque elas não nos veem”, explicou.

Defensores dizem que esses programas reduziram as taxas de reincidência, embora não exista uma pesquisa conclusiva sobre isso. Porém, funcionários da prisão e internos sugerem que os workshops – ao obrigar os internos a confrontar emoções e lidar com outros presos com quem eles poderiam ter brigas do lado de fora – podem gerar mudanças fundamentais no comportamento e no caráter.

“Em primeiro lugar, isso quebra barreiras raciais”, disse Peters, ex-facilitador de artes. “Isso quebra barreiras de gangues. É um lugar seguro para eles irem e se afastarem do stress institucional. E a tendência é que eles permaneçam disciplinados: se você está ocupado escrevendo um poema, acaba não usando drogas”.


 
O tenente Brian Davis, responsável pela informação pública na prisão Norco, que participava das sessões, disse: “Eles constroem autoconfiança. Vejo os detentos começando a trabalhar juntos e em algum ponto do caminho, o medo vai embora”.

O interno Robert Paxton, de 23 anos, afirmou que o programa “me dá um lugar para ser tolo – para ser eu mesmo”. “Sabe, toda essa situação de prisão, onde você precisa agir como um machão e criar essas barreiras mentais, isso realmente permitiu um tipo de férias mentais”, afirmou. “Isso torna muito mais fácil cumprir nossa pena”.

Os workshops e ensaios são extravagantes e estranhamente divertidos: guardas podem ser vistos espiando por uma janela (mesmo quando Robbins não está por lá). Os internos ficam animados, extrovertidos, energizados, liberados e destemidamente envolvidos, confortáveis mesmo atuando como mulheres neste mar de tatuagens e músculos intimidantes.

E não há tentativas de fingir que isso não está acontecendo no local onde está. Os atores reais recebem botões de pânico para prender em seus cintos, para o caso de serem encurralados. E Robbins se inspira muito nas vidas dos presos enquanto os treina no estilo 'commedia dell’arte’, a base do método da Actor’s Gang. O estilo usa fantasias e maquiagem, expressões exageradas e movimentos cômicos, focando em quatro estágios emocionais básicos: raiva, medo, felicidade e tristeza.

Por isso, Robbins também perguntou aos atores o que os deixava com raiva.

“Este lugar me transformou num viciado em drogas!”, gritou um deles. Reiber veio em seguida, com uma resposta para aliviar a tensão: “A comida da cadeia”.

Robbins instruiu os presos a sentirem medo, mais uma vez usando suas próprias experiências. “Do que Tartufo tem medo?” perguntou ele, usando um gorro de lã e vestido de preto. “De ser descoberto. Pois isso significaria cadeia para ele”.

“Algo está vindo atrás de vocês!” disse ele com urgência, enquanto os detentos andavam pela sala. “O que é?” “A polícia!”, gritou um dos presos.

“A polícia!” respondeu Robbins, batendo palmas de prazer. “Então corram!” Ninguém parecia mais surpreso com a experiência do que os detentos. Eles mesmos afirmaram isso, durante as sessões finais de dois workshops conduzidos nos últimos meses – um para a população geral da prisão e um para uma população segregada, de membros de gangues e estupradores. Funcionários da prisão pediram que os sobrenomes dos detentos segregados não fossem usados, alegando que isso os colocaria em perigo.

“Só sei de uma coisa”, disse um desses presos sentado no chão, formando um círculo com Robbins, Williams e outros detentos. Ele e seus colegas prisioneiros haviam acabado de ensaiar cenas de 'Sonhos de uma Noite de Verão’. “Estou pensando em Shakespeare no chuveiro. Não acho que já tenha feito isso antes”.

Fonte: Site MsN (Matéria do New York Times)

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