Pesquisar este blog

segunda-feira, março 12

Investigação é instrumento para a realização da justiça, não para a acusação




Dr. Rafael Vitola Brodbeck
Delegado de Polícia de Santa Vitória do Palmar
Para o Blog
(Em comentário ao vídeo postado logo abaixo sobre os poderes investigatórios do MP)


 O Ministério Público, a despeito de ser também o fiscal da lei, é, no processo criminal, principalmente um órgão acusatório. Já a polícia judiciária serve exclusivamente para investigar.

A PEC 37 visa à garantia do direito da sociedade à legalidade na apuração criminal. Ou se acharia correto ser espionado secretamente, por meses, sem o conhecimento de um juiz e sem direito à defesa? A polícia busca a verdade.

O MP busca alguém para acusar. Você está disposto a pagar esse preço?

Não se argumente que "Cui licet quod est plus, licet utique quod est minus"... Quem disse que investigação é menos do que acusação? E mesmo que fosse, então, nos mesmos termos, acusação é menos do que julgamento. Juízes investigariam e acusariam, então? Também não se argumente as constantes queixas da Polícia de estar sem aparelhamento, sem efetivo e com excesso de demanda... Não seria melhor aparelhar a Polícia? Ademais, excesso de demanda tem o MP e o Judiciário também. Ou eles conseguem fazer todas as denúncias e todas as ACPs?

Não conseguem fazer seu próprio trabalho e ainda querem pegar MAIS um?

Frise-se, ademais, o crescente e assustador controle que o MP tem dos mais variados setores da sociedade, imiscuindo-se em praticamente tudo, o que viola o sistema constitucional de freios e contrapesos. E mais: a especialização da investigação é melhor para o cidadão, que sabe quem o investiga. Vários órgãos investigando ao mesmo tempo gera insegurança jurídica.

Enfim, o procedimento do MP não está regulado em lei, de modo que não se tem qualquer controle quanto a prazos, regras etc, ao contrário do IP, disciplinado no CPP com muitos detalhes.

O IP sofre um controle externo por parte do MP, do advogado e do Judiciário. Já o procedimento investigatório do MP, por não estar respaldado em lei, mas em uma mera resolução do CNMP, é absolutamente independente, e sem qualquer garantia para o cidadão.

Outros argumentos: investigação não é só fazer papelada, mas imiscuir-se em quadrilhas, tirar informação na rua, cumprir MBA, pedalar porta... Quem fazer isso na investigação conduzida pelo MP?

O promotor sem qualquer treinamento tático? Ou um secretário de diligências? Ou vão continuar requisitando PMs em desvio de função (pois à PM cabe o policiamento ostensivo e não a investigação e polícia judiciária)?

Aliás, com PMs cumprindo papéis táticos em investigações do MP, são menos policiais na rua, o que aumenta o crime e isso vai desaguar onde?

Na polícia civil! O que faz com que a demanda aumente e não consigamos investigar a contento.

Ou o promotor vai requisitar policial civil, provando que quem melhor investiga é quem tem a missão constitucional de fazer polícia judiciária?

Outro aspecto a ser explorado é o custo. Para conseguir investigar, é forçoso ao Parquet criar uma mega estrutura, com investigadores armados, peritos. Já se reclama do mau aparelhamento da polícia e se vai gastar dinheiro em uma nova estrutura em vez de se investir na primeira?

Ou o MP vai continuar fazendo uso dos PMs como agentes de campo, em flagrante inconstitucionalidade, como já dissemos (dado que, repetimos, à Polícia Militar cabe o policiamento ostensivo e não a investigação)?

Neste caso, cabe perguntar à população se ela prefere os PMs nas ruas, fardados, fazendo prevenção ou que eles sejam investigadores do MP, entrando em ação somente depois dos crimes ocorridos?

O que o povo brasileiro deseja: que não existam crimes (ou seja diminuídas as ocorrências criminais), por um lado, ou que o MP investigue, por outro? Que eles sejam vítimas de roubos, sequestros, homicídios, furtos, estupros? Ou que os promotores tenham atribuição para fazer a investigação destes crimes?

Se o MP é parte, uma investigação comandada por promotor o torna suspeito. Ele tem interesse em acusar e buscar a condenação, de modo que a prova gerada por seu procedimento é viciada. Isso fere o princípio da paridade de armas. De um lado, o MP produzindo todas as provas, com acesso a perícia, cumprindo MBAs etc, e de outro um advogado que não consegue fazer isso.

 O melhor é que a investigação seja conduzida por alguém que não tenha o interesse em condenar, o delegado de polícia. Requerer provas é diferente de investigar. E o controle externo da atividade policial visa a auxiliar o promotor no seu mister de acusar, não  autorizar a que ele, de próprio punho, brinque de delegado. Cada qual no seu quadrado.

Os grupos de apoio às promotorias não são polícia: eles usam policiais para suas diligências, o que significa que subordinam uma institução à sua, tiram PMs das ruas e fazem com que PCs deixem de fazer suas próprias investigações. Isso é cena, meu caro. O MP quer mídia, quer aparecer. O MP busca os interesses da sociedade, mas ainda é a parte autora nos processos criminais, ferindo a paridade de armas. Ou o MP quer tudo para ele, ainda que não exclusivamente.

Ademais, cabe perguntar ao MP se ele tem interesse nos milhares de delitos triviais que inundam as delegacias, fazendo com que os inquéritos se arrastem por falta de tempo para investigá-los a contento.

O furto da bicicleta, do celular, a briga de vizinhos ou amigos no bar, as ofensas aos conhecidos, as mulheres agredidas pelos maridos e que buscam a proteção do policial à noite (quando há delegados de plantão efetivamente, mas não um promotor em um prédio onde se possa bater e ser atendido).

 Ou só é do interesse do Parquet e merece sua atenção o crime espetacular, para que seu deslinde seja noticiado e ganhem os promotores os louros? Parece que o desejo do MP, na realidade, ao rechaçar a PEC 37, é poder escolher "o que" e "quando" investigar. O que o MP quer não é o "poder-dever" de investigar, mas apenas o "poder" de realizar investigações. O "dever", fica para a Polícia Civil ou a Polícia Federal.

Ora, não se seria isso uma espécie de investigador de exceção o que, à semelhança da proibição do juízo de exceção, deveria ser rejeitado por ofender os mais comezinhos princípios da justiça?

Lembremos que a investigação criminal é como um processo judicial, tendo uma sequência de atos lógicos que objetivam a apuração da autoria e materialidade de um fato delituoso, o que culmina com o indiciamento (ou não-indiciamento).

E a segurança jurídica do investigado e de qualquer cidadão, onde fica?

2 comentários:

Julia Farias disse...

Doutor, não me parece coerente dizer que um procedimento inquisitorial seja um instrumento para realização da justiça. O inquérito policial, serve sim, como meio de fornecer elementos de convicção para o titular da ação penal (autoria e materialidade) e, com isso, fundamentar a denúncia (art. 12 do CPP). Assim, o Inquérito Policial serve é para fundamentar a acusação.
Ademais, quando o senhor refere que a prova colhida no procedimento realizado pelo MP é uma prova viciada, parece esquecer-se que no processo penal brasileiro só são válidas aquelas provas colhidas em juízo, sob a égide do contraditório e da ampla defesa, assim, os dados colhidos no Inquérito são apenas elementos de convicção e informação, destinados ao titular da ação penal, mas não são provas.
Portanto, não também não serão provas os elementos colhidos no procedimento presidido pelo MP.
E quando o senhor refere que o Promotor, por ter investigado, passa a ter mais vontade de acusar, me parece igualmente equivocado, pois o Promotor é o órgão acusador e como tal sempre terá vontade de acusar! O Ministério Público é parte e, como parte, tem lado e posição.
Não me parece bem também que o senhor diga que o MP só quer os louros de realizar investigações em processos de grande vulto, pois é evidente que o Promotor, exatamente por ter outras funções, só vai assumir a investigação naqueles casos em que – por critérios de oportunidade e conveniência – lhe parecer interessante ou relevante investigar “pessoalmente”, afinal, quem tem o dever de investigar é a Polícia Judiciária – ato vinculado – mas o MP também tem essa faculdade.
Assim como qualquer um de nós, do povo, se conseguirmos reunir elementos suficientes da autoria e da materialidade de um delito, temos a faculdade de informá-los ao Promotor de Justiça para que ele, imediatamente, oferte a denúncia (afinal o IP é procedimento dispensável a propositura da ação penal) também tem o MP o direito de ir “pessoalmente” atrás dos elementos para firmar sua própria convicção.
A única coisa que a Lei não nos faculta é aquele ato que o senhor chama de “pedalar porta” e o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, de resto, o ato de reunir provas para fundamentar o início da ação penal pode ser realizado por qualquer um de nós.

Anônimo disse...

Equivocado dizer-se que não são produzidas provas no inquérito policial. O próprio CPP fala daquelas irrepetíveis (como o exame de corpo de delito, muitas vezes consubstanciado em laudo pericial, verdadeira prova), ou caso de provas que não se poderão repetir posteriormente - necropsia, por exemplo.
Além disso, o IP serve para AFERIR a autoria e materialidade. É útil tanto para demonstrar a culpa quanto a inocência do investigado.
Por fim, fere a garantia fundamental a um justo processo a investigação feita por quem não tem poderes expressos para tanto na Constituição. A inviolabilidade da privacidade e dignidade da pessoa humana, por serem garantias fundamentais, comportam interpretação restritiva.
A tese dos "poderes implícitos" levaria a absurdos (obviamente um exagero de silogismo, que serve como argumentação): se o juiz pode condenar, também poderia acusar...
Finalmente, por não estar previsto em lei, o "procedimento" investigatório do MP não pode ser devidamente fiscalizado, se pautando pelo sigilo e falta de transparência, em detrimento da defesa. Não se pode conceber o inquérito como um instrumento de acusação, pois é inegável seu caráter de instrumento de defesa (como ensina Aury Lopes...).
Embora o inquérito seja utilizado para a formação da "opinio delicti" do titular da ação penal, ele não só pode como deve investigar a existência de excludentes de ilicitude e culpabilidade...