Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
|
Dois homens em atitude dissimulada transportam em um guincho
um Uno que havia sido furtado por ladrões. Levam para um terreno repleto de
outros veículos e, em minutos, ingressam no carro e removem dois cilindros de
GNV (gás natural veicular) que custam cerca de R$ 800. Levam os recipientes até
o caminhão, parcialmente encoberto pelos galhos de uma árvore, talvez para
ocultar de testemunhas. Outro homem do grupo encarrega-se de retirar a bateria
do Uno, nova — avaliada em cerca de R$ 250 —, e transportá-la para o caminhão.
O desmanche a céu aberto não funciona em nenhum terreno
baldio adotado pela criminosa indústria do furto e do roubo de autopeças. Tudo
isso acontece no pátio de um depósito oficial de veículos apreendidos pelos
órgãos estaduais de segurança. O dono do Uno, que já havia sido vítima de
ladrões de rua, agora tem seu patrimônio dilapidado por outro tipo de
criminoso: aquele que usa o aparato do Estado para delinquir.
A cena foi flagrada e documentada por Zero Hora no pátio do
depósito SOS Esteio, um dos quatro credenciados pelo Departamento Estadual de
Trânsito (Detran) em Porto Alegre. A reportagem é resultado de 252 horas de
vigilância sobre o local, alvo de reclamações de leitores. ZH flagrou ainda
outros ilícitos, como a retirada de um tacógrafo do painel de um caminhão
apreendido pela polícia.
É a comprovação do que afirmam muitos motoristas e
motociclistas que tiveram seus veículos guinchados e viram peças desaparecerem:
os furtos aconteceram dentro de depósitos oficiais. Pelo menos um dos homens
flagrados por ZH veste camiseta com o nome do Detran.
Os flagrantes de ZH evidenciam que pessoas que trabalham no
depósito SOS Esteio, terceirizado do Detran por meio de um criterioso
credenciamento, retiram peças dos veículos sem o conhecimento dos donos. Prova
disso é a reação do empreiteiro Cladimir Gonçalves de Oliveira, proprietário do
Uno fotografado enquanto era saqueado. Ele imaginou que o carro tinha sido
depenado por ladrões na rua. Ao ver as fotos do carro tendo os tubos de GNV e a
bateria retirados dentro do depósito, o proprietário do automóvel ficou
furioso.
— Esses f.d.p.. Fui depenado por esses sem-vergonha. O cara
acha que o ladrão está na rua, mas ele está é dentro do Detran, com uniforme do
Detran — desabafou Cladimir.
Perante a lei, esses funcionários do guincho flagrados
retirando peças dos veículos respondem como se fossem servidores públicos,
avisa a delegada Vivian Nascimento, da Delegacia de Roubos de Veículos da
Polícia Civil:
— Quando somem com algum patrimônio alheio, estão cometendo
peculato, que é o crime cometido por funcionário público e que tem pena maior
que um furto comum.
O dono do Uno diz que sumiram do veículo outros equipamentos
não fotografados por ZH (que podem ter sido levados pelos ladrões que furtaram
o carro na rua). Entre eles, bancos (avaliados pelo dono em R$ 500), um estepe
(R$ 150), chave de rodas e macaco (R$ 50) e, o mais caro, equipamentos de som
com valor estimado em R$ 2,2 mil. O prejuízo total com os furtos, estima
Cladimir, é R$ 4,2 mil, quase a metade dos R$ 8 mil que o dono pagou pelo
carro, modelo 2001.
Até por ser praticado a conta-gotas, o furto de peças ou
pertences de dentro de automóveis — no jargão técnico policial, furto em
veículo — é um crime comum. A cada dia, 60 pessoas registram em delegacias da
Polícia Civil no Rio Grande do Sul o furto de algum objeto no seu carro, moto,
caminhonete ou caminhão. Em Porto Alegre são 12 queixas desse tipo por dia. O
que muitos cidadãos nunca conseguem comprovar é que seus carros foram saqueados
dentro de um local sob tutela governamental.
Os flagrantes de ZH vêm se somar a várias queixas
apresentadas na Polícia Civil por donos de veículos que tiveram seu patrimônio
saqueado após terem o carro, a moto ou o caminhão rebocado para depósitos.
Reclamações desse tipo acontecem em relação ao SOS Esteio (onde ZH flagrou os
casos) e também a outros locais.
Fonte: Jornal Zero Hora
Nenhum comentário:
Postar um comentário