É um insulto à própria Justiça o privilégio desfrutado por
juízes aposentados compulsoriamente depois de condenações por envolvimento em
delitos administrativos e até crimes graves.
A aberração voltou a ser notícia
recentemente, com a manifestação do ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos
de que irá requerer o recebimento de aposentadoria. O ex-magistrado foi
condenado em 2004, depois de flagrado pela Operação Anaconda por venda de
sentenças, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
Cumpriu sete anos de
prisão, está em liberdade desde o ano passado e diz dedicar-se à advocacia.
Submeteu-se à pena imposta pela Justiça e tem o direito de retomar sua vida.
Mas comete uma nova afronta a todos os cidadãos ao requerer uma forma de
aposentadoria há muito questionada e que já beneficia ex-colegas também condenados
por irregularidades.
É um privilégio a ser revisto, até porque se mantém por
conta de um estatuto desatualizado, do tempo da ditadura, a Lei Orgânica da
Magistratura. Pelo que determina esse conjunto de normas, um juiz condenado
pode ser aposentado compulsoriamente, recebendo remuneração proporcional ao
tempo da ativa.
No ano passado, seis juízes foram beneficiados pela decisão.
Mesmo que tenha sustentação legal, é uma das deformações jurídicas do país. Um
magistrado condenado em última instância deve, para o bem da Justiça, ser
empurrado precocemente para a inatividade, desde que não receba uma remuneração
vitalícia como prêmio.
Se tivesse sido aposentado em 2004, quando da condenação,
Rocha Mattos – que não recebe os vencimentos por causa de decisão de 2008 do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região – poderia gozar, aos 56 anos, de um
benefício muito próximo do salário que recebia. Outros juízes desfrutam desse
privilégio. A aposentadoria baseada nos vencimentos integrais para servidores
de qualquer um dos três poderes já é injusta, porque privilegia um contingente
de trabalhadores em detrimento de todos os contribuintes privados.
Menos
aceitável ainda é que um representante da Justiça, condenado por crimes graves,
seja precocemente aposentado por não ter condições de continuar atuando e
receba remunerações que em alguns casos superam R$ 38 mil, ou seja, o próprio
teto do salário do setor público.
Autoridades do próprio Judiciário já se manifestaram contra
a manutenção das aposentadorias nessas circunstâncias, por considerá-las uma
excrescência. Defendem essa posição, por exemplo, a ex-presidente do Conselho
Nacional de Justiça Eliana Calmon e os ex-integrantes do mesmo CNJ Vantuil
Abdala e Ives Gandra Martins Filho. Gandra Martins Filho alinha-se aos juristas
segundo os quais remunerar um juiz afastado definitivamente de suas funções,
por ter cometido crime, não significa necessariamente conceder-lhe
aposentadoria, mas prolongar o pagamento de um salário a quem deixou de
merecê-lo.
É lamentável que algumas ideias em torno de mudanças na Lei da
Magistratura, que poderiam alterar essa prática, não tenham prosperado.
Uma inovação importante aconteceria se o Congresso acolhesse
uma proposta informal da ministra Eliana Calmon, segundo a qual os magistrados
deveriam se submeter a punições semelhantes às previstas na Lei da Improbidade
Administrativa, que obriga servidores condenados a devolver aos cofres públicos
o que obtiveram ilegalmente.
Hoje, ao contrário, os juízes infratores são
pagos, e muito bem pagos, para ficar em casa.
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