Em toda sala de audiência,ou de julgamento, a disposição das mesas e das
cadeiras é reveladora de alguns símbolos.
Tenho na lembrança, por exemplo, que por ocasião das instalações das
salas de conciliação do Posto do Juizado Especial Cível da UCPel – projeto que
conduzi na condição de coordenadora do Serviço de Assistência Judiciária –
houve exigência do Tribunal de Justiça do RS de que o mobiliário – as mesas,
fundamentalmente – fossem redondas, a fim de evidenciar a ausência de lados
entre as partes, firmando um dos princípios do Juizado que é o da
prevalência da conciliação.
Nos ‘salões’ dos Tribunais do Júri a localização dos lugares chama muito
mais atenção.
Recentemente, por atuação em Júri na comarca de Pelotas, fui indagada
por alguns alunos a respeito desse fato.
Expliquei a eles a minha visão sobre essa questão.Tenho para mim que a
permanência do representante do Ministério Público ao lado direito do juiz que
preside a sessão - ou à esquerda dele para quem observa de frente -
evidencia uma lógica de poder bastante comum nos tribunais brasileiros e a
reprodução da discriminação, ainda que dissimulada ou velada, em relação
a figura do advogado, e nesse caso, especialmente, do advogado criminalista que
tem o dever constitucional de ofertar a defesa do acusado em plenário.
A permanência do Promotor de Justiça em lugar próximo, muito próximo ao
do magistrado permite inferir sobre quem é quem naquele recinto, ainda que ela
esteja assegurada por previsão legal, sendo prerrogativa antiga do MP, prevista
no artigo 18, inciso I, letra ‘a’ da Lei Complementar 75/93, conhecida como Lei
Orgânica do Ministério Público. Não obstante, nem tudo que é legal é justo.
O Supremo Tribunal Federal foi provocado, recentemente, através de uma
Reclamação proposta por um magistrado federal, que buscava o reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Complementar, por dispensar tratamento não
isonômico entre acusação e defesa, relativamente aos lugares de assento nas
audiências. Não obstante, permanece o entendimento contrário, qual seja,
o da constitucionalidade da norma.
Pois bem, ocorre que essa ‘geografia’ que garante a permanência do
Promotor próximo ao magistrado evidencia tratamento desigual dispensado aos
protagonistas da administração da justiça, quais sejam juízes, promotores e
advogados. E acaso essa desigualdade não se evidencie aos olhos dos
técnicos, certamente assim parece à população e aos jurados.
Não advogo, por óbvio, negar ao MP o direito de postar-se ao lado do
juiz, mas sim de garantir esse mesmo direito ao advogado, ao defensor do
acusado, a fim de que ele não fique em posição hierarquicamente inferior na
‘cena’ do julgamento.
Assim como ocorre hoje, uma vez postados em lugares diferentes
o promotor e o advogado, o equilíbrio, a imparcialidade, a igualdade e a
isonomia resultam, mesmo, violados.
Aqui na Comarca de Pelotas, além de o Promotor ter assento ao lado do
magistrado, ele ainda está muito próximo dos jurados. Já a defesa – os
advogados, enfim – estão postados muito longe do magistrado, e também do
Ministério Público, e ainda em lado oposto e distante ao dos jurados.
A"cancela" |
Chega a dar vontade de perguntar ao magistrado, presidente da sessão, se
é possível transpô-la para que haja aproximação da defesa aos jurados, uma forma
de provocar agitação destinada a chamar atenção dos mesmos para a diferença.
Uma injustificada cancela essa que existe no salão do Tribunal do Júri
da Comarca de Pelotas. Uma inapropriada cancela que dá a ideia de que
transpassá-la é ato de audácia, petulância ou ousadia em face das figuras do
juiz, do promotor e, ainda mais, dos jurados.
Vejam que além de afastar o acusado – que é inocente até o trânsito em
julgado da sentença condenatória – a cancela arreda o advogado.
E, ao que se saiba, todos os protagonistas que atuam no tribunal
do júri estão em busca da mesma coisa, atuam na mesma direção, qual seja, na
realização da justiça. Porém, isso não transparece na forma como é
geograficamente ocupado e mobiliado o salão do júri da comarca de Pelotas.
A realidade que dela se extrai é a da diferença, da desarmonia,
do desequilíbrio, da desigualdade, uma vez que a colocação da defesa num
plano diferente daquele concedido ao Ministério Público, por inferior ou por
distante do magistrado e dos jurados, segregada por uma ‘cancela’ é evidência
de que não se está percebendo a igualdade que se exige formal, mas
materialmente também.
Não seria mau momento se a OAB – por sua seccional ou, mesmo,
pela subsecção – realizasse um movimento para a retirada da tal ‘cancela’
do salão do Tribunal do Júri da Comarca de Pelotas.
Essa seria uma providência histórica a amenizar a injustificada
separação promovida pela cancela, considerando, sobretudo, que o advogado, indispensável
à administração da justiça, é defensor do estado democrático de direito, da
cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a
atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
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