Em maio de 2011 escrevi
o artigo que segue abaixo e publiquei aqui no Blog. Nele havia uma demonstrada preocupação em
relação ao rigorismo que vinha sendo adotado no reconhecimento do dolo eventual
em eventos de trânsito nos quais resulta morte para a vítima.
O artigo segue atual.
Ainda ontem, em sala de aula, discutíamos sobre o tema. Penso que vale
republicar, porque se constitui, esse, temática tormentosa no Direito Penal.
A republicação é
fidedigna, sem qualquer alteração.
O Jornal Zero Hora deste domingo publica matéria sobre o rigorismo que vem
sendo adotado em eventos de trânsito, nos quais resulta morte para a vítima,
praticados por motoristas que dirigem, por exemplo, alcoolizados, ou
em excesso de velocidade.
Tem sido comum que nesses fatos a justiça penal busque a
responsabilidade dos motoristas por crime doloso eventual, hipótese legal na
qual o agente, mesmo sem desejar diretamente o resultado, assume o risco de
produzi-lo, aceitando a conseqüência como possível e provável, desleixando-se,
inclusive, quanto a ela.
A reportagem levada à efeito pelo jornal informa sobre casos
recentes em que motoristas foram condenados por essa modalidade delituosa –
homicídio doloso eventual – que não está prevista no Código de Trânsito
Brasileiro, mas integra a relação de delitos do Código Penal e cuja punição é
mais severa e rigorosa do que aquela dispensada pelo CTB, no que respeita aos
crimes culposos na direção de veículo automotor.
Um dos casos recentes mencionados pela reportagem foi
noticiado aqui no Blog, através de texto produzido pela colaboradora Carolina Cunha, e cujo acusado foi defendido pela editora do Blog, que resultou
na condenação, em primeira instância, de um motorista de táxi da cidade de
Jaguarão, a pena de 7 anos e oito meses de reclusão, em regime
semi-aberto.
A adoção desta postura mais rigorosa atende a razões de
política criminal. Ante ao número cada vez mais expressivo de eventos lesivos
no trânsito – ora causados pela simples imprudência, ora provocados pela
ingestão de bebida alcoólica ou pelo excesso de velocidade – há compreensão de
que o aumento na responsabilidade penal possa dar exemplo, ou conter, ou frear
essas práticas. Há, inclusive, quem sustente ter havido, nesse novo
tratamento, avanço, e que essas punições severas de destinam a servir de
exemplo.
Autoridades judiciárias entrevistadas pelo Jornal Zero Hora
expressaram opiniões nesse sentido. Ouvidos promotores, juízes e, inclusive, um
ministro do STJ, todos foram mais ou menos unânimes em fazer certa propaganda
quanto ao útil ou produtivo nessa nova tendência da justiça penal.
Apenas o advogado Alexandre Wunderlich manifestou posição
quanto a uma necessária cautela na aplicação e reconhecimento do dolo eventual
como elemento subjetivo a justificar a responsabilidade penal em eventos de
trânsito.
Tanto quanto ele, somos preocupados em relação a compreensão
equivocada que se tem dado aos institutos penais, especialmente ao dolo
eventual, ainda mais quando se pretende que ele (dolo eventual) se constitua na
regra em matéria de trânsito quando, de verdade, a regra é a presença da culpa.
Numa perspectiva conceitual, não há como subverter a definição desses
institutos a fim de tornar mais intensa a responsabilidade penal por eventos
delituosos que são, por essência, culposos.
Mas afora a discussão conceitual que pode ser travada, o que
mais preocupa é que use o direito penal como um instrumento de solução para
problemas que lhe são muito, mas muito anteriores.
Veja-se, por exemplo, a questão do uso do álcool, e sua
combinação com a direção de veículo automotor.
Não compreendemos por que – se é desejo evitar essa reunião – não há uma intensificação nos controles de comércio e consumo da bebida alcoólica, inclusive quanto à venda dela em postos de gasolina, em bares ou restaurantes de beira de estrada. Por que não existe controle da venda da bebida em zonas turísticas na qual o fomento à degustação de bebidas alcoólicas também está presente?
Quais são as razões que impedem a ativação no controle e
fiscalização das mídias que pretendem – e muitas vezes conseguem –
convencer-nos de que o legal, o charmoso, é ter um copo de bebida alcoólica
entre os dedos, porque refresca, ou aquece; porque relaxa ou alegra?
Além disso, os veículos estão cada vez mais potentes, mais
velozes, e isso tem sido alvo de propaganda constante nos meios de comunicação.
As agências de publicidade que se debruçam em realizar ‘boas propagandas’
jamais demonstram preocupação em salientar os recursos de segurança dos carros,
e a necessária prudência ao dirigi-los. Ao contrário, reforçam os potenciais
acelerados dos motores.
Por ser difícil interferir nesses setores, passa-se a
utilizar, por mais fácil, o Direito Penal, aqui como um instrumento de
contenção, de exemplo, de resposta pedagógica mais facilmente encontradiço, o
remédio curativo para problemas que lhe são anteriores, mesmo que
isso signifique subverter a ordem das coisas e, além disso, contrariar os
conceitos mais fundamentais da ciência penal.
Essa estratégia de combate à criminalidade no trânsito se
põe arriscada, perigosa e excessiva porque desvia a atenção e o olhar daquilo
que, de verdade, mereceria uma grande ofensiva.
Essa alternativa, se por um lado parece útil e benévola, por
outro, é malfeitora e enganosa.
Reflita-se sobre isso.
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