Em 2019, há pelo
menos 17 processos em que detentos ganharam ações
Presídio abriga 4 mil pessoas, mas tem capacidade para 1,8 milFélix Zucco / Agencia RBS |
Os problemas do Presídio Central
como a superlotação, ausência de celas, esgoto a céu aberto e domínio de
facções criminosas estão fazendo com que o Estado seja condenado pela Justiça a
indenizar presos que passaram pelo local. A Cadeia Pública, como passou a ser
chamada em janeiro de 2017, tem capacidade para 1,8 mil presos, mas abriga mais
de 4 mil pessoas, conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários.
Somente em 2019, GaúchaZH verificou pelo
menos 17 processos em que presos ganharam indenização em 2º grau — ou seja,
pronta para execução caso não haja recurso nos tribunais superiores. Esses
processos são os que foram apreciados pela 9ª Câmara Cível, que inclusive
definiu padrão de R$ 500 para cada ano de prisão. Sem considerar as correções
monetárias, o saldo que o Estado deve pagar chega a R$ 25 mil somente neste
ano.
A soma pode ser maior, pois ações
do tipo estão sendo julgadas há pelo menos três anos. Desde 2017, ao menos 386
decisões de 2º grau — nem todas favoráveis — foram publicadas pelo Tribunal de
Justiça (TJ), além de outras que ainda estão tramitando em 1º grau. Responsável
pela maioria dos processos que pedem a indenização dos presos, o advogado
Rodrigo Rollemberg Cabral estima que tenha entrado com cerca de 400 ações, mas
afirma possuir a procuração de quase mil presos para ingressar com ações semelhantes.
— Como é processo eletrônico e em
massa, faço a inicial. Manda citar o Estado, que já tem a contestação pronta.
Ele junta no mesmo dia, fazemos a réplica no dia seguinte. Então, a sentença
está demorando uns três, quatro meses. Vai apelação, eles já têm o modelo de
quem dá e quem nega. Só muda o nome e vê quanto tempo ficou — explica o
advogado.
Nas decisões da 9ª Câmara, em
geral, os desembargadores citam os problemas conhecidos do Presídio
Central, como a superlotação e a estrutura precária. A Lei de Execuções
Penais, que define algumas regras para a manutenção dos presos não é cumprida,
o que segundo os magistrados não garante a reinserção do preso na sociedade.
"É dever do ente público
oferecer condições mínimas aos detentos, não apenas por ser este um direito
básico do ser humano, mas também em razão de que estas pessoas, hoje
encarceradas, serão devolvidas à sociedade quando cumpridas suas penas.
Obviamente, se sobreviverem ao 'inferno' a que estão sendo submetidas, em
condições físicas e psíquicas muito piores das que possuíam quando lá
ingressaram. É evidente que nas condições hoje vividas no Presídio
Central não há falar em reabilitação", citou o desembargador
Eduardo Kramer em processo no qual foi relator.
Divergência no TJ
Outras três câmaras do TJ possuem
uma interpretação diferente a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF). Enquanto para a 9ª Câmara o simples fato de estar preso já configura
dano, o entendimento das demais é de que o dano precisa ser comprovado.
A 10ª Câmara, responsável pela
maior parte dos recursos, entende que a prisão por si só não configura dano
moral. Além disso, os membros dessa câmara ainda afirmam que os problemas
no Presídio
Central são de conhecimento de todos, o que deveria reprimir a
ação criminosa:
"Igualmente, não vejo
demasia mencionar que o requerente encontra-se em um ambiente de risco por
atuação própria em decorrência de punição a ilícito penal que cometeu, e como as
condições precárias das unidades
prisionais são de conhecimento comum, deveria ter considerado tal
circunstância no momento da prática do delito, de forma a reprimir sua própria
conduta", cita o relator de um dos processos em que negou a indenização.
Já a 9ª Câmara assume que as más
condições configuram o dano e dever de indenizar. Em suas decisões, ainda
coloca uma possibilidade, indicando que o valor de indenização pode ser retido,
a pedido do Estado, a fim de compensar as despesas da manutenção do detento no
presídio ou para ressarcir vítimas deles.
Sobre esse recurso para indenizar
vítimas e até mesmo o Estado pela manutenção do preso no sistema, o advogado
afirma que ele deveria ser obtido por meio do trabalho na prisão, o que não
ocorre, justamente por falta de estrutura.
— A Lei de Execuções Penais diz
que uma parte do dinheiro do trabalho do preso fica com o Estado para a
manutenção dele. Mas, como o Estado não fornece trabalho prisional, acaba não
ressarcindo a despesa do preso. Se funcionasse de modo perfeito, além de
ressocializar o preso, ainda teria recurso — afirmou.
Entenda a reportagem em cinco pontos
*Presos estão ganhando na Justiça o direito de serem indenizados pelas
más condições do Presídio Central, em Porto Alegre.
*Com a maior população carcerária do RS, o Central tem 1,8 mil vagas,
mas abriga mais de quatro mil presos em suas galerias. Além disso, tem
problemas estruturais como na rede de esgoto.
*Desde 2017, um advogado começou a protocolar ações contra o Estado.
Ele estima mais de 400 processos. Somente neste ano, pelo menos 17 foram
concluídos no segundo grau com ganho de causa ao detento, somando R$ 25 mil.
*Responsável pelas decisões favoráveis, a 9ª Câmara Cível definiu um
padrão de indenização: R$ 500 por ano de prisão.
*O Estado diz que está recorrendo das decisões no Supremo Tribunal
Federal. O pagamento é realizado por meio de precatório ou requisição de
pequeno valor.
Contraponto
O que diz a PGE
Em relação ao ponto
questionado, envolvendo as ações de apenados que ajuizaram demandas contra o
Estado pleiteando danos morais em decorrência das condições da Cadeia Pública
de Porto Alegre, é importante frisar que esses processos não estão finalizados.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) atua de forma individualizada em cada uma das ações que tratam desse tema, sendo que diversos desses processos foram extintos pela Justiça por falta de requisitos procedimentais.
A PGE/RS recorreu ao Supremo Tribunal Federal em alguns casos em que houve decisão desfavorável ao Estado, pois o STF tem jurisprudência fixada de que a responsabilidade de indenizar por danos morais presos depende de prova do dano, não podendo ser presumido.
Com a decisão do STF, as ações deverão ser analisadas individualmente pela Justiça gaúcha para verificar se os danos alegados estão comprovados.
Nos casos de condenação do Estado a indenizar, o pagamento é sempre feito por meio de precatório ou requisição de pequeno valor (pago em até 60 dias quando o valor é de até 10 salários mínimos).
Fonte: Gaúcha ZH CLIC RBS
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