Lá vou eu, do alto dos meus 35 anos de advocacia, para mais
uma audiência. Sento-me no local destinado aos reles mortais. Ao centro vejo o
juiz, ao lado, o promotor. “Deus” e seu “filho”. Junto aos mortais, réus e
equiparados, os defensores dos bandidos, aqui estou eu.
Imagem ilustrativa Disponível na Web |
Olho para o Juiz que me devolve o olhar desdém, com a
expressão que diz “quem mandou não estudar doutora. Vai morrer trabalhando!”, e
penso: “Vou mesmo excelência, mas por amor!” (Sem auxílio moradia nem auxílio
saúde ou gorda aposentadoria).
Escolhi advogar porque achei que era o lugar mais correto
para quem pretendia buscar e lutar pela justiça, por um ideal, sem qualquer
comodidade ou facilitação.
Olho para o Promotor (que mal consigo ver por trás do
notebook) estrategicamente instalado para impedir contato. “Deus” e “filho”
trocam olhares. Lá vamos nós!
Pergunto-me: Será que hoje estão de bom humor? Devo
perguntar aos policiais sobre a invasão de domicílio? Devo perguntar sobre as
testemunhas do povo que possam confirmar a legalidade da prisão? Será que irão
compreender onde pretendo chegar?
Deixe-me pensar… Como eu vou conseguir provar que eles
(policiais) invadiram invasões? Não se podem chamar as taperas de casas ou de
domicílios. Concluo, não há que se falar em invasões de invasões.
Então devo chama-las de casas, domicílios ou lares? Logo percebo que estas se encontram apenas
nas áreas nobres de nossa provinciana capital.
Se eu perguntar e insistir, dirá o juiz que estou induzindo,
irá este indeferir ou, quem sabe, pronunciará o Ministério Público um sonoro
“pela ordem excelência”?
Enquanto encontro-me em meus pensamentos, o nobre promotor
lança a costumeira pergunta:
– Então o senhor esta querendo dizer que o policial esta
mentindo?
Logo penso: Querendo não doutor! Ele está dizendo por que o
policial está realmente mentindo! Considero ser melhor não dizer nada (sou a
pequenina sentada no lugar dos reles mortais), porém, não consigo me conter!
Atrevo-me a olhar fixamente aos algozes, aos donos da verdade, e advirto que
eles não sabem como as coisas acontecem no mundo real, um mundo que eles
desconhecem. O promotor continua:
– O senhor pegou o réu na rua e ele autorizou o senhor a
entrar na casa dele?
Ah! Agora ficou fácil. Vou mostrar as fotos. Está tudo
quebrado. Mas, o promotor, nem olha. No fundo, este deve pensar que eu que mandei
quebrar e desarrumar as casas, afinal, sou defensora dos direitos humanos de
bandidos. Então o promotor insiste:
– Tem testemunhas que seu cliente esta falando a verdade
doutora?
Chegou a minha vez! Respondo:
– Tenho sim doutor, vamos ouvir?
Excelentíssimo Senhor Doutor “Deus” pergunta à testemunha:
– O senhor viu a prisão do réu?
– Vi sim doutor.
– O senhor o viu apanhar?
– Vi sim doutor.
– O senhor viu se ele tinha droga?
– Vi que não tinha não doutor.
– Não tinha? Então o policial esta querendo prejudicar o réu
por quê? E o senhor usa drogas? E o senhor trabalha? E o senhor fazia o que
naquele lugar aquela hora? Vou lhe advertir do falso testemunho, se continuar
FALANDO A VERDADE vou mandar lhe prender!
Talvez, só a defesa falte com a verdade. Lesões, sacos
plásticos, afogamentos e sufocamentos, isso não existe.
– E porque não foram na corregedoria?
– Quem é louco de denunciar doutor?
Lei do abuso de autoridade
Tocamos no assunto abuso de autoridade, e agora? Chegamos
onde ninguém acreditava. Alguém que não acredita em abuso de autoridade,
precisando se conter por medo de ser processado por abuso de autoridade.
Quem vai aguentar a cara “feia” e o mau humor? O que
acontecerá com os juízes que decretam prisões pela aparência do preso na
audiência de custódia? E se o juiz não notar as lesões?
E se eu resolver processar os policiais por abuso? Agora vou
ter que me cuidar! Corro o risco de o réu ser ouvido e dos policiais ficarem
bravos porque os induzi a serem honestos.
E quem provará a existência do abuso? Os ricos provarão
(eles tem câmeras) enquanto os pobres, os que moram em invasão, terão as casas
invadidas.
A verdade do preso sempre será a mentira para quem não quer
acreditar. E a mentira do acusador sempre será a verdade para quem se acostumou
a ignorar a realidade sobre os fatos.
Abuso de autoridade? Não. O Ego está sendo ferido. A mesa
terá que ser disposta de outra forma. Não mais o Pai ao centro e o filho ao seu
lado. Não será mais o Pai, será alguém igual à direita e a esquerda.
O julgador deve se questionar: “O que acontecerá se eu não
soltar”? Até agora o advogado ia ao Tribunal (que sequer lia o que ele
escrevia), fazia uma sustentação oral (que ninguém prestava atenção, até
receita de pamonha já foi inserido).
O que é abuso? Abuso é ter que descer do pedestal. Abuso é
tudo aquilo que extrapola a lei e o justo. Ficou complicado agora! Todos terão
que decidir de acordo com a lei e a justiça, e não mais de acordo com o
convencimento do humor (bom ou mau) do dia. Ou ainda, da proximidade com o
agente ministerial ou da antipatia com o defensor. Vão ter que acreditar quando
acusados disserem que policiais invadem, agridem, implantam e matam.
Ah! Este abuso de autoridade que vai tirar o sono de muitos.
Principalmente daqueles que se movimentam para derrubar a lei, que se insurgem
nas redes sociais, que ironizam ter que ceder suas cadeiras aos advogados.
Meus caros…
O que hoje muitos temem não é a lei do abuso de autoridade.
É a perda do poder, do direito sobrenatural e sobre-humano de decidir sobre a
liberdade e o destino do próximo. O que se teme hoje é que se fira o ego.
Deuses não serão mais deuses. Serão devolvidos ao seu posto de reles mortais.
Aliás, como sempre foram os advogados criminalistas.
Aqueles que incessantemente passaram décadas lutando pela
verdadeira justiça sendo rechaçados, humilhados, desrespeitados, representados
perante o órgão de classe, apenas porque atrasaram um dia para protocolar uma
petição de um processo que permaneceu meses parado nos gabinetes (dos Deuses).
Deuses representados por quem se colocou acima da lei, de
qualquer lei, menos desta tal lei do abuso de autoridade.
Bem-vindos Deuses ao mundo dos mortais. Agora vocês saberão
como é bom ter que pensar em cada ato que se vai praticar sob o temor de que
alguém nos interprete mal ou queira nos prejudicar.
Bem-vindos Deuses!
Ao contrário do que alguns dizem não queremos vossos tronos,
tampouco vossos lugares, estudamos para ser exatamente o que somos. Escolhemos
o lado mais fraco, porque nos apraz lutar como Davi contra Golias. Como Dom
Quixote empunhando a lança diante de moinhos.
Acalmem-se Deuses fora do Olimpo e saibam, com certeza, que
vivemos perseguindo a justiça porque é para isso que vivemos. E ao final desta
historia toda, sabemos que fizemos a nossa parte. Se injustiças foram
cometidas, delas não participamos não as praticamos e lutamos ferozmente para
que não acontecessem.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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